BOLETIM
VACINAS
ANTI HIV/AIDS - NÚMERO 35
PUBLICAÇÃO DO GIV - GRUPO DE INCENTIVO À VIDA - Julho - 2024

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Boletim Vacinas Anti-HIV/AIDS - GIV

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TUBERCULOSE E HIV
Tuberculose mais comum em ambientes ricos
Tuberculose está ainda mais comum
EM PESSOAS COM HIV EM AMBIENTES DE ALTA RENDA
Gus Cairns • aidsmap • 11 de dezembro de 2023

A tuberculose (TB) ainda é uma das doenças infecciosas mais mortais do mundo, com 10,6 milhões de pessoas desenvolvendo a doença em 2022, e 1,3 milhão de mortes por causa dela. A TB está em segundo lugar, atrás apenas da covid-19, que matou 6,95 milhões de pessoas em 2022, e muito mais do que os 630 mil que morreram em decorrência da AIDS.

Mas, a TB ainda tem menos publicidade do que o HIV – mesmo que seja a maior causa de morte em pessoas com HIV, com mais de 1/4 das mortes relacionadas ao HIV (167.000) diretamente devido à tuberculose.

Não se costuma perceber que o número de pessoas que possuem a infecção latente da tuberculose é maior do que aquelas que desenvolveram a doença (“TB ativa”). Além disso, o desenvolvimento da TB pode ser efetivamente prevenido tomando os medicamentos que compõem o esquema da terapia preventiva para tuberculose (TPT) por alguns meses.

TB VERSUS RENDA

A ocorrência de adoecimento e mortes por TB são muito mais comuns nos países de baixa e média renda do que nos países de alta renda. No entanto, a maior taxa de TB em ambientes de baixa e média renda, especialmente em pessoas com HIV, pode significar que grandes estudos de TB também tendem a ser realizados com maior frequência nestes países. De certa forma, existem menos evidências e pesquisas sobre TB em ambientes de alta renda, especialmente em pessoas com HIV.

As pessoas diagnosticadas com HIV em países de alta renda, especialmente se não são de áreas com alta prevalência de HIV e/ou alta TB, são menos sistematicamente testadas para TB e, portanto, não têm a oportunidade de tomar medicamentos para prevenção da tuberculose se tiverem infecção latente pelo M. tuberculosis (ILTB). Além disso, também não sabemos ate que ponto o ́ tratamento antirretroviral para pessoas com HIV e TB latente reduz o risco de desenvolver TB ativa, de modo a tornar desnecessária a terapia de prevenção da tuberculose.

Não sabemos até que ponto o tratamento antirretroviral para pessoas com HIV e TB latent reduz o risco de desenvolver TB ativa.

Uma equipe de pesquisadores holandeses, portanto, realizou uma meta-análise que reuniu os dados que puderam encontrar em estudos de tuberculose em pessoas com HIV em ambientes de alta renda, ou seja, América do Norte, Europa Ocidental e Australásia (região que inclui a Austrália, a Nova Zelândia, a Nova Guiné e algumas ilhas menores da parte oriental da Indonésia). Eles tentaram responder a três perguntas:

Prevalência da ILTB: Quão comum é a ILTB entre pessoas com HIV em países de alta renda e quais pessoas são mais propensas a tê-la?

Incidência da TB: Quão comum é a progressão para a tuberculose ativa em pessoas com HIV?

Prevenção: Até que ponto o tratamento preventivo da TB impede o desenvolvimento de TB ativa em pessoas com HIV em países de alta renda?

Quase um quarto de toda a população global – cerca de 23% – tem ILTB. Isso pode ser adquirido em qualquer momento da vida, e a taxa de infecção global é de cerca de 0,8% ao ano, sendo a ILTB cerca de duas vezes mais comum em pessoas com mais de 50 anos do que em pessoas com menos de 20 anos.

A maioria das infecções permanece latente, com o sistema imunológico controlando, mas não eliminando, o organismo Mycobacterium tuberculosis. Por definição, as pessoas com tuberculose latente não são infecciosas. É importante destacar que cerca de 20% das pessoas com tuberculose ativa, com confirmação laboratorial, podem não apresentar sintomas, mas podem transmitir a bactéria.

DISTORÇÃO

A ILTB também ocorre em países de alta renda. No entanto, o número de pessoas com ILTB oriundas de países de média e baixa renda é muito maior do que nas nascidas em países de alta renda.

Na Europa Ocidental a prevalência de tuberculose latente é geralmente inferior a 10%, exceto em Portugal e na Alemanha.

Por exemplo, estudos populacionais em geral descobriram que 1% das pessoas nascidas nos EUA têm tuberculose latente, em comparação com 13% dos residentes dos que não nasceram lá. Na Austrália, os números são ainda mais gritantes, com 0,4% dos australianos ao longo da vida tendo tuberculose latente em comparação com 17% das pessoas nascidas fora do país. Na Europa, o quadro é mais misto, mas na Europa Ocidental a prevalência de tuberculose latente é geralmente inferior a 10%, exceto em Portugal e na Alemanha.

Na meta-análise, os pesquisadores encontraram 51 estudos cobrindo 60.930 pessoas com HIV. Destes, 28 foram realizados na América do Norte, 19 na Europa Ocidental e 4 na Australásia.

Entre os 51 estudos, a prevalência agrupada de TB latente foi de 12%, variando de cerca de 6% na Australásia a cerca de 13,5% na América do Norte. A prevalência de TB latente em pessoas com HIV diminuiu consideravelmente nos últimos anos; em estudos realizados antes de 2010 foi de cerca de 14% e depois de 2010, cerca de 8%. Os estudos diferiram amplamente em tamanho, desenho, testes usados e seleção da população (por exemplo, mais pessoas com baixa contagem de CD4 e sem terapia antirretroviral (TARV) tenderam a ser rastreadas). Como alguns estudos foram em pessoas recém-diagnosticadas com HIV, a taxa de supressão viral variou de zero a 77%.

Em relação às pessoas que foram diagnosticadas com ILTB, 81% delas eram homens; entre os registrados do país de origem, 34% nasceram foram do país relevante e 20% vieram de um país com alta carga de TB. Nos estudos europeus, 14% dos indivíduos com tuberculose latente eram da África Subsaariana e nos estudos dos EUA, 47% eram negros. Dois terços tinham adquirido o HIV em relações heterossexuais. Um quarto tinha uma contagem de CD4 abaixo de 200 e 34% estavam em TARV, mas apenas quatro estudos registraram a carga viral.

Nos estudos europeus, 14% dos indivíduos com tuberculose latente eram da África Subsaariana e nos estudos dos EUA, 47% eram negros.

Na análise multivariada, alguns fatores não se associaram a TB latente. Por exemplo, ̀ os homens eram 35% menos propensos a serem diagnosticados com ILTB, mas isso não foi estatisticamente significativo (p-0,08).

Os fatores significativos foram nascimento em um país de alta prevalência de TB (odds ratio 4,67); ser negro africano (OR 3,26); ser não-nativo (OR 3,28); ter sido previamente exposto a TB (OR 2,88); e ter contraído HIV ̀ numa relação heterossexual (OR 1,85). As pessoas em TARV tinham 45% menos chances de ter tuberculose latente e isso só não foi estatisticamente significativo (p-0,06).

INCIDÊNCIA: TB ATIVA

Apenas 8-10% das pessoas com tuberculose latente desenvolverão sintomas e terão doença ativa da tuberculose: 5% nos dois primeiros anos após a infecção, os outros mais lentamente. Fatores como fumar tornam mais provável. Pessoas com HIV e tuberculose latente, no entanto, são mais propensas a desenvolver tuberculose ativa.

A Organização Mundial da Saúde estima que a incidência de tuberculose ativa na população em geral é inferior a 10 por 100.000 pessoas por ano na maioria dos países da Europa Ocidental. Na Europa Central e Oriental, a incidência é consideravelmente maior, em 29 por 100.000 na Lituânia, 46 por 100.000 na Rússia e 64 por 100.000 na Romênia.

A incidência de tuberculose ativa em todas as pessoas com HIV no Reino Unido foi de 670 por 100.000

Mas, em um grande estudo de coorte publicado no The Lancet HIV de 2015, a incidência de tuberculose ativa em todas as pessoas com HIV no Reino Unido foi de 670 por 100.000, quase 100 vezes maior do que na população em geral. Foi 13,6 por 1.000 em africanos subsaarianos e 1,7 por 1.000 em pessoas de etnia britânica branca. No entanto, caiu para 1,9 por 1.000 em pessoas africanas em tratamento para o HIV e 0,5 por 1.000 em pessoas brancas britânicas que tomam tratamento – embora isso ainda seja mais de sete vezes a incidência na população geral do Reino Unido branco.

Um segundo estudo de coorte do Reino Unido, em 2020, encontrou uma incidência semelhante de tuberculose ativa em pessoas com HIV de 0,6 por 1.000, mas o dobro disso (1,2 por 1.000) em pessoas negras. Neste estudo, 283 de 704 pessoas com TB ativa estavam em TARV com cargas virais abaixo de 50.

Num estudo, 283 de 704 pessoas com TB ativa estavam em TARV com cargas virais abaixo de 50.

Na presente meta-análise, apenas sete estudos analisaram a incidência de TB, entre 10.629 pessoas com HIV. Entre todos os participantes do estudo, independentemente do status latente da TB, 1,25% desenvolveram TB ativa em algum momento.

Em termos de incidência anual, em pessoas que foram diagnosticadas com ILTB, a incidência anual de TB ativa variou de 12,7 por 1.000 por ano a 48,4 por 1.000 por ano. Essa variação provavelmente representa a heterogeneidade no desenho do estudo, tanto quanto as diferenças reais na incidência.

Algumas pessoas que testam negativo para TB latente ainda podem desenvolver TB ativa; nesse grupo, a incidência variou de zero a 10,4 por 1.000 por ano. Tomando todos os estudos em conjunto e permitindo variações no projeto, a incidência agrupada de TB ativa em pessoas que testam positivo para TB latente foi de 28 por 1.000 por ano e naqueles que testaram negativo, foi de 4 por 1.000 por ano.

Cinco estudos descobriram que a progressão para TB ativa era consideravelmente mais comum em pessoas com HIV que não estavam em TARV.

Cinco estudos descobriram que a progressão para TB ativa era consideravelmente mais comum em pessoas com HIV que não estavam em TARV, mas o desenho variado de estudos não permitiu que os autores criassem uma figura para a contribuição da TARV para a prevenção da TB ativa.

PREVENÇÃO: TERAPIA PREVENTIVA DA TB

Apenas cinco estudos relataram pessoas com TB latente que estavam em terapia preventiva de TB (TPT). Entre eles, dois não encontraram casos de TB ativa em pessoas que haviam realizado a TPT no passado, dificultando o cálculo da redução relativa do risco. Um pequeno estudo não encontrou casos de TB ativa e um estudo não tinha braço controle. O único estudo relatando casos em TPT e braços de controle descobriu que o TPT (neste caso, com 63% de adesão) impediu 70% dos casos de TB ativa que, de outra forma, poderiam ter acontecido.

Reunindo todos os estudos, no entanto, os pesquisadores foram capazes de determinar que a taxa de incidência de TB ativa foi de 65 por 1.000 por ano em pessoas que não tomaram TPT e seis por 1.000 em pessoas que a tomaram, ou seja, mais de 90% de eficácia.

NÚMEROS NECESSÁRIOS PARA TRATAR E CONCLUSÕES

Os pesquisadores calcularam três números

  • Em primeiro lugar, o número de pessoas HIV-positivas que precisava ser rastreado para detectar um caso de tuberculose latente. No geral, eram oito. No entanto, apenas seis pessoas nascidas fora do país precisariam ser examinadas para detectar um caso, em comparação com 14 pessoas nascidas no país. Quatro pessoas com exposição prévia à TB precisariam ser rastreadas para detectar um caso.
  • Em segundo lugar, o número de pessoas com TB latente que precisava tratar com TPT para evitar um caso de TB ativa. Como a eficácia do TPT só dependia da adesão, esse número foi estimado como 20, para todas as populações.
  • Por fim, o número de pessoas HIV-positivas para rastrear a TB latente, assumindo que todos os que testaram positivo teriam acesso à TPT, a fim de prevenir um caso de TB ativa: este variou de 111 em pessoas que nasceram no exterior a 285 pessoas nascidas no país.

Embora as diretrizes da OMS recomendem o rastreamento de todas as pessoas com HIV para TB, na prática isso nem sempre é feito.

Embora as diretrizes da OMS recomendem o rastreamento de todas as pessoas com HIV para TB, na prática isso nem sempre é feito. Por exemplo, em 2017, uma pesquisa do Reino Unido descobriu que apenas 57% das clínicas de HIV estavam realizando rastreamento de tuberculose, e essa taxa não era maior nas áreas de maior ocorrência da doença do Reino Unido. Em uma auditoria de 2015 em uma grande clínica de HIV em Londres, 12% das pessoas com HIV realizaram exames regulares para diagnosticar TB, apesar disso ser recomendado pelo Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica (NICE).

Os autores da meta-análise endossam uma estratégia de triagem seletiva para a TB latente. Este tipo de abordagem é atualmente recomendado por órgãos como a Sociedade Clínica Europeia de AIDS e a Associação Britânica de HIV, com triagem recomendada apenas para pessoas com HIV oriundas de países com taxas altas e médias de TB, especialmente os recém diagnosticados. Outras pessoas só são rastreadas se tiverem fatores de risco, como a exposição recente à tuberculose.

Em 2021, a Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA) descobriu que 98,4% das pessoas diagnosticadas com tuberculose receberam um teste de HIV.

No entanto, quando se trata do caso inverso – triagem de pessoas diagnosticadas com TB para HIV – os órgãos de saúde pública recomendam o teste universal de HIV e essas diretrizes são seguidas em muitos contextos. Em 2021, a Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA) descobriu que 98,4% das pessoas diagnosticadas com tuberculose receberam um teste de HIV.

Pode-se argumentar que poderia ser melhor oferecer um teste de tuberculose para todas as pessoas com HIV. Afinal, como os autores do artigo atual observam, a incidência de TB ativa em pessoas com HIV foi aproximadamente 100 vezes maior do que a incidência geral de TB em países de baixa incidência, de modo que “a triagem parece favorável nessa população”.

REFERÊNCIAS:
• Van Geuns D et al. Rastreio para a infecção por tuberculose pelo HIV e eficácia do tratamento preventivo entre pessoas vivendo com HIV em ambientes de baixa incidência: uma revisão sistemática e meta-análise. AIDS, primeira publicação on-line, 12 de outubro de 2023. Disponível em http://www.doi.org/10.97/QAD. 0000000000003747.

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Fevereiro de 2019

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