Num ensaio clínico de fase II, 94% das pessoas que mudaram para comprimidos semanais de islatravir e lenacapavir mantiveram uma carga viral indetectável, igualando a taxa de supressão viral daqueles que continuaram a tomar biktarvy diariamente (bictegravir/tenofovir alafenamida/ entricitabina). Se mais dados continuarem a mostrar-se promissores, a combinação poderá tornar-se o regime de ação mais prolongada que não envolve injeções.
“Os regimes orais transformaram os cuidados com o HIV, mas tomar um comprimido todos os dias é difícil”, disse Amy Colson, da Iniciativa Comunitária em Pesquisa, de Boston, numa conferência de imprensa. “As opções de ação mais prolongada aliviam o peso da tomada diária de comprimidos e têm o potencial de melhorar a adesão, melhorar o controle virológico e reduzir novas infeccções.”
AS DROGAS
O lenacapavir, da Gilead Sciences, é o primeiro inibidor do capsídeo do HIV. Por funcionar de forma diferente, permanece ativo contra vírus que desenvolveram resistência a outras classes de antirretrovirais. Uma formulação injetável semestral (Sunlenca) foi aprovada em 2022 para pessoas com experiência no tratamento do HIV multirresistente. A Gilead também fabrica um comprimido de lenacapavir de 300 mg que é tomado como dose de ataque inicial e pode ser usado como uma “ponte” temporária caso uma injeção seja esquecida.
O islatravir, também conhecido como EFdAor MK-8591, é um inibidor nucleosídeo da translocação da transcriptase reversa de primeira classe da Merck. Tem uma meia-vida longa no corpo, o que o torna um candidato ao tratamento e à prevenção de ação prolongada do HIV. Combinado com o NNRTI doravirina (Pifeltro), o islatravir demonstrou boa atividade em pessoas não tratadas anteriormente e manteve a supressão viral naqueles que mudaram de outro regime oral.
GLOSSÁRIO (SEGUNDO DEFINIÇÕES DO AIDSMAP)
Supressão virológica: Interrupção da função ou replicação de um vírus. No HIV, a supressão viral ótima é medida como a redução da carga viral (RNA do HIV) para níveis indetectáveis e é o objetivo da terapia antirretroviral
Carga viral detectável: Quando a carga viral é detectável, indica que o HIV está se replicando no corpo. Se a pessoa estiver em tratamento para o HIV, mas sua carga viral for detectável, o tratamento não está funcionando corretamente. Ainda pode haver risco de transmissão do HIV aos parceiros sexuais.
Falha/falência virológica: caracterizada por carga viral detectável, ou seja, a pessoa com HIV volta a apresentar níveis detectáveis de HIV no sangue. Isso significa que, por algum motivo, aquele tratamento não fez o efeito esperado e o HIV está novamente em replicação, com aumento da carga viral.
Como a doravirina não é adequada para terapia de ação prolongada, a Merck também associou o islatravir ao MK-8507, um NNRTI experimental, num regime de uma vez por semana. Além disso, a Merck e a Gilead iniciaram um estudo de islatravir mais lenacapavir uma vez por semana em 2021. Mas, mais tarde nesse ano, a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) dos EUA suspendeu clinicamente o islatravir depois que participantes em ensaios de tratamento terem experimentado um declínio nas contagens de células T-CD4 e voluntários HIV negativos em estudos de profilaxia pré-exposição (PrEP) observarem uma queda na contagem total de linfócitos.
Contudo, a Merck não estava preparada para desistir do islatravir. Os cientistas da empresa realizaram uma extensa análise para compreender melhor o problema, determinando que as doses utilizadas nestes ensaios eram demasiado elevadas. As pessoas que tomaram doses mais baixas tinham números de células CD4 e linfócitos totais comparáveis aos das pessoas que receberam terapia padrão ou placebo.
As pessoas que tomaram doses mais baixas tinham números de células CD4 e linfócitos totais comparáveis aos das pessoas que receberam terapia padrão ou placebo.
A FDA suspendeu a suspensão e a Merck lançou um novo conjunto de estudos testando uma dose diária mais baixa de islatravir em combinação com doravirina e reiniciou o ensaio com Gilead usando uma dose semanal mais baixa de islatravir com lenacapavir
Agora, os primeiros resultados desse ensaio finalmente chegaram.
Este estudo aberto de fase II (NCT05052996) envolveu 104 adultos com supressão viral (menos de 50 copias/mL) em tratamento com biktarvy diário, sem histórico de falha virológica, uma contagem de CD4 de pelo menos 350 e uma contagem total de linfócitos de pelo menos 900. Pessoas com hepatite B foram excluídas, pois nenhum dos medicamentos tem atividade contra o vírus da hepatite B. A idade média era de 40 anos e 18% eram mulheres. A população do estudo foi diversificada: 50% brancos, 36% negros, 29% latinos e 7% asiáticos, nativos americanos ou das ilhas do Pacífico.
Os participantes do estudo foram designados aleatoriamente para continuar tomando biktarvy uma vez ao dia ou mudar para comprimidos de 2 mg de islatravir mais 300 mg de lenacapavir uma vez por semana.
Às 24 semanas, a maioria dos participantes em ambos os grupos manteve a supressão viral.
Às 24 semanas, o islatravir mais lenacapavir foi “tão eficaz como bem tolerado”, e a maioria dos participantes em ambos os grupos manteve a supressão viral, disse Colson aos jornalistas.
RESULTADOS
Apenas uma pessoa (1,9%) no grupo de islatravir mais lenacapavir apresentou carga viral acima de 50 cópias às 24 semanas, e mais tarde alcançou supressão viral, na 30ª semana. Ninguém no grupo biktarvy apresentou carga viral detectável às 24 semanas. ̀Ambos os grupos tiveram a mesma taxa de supressão viral (94,2%) após contabilizar cinco pessoas com dados faltantes. O acompanhamento continuará por 48 semanas
Ambos os regimes de tratamento foram seguros e bem tolerados. O monitoramento cuidadoso das células CD4 e dos linfócitos totais não revelou diminuições clinicamente significativas nem diferenças entre os dois grupos. Os eventos adversos relacionados ao tratamento foram mais comuns no grupo islatravir mais lenacapavir (17,3% vs 5,8%), mas todos foram de leves a moderados. Os efeitos colaterais mais comuns neste grupo foram boca seca e náusea. Duas pessoas interromperam os medicamentos devido a eventos adversos não relacionados ao tratamento. Colson observou que a equipe do estudo deseja ver os dados de segurança de 48 semanas antes de decidir como seguir em frente.
Com base nestas descobertas, o islatravir mais lenacapavir “tem potencial para se tornar o primeiro regime oral completo semanal para o tratamento do HIV”, concluiu Colson.
REFERÊNCIAS:
• Colson A et al. Eficácia e segurança de islatravir mais lenacapavir semanal em PVHIV às 24
semanas: Um estudo de fase II. Conferência
sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas,
Denver, resumo 208, 2024