Condensado e adaptado por Andrea P. Ferrara e Paulo Giacomini
Uma análise interina e programada dos resultados do estudo, feita pelo Conselho de Monitorização de Segurança de Dados (DSMB, na sigla em inglês) concluiu que as vacinas eram seguras, mas não havia perspectivas de demonstrar eficácia protetora contra a aquisição da infecção pelo HIV, em comparação com o placebo, entre os participantes do estudo. Isso levou à descontinuação do estudo. Não foram identificados problemas de segurança com o regime de vacinação. Ao longo do ensaio, os investigadores do estudo garantiram que todos os indivíduos que contraíram o HIV recebessem tratamento e cuidados imediatos
No ensaio clínico Mosaico, a estratégia de vacinação foi testada desde novembro de 2019 em 3.800 voluntários (homens cisgêneros e pessoas trans que fazem sexo com homens cisgêneros e/ou pessoas trans) entre 18 e 60 anos de idade (média de idade de 28 anos) que, por seus comportamentos sexuais, hábitos e história clínica, tinham alto risco de contrair a infecção, mas haviam desistido de fazer a profilaxia pré-exposição (PrEP).
Segundo dados apresentados no dia 25 de janeiro de 2023 em um seminário on-line, a região ibero-americana contribuiu com quase 90% dos participantes: Peru (1.615), Brasil (952), Argentina (402), México (3.479) e Espanha (262). Os demais foram recrutados na Itália, na Polônia e nos Estados Unidos (incluindo dez participantes de Porto Rico). O último voluntário a completar o esquema o fez em outubro de 2022.
VETORIAL + BIVALENTE
A fórmula experimental foi baseada em imunógenos em “mosaico”, ou seja, que apresentavam elementos de vários subtipos do vírus da imunodeficiência humana (HIV), a fim de induzir uma resposta imunitária protetora contra a infecção em todo o mundo. Combinou uma vacina vetorial de adenovírus (Ad26.Mos4.HIV) e uma vacina de proteína bivalente (gp140 clade C e gp140 em mosaico). O projeto foi criado há quase duas décadas e foi respaldado por resultados muito encorajadores dos ensaios pré-clínicos em primatas, exceto humanos, e em ensaios clínicos. Metade dos participantes foi randomizada para a vacina ou o placebo.
Não foi observada eficácia nos resultados do ensaio e as taxas de infecção pelo HIV foram bastante elevadas, segundo Susan Buchbinder, do Departamento de Saúde de San Francisco, nos EUA. Ela relatou que a incidência global do HIV foi de 4,1 por 100 pessoas-ano tanto no braço da vacina quanto no braço do placebo. As taxas de incidência foram superiores a 5,0 em pessoas de 18 a 20 anos em ambos os braços, e mais altas na América Latina do que na Europa e nos Estados Unidos. Esses resultados levaram à descontinuação do estudo.
Para os pesquisadores ainda não está claro o que falhou, mas eles estão convencidos de que a falha tem mais a ver com questões relacionadas à biologia do HIV, ou com as limitações inerentes à vacina, do que com problemas de elaboração do estudo, ou com os efeitos imprevistos da pandemia de covid-19, que em muitos casos retardou ou limitou o recrutamento de participantes e pode ter modificado temporariamente as relações sexuais.
“O vírus da imunodeficiência humana se caracteriza por burlar a resposta imunitária e se esconder do sistema imunitário com grande eficácia e, nesse sentido, a busca por uma vacina contra o HIV tem uma complexidade enorme quando comparada às de outros vírus, como o SARS-CoV-2”, disse Marcelo Losso, chefe do serviço de imunodeficiência na Clínica de Saúde Sexual (ClinSex) do Hospital Ramos Mejía, na Argentina, que recrutou 127 participantes para o estudo.
ANTICORPOS NÃO NEUTRALIZANTES
Assim como o ensaio Imbokodo, que terminou em 2021, o Mosaico testou uma vacina destinada a produzir anticorpos não neutralizantes. Em contraste com os anticorpos neutralizantes, que impedem diretamente a propagação de um agente patogênico no corpo, os anticorpos não neutralizantes evocam respostas imunitárias que combatem indiretamente a infecção. Segundo Larry Corey, da Rede de Ensaios de Vacinas contra o HIV (HVTN), tinha escrito anteriormente, os ensaios Imbokodo e Mosaico seriam cruciais para revelar se os anticorpos não neutralizantes poderiam proteger contra o HV, o que não se demonstrou clinicamente eficaz.
Conforme Corey afirmou, sete ou oito vacinas candidatas seriam avaliadas nos próximos dois anos para determinar se podem atingir níveis suficientemente elevados de anticorpos neutralizantes que possam proteger contra a infecção pelo HIV. “Vai ser complicado. Levaremos um pouco de tempo”, disse ele, que também expressou esperança. “O campo é vibrante e estamos muito otimistas.”