O termo chemsex –também referido como Party ‘n Play (PnP), High & Horny (H&H), em inglês– começa a ser usado em meados dos anos 2000, em Londres, por homens gays, para descrever o uso intencional e exclusivo de substâncias psicoativas durante atividades sexuais entre eles. No entanto, antes de ser oficialmente nomeada chemsex, a prática já era comum entre homens gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH) em boates do Reino Unido.
A preocupação em relação a essa prática veio à tona quando um aumento nos casos de hepatite C começou a se manifestar entre homens gays que vivem com HIV, frequentadores de clínicas de prevenção e tratamento de IST/HIV, de serviços de saúde sexual e de apoio a pessoas que fazem uso de drogas em Londres. Esse fato sugeriu uma possível correlação entre a prática de sexo associada ao uso de substâncias e o aumento substancial de novos casos de hepatite C, especialmente entre aqueles que se envolviam em práticas de slamming ou slamsex, utilizando metanfetamina e mefedrona de forma injetável (Stuart, 2013).
Glossário básico
Chemsex: contração das palavras chemical + sex (química + sexo); uso de metanfetamina, mefedrona e/ou GHB durante atividades sexuais.Sexo aditivado ou sexo colocado: termos utilizados no Brasil para se referir ao chemsex.
Slamming, slamsex: ato de diluir e injetar metanfetamina ou mefedrona associado à prática sexual.
Party’n Play (PnP): sexo na festa; festa de sexo.
High & Horny (H&H): alto e com tesão.
Embora o termo original chemsex, de origem inglesa, tenha sido difundido globalmente, é evidente, por meio de ações diretas e de relatos informais, que nem todos os praticantes estão familiarizados com essa designação. No Brasil e em outros países da América Latina, por exemplo, o termo chemsex ainda é pouco conhecido, mesmo entre aqueles que se envolvem nessa prática, apesar de sua prevalência e reconhecimento em outros países, onde já se observa considerável investimento em conhecimento sobre o fenômeno do chemsex, derivado de trabalhos científicos, políticas públicas específicas e outras iniciativas em todo o mundo, particularmente nos países do Norte Global.
Apesar de pouco conhecimento sobre o sexo químico, um estudo comparativo entre Brasil e Portugal mostrou que durante a pandemia de covid-19, a porcentagem de HSH que relataram ter se envolvido no chemsex, no Brasil, atingiu quase 90% dos participantes, cinco vezes mais do que o observado em Portugal. Esse dado traz à luz a importância do crescimento desta prática no País, principalmente durante o período de isolamento social imposto pela pandemia de covid-19 e que parece não ter se retraído após seu término (Sousa et al, 2020).
A prática do sexo associada ao uso de substâncias psicoativas, conhecida como chemsex, difere de outros tipos de uso sexualizado de drogas, pois emerge com um propósito claro e motivado por fatores comuns entre homens gays e HSH. O sexo químico busca, principalmente, promover a coesão dentro da comunidade e abordar questões pertinentes a esses grupos, como a homofobia, o medo da soropositividade para o HIV (sorofobia) e o estigma relacionado às pessoas que fazem uso de drogas. Nesse contexto, diversas motivações comuns têm levado indivíduos a recorrerem ao uso de substâncias psicoativas em associação com a atividade sexual, que se destacam por suas particularidades em termos de necessidades, vulnerabilidades, subjetividades e formas de comunicação.
Motivações comuns têm levado indivíduos a recorrerem ao uso de substâncias psicoativas em associação com a atividade sexual, que se destacam por suas particularidades em termos de necessidades, vulnerabilidades, subjetividades e formas de comunicação.
Os principais motivos relatados pelos adeptos do sexo químico incluem a busca por conexões interpessoais, a mitigação do isolamento social e da solidão, o receio do envelhecimento e da perda da vitalidade sexual, a melhora da autoestima, a necessidade de aceitação corporal, a melhoria do desempenho no trabalho sexual, a amplificação das emoções e sensações de confiança e prazer, o prolongamento e intensificação das atividades sexuais, além da autogestão do status sorológico positivo para o HIV, utilizando muitas vezes o chemsex como uma estratégia para a seleção de parceiros sexuais com base no status sorológico –serosorting– (Samuel, 2019) e com o intuito de minimizar o estigma relacionado ao HIV (Semple et al, 2002; Sousa et al, 2023).
Um levantamento recente realizado pelo consórcio ReShape, sediado no Reino Unido, forneceu dados interessantes sobre a percepção dos adeptos do chemsex em relação aos benefícios e riscos associados a essa prática, oferecendo uma visão abrangente em relação a diversas regiões do mundo onde a prática é encontrada (Azzi, 2023).
GEOLOCALIZAÇÃO
Os benefícios do chemsex, no geral, incluem a perda de inibições, a redução do julgamento sobre parceiros sexuais, experiências sexuais mais relaxadas e satisfatórias, e a percepção global de liberação associada a essa prática. Esses benefícios são percebidos de forma diferente em diferentes regiões, com Europa Oriental, Central e Ásia destacando o chemsex como uma forma de superar o estigma e a vergonha relacionados à sexualidade e ao status de HIV, enquanto na Europa Ocidental e América do Norte os benefícios parecem estar mais focados em melhorar as experiências sexuais. A participação dos países que compõem o Sul Global no levantamento foi considerada muito pequena, em comparação com o Norte Global. No entanto, o autor sugere que a prevalência do chemsex nessa região não seja menor, mas tenha sido mais difícil de ser acessada por questões metodológicas ou pelo estigma em relação ao tópico (Azzi, 2023).
Praticantes do sexo químico utilizam uma combinação de substâncias e métodos de administração com o objetivo de potencializar a libido, as sensações de bem-estar, prazer e autoconfiança.
Praticantes do sexo químico utilizam uma combinação de substâncias e métodos de administração com o objetivo de potencializar a libido, as sensações de bem-estar, prazer e autoconfiança, permitindo a extensão do ato sexual por horas ou dias. As substâncias mais comumente utilizadas incluem metanfetamina, mefedrona e GHB/GBL.
No Brasil, relatos de praticantes indicam que as principais substâncias são metanfetamina e GHB. A metanfetamina, assim como a cocaína, pertence à classe das substâncias psicoestimulantes, induzindo sensações de euforia e aumentando o desejo sexual, enquanto o GHB possui propriedades depressoras do Sistema Nervoso Central (SNC), promovendo relaxamento e desinibição.
Além dessas, outras substâncias associadas incluem medicamentos para disfunção erétil, ketamina, cocaína, MDMA (ou ecstasy), poppers, cannabis e álcool. O uso combinado dessas substâncias pode variar muito entre países e entre regiões ou cidades dentro do mesmo país, tornando complexa a tarefa de se tentar estabelecer um “protocolo” de uso dentro da prática do sexo químico (Sousa et al, 2023).
A prática de chemsex é definida pelo uso de uma ou mais substâncias com o único propósito de intensificar as atividades sexuais.
É importante ressaltar que a prática de chemsex é definida pelo uso de uma ou mais substâncias com o único propósito de intensificar as atividades sexuais, mas parece não ser totalmente restrita a determinadas substâncias e a identidades de gênero e sexualidade como homens gays e HSH cisgêneros. Pouco se sabe sobre o perfil das pessoas adeptas dessa prática no Brasil, mas em outros países ela já é observada em mulheres cis e trans, geralmente associada ao trabalho sexual (Azzi, 2023).
Vale lembrar que o desenvolvimento de aplicativos de encontros desempenha um papel significativo ao facilitar a conexão entre as pessoas e ao criar um vocabulário próprio para o chemsex, tanto como meio de identificação quanto por meio do uso de símbolos gráficos (emojis) para indicar quais substâncias são de interesse de quem busca ou tem disponível para uso, além de termos específicos para certas práticas sexuais e status sorológico para o HIV (Stuart, 2019). Identificar e acessar o público-alvo do chemsex pode ser um desafio, pois muitas vezes ocorre em contextos privados ou pelas redes sociais e aplicativos de encontros.
Ícones utilizados por praticantes de chemsex
: cocaína
: GHB/GBL
: ketamina
: metanfetamina
: slamming
: qualquer droga/local disponível
: cannabis
Portanto, campanhas e recrutamentos para participação em pesquisas realizadas nesses ambientes virtuais podem ser uma estratégia importante para garantir o sigilo e alcançar esse público com mais facilidade, pois o uso dessa ferramenta é comum entre seus adeptos. Dado que a prática do chemsex envolve principalmente homens gays e HSH, ela está intrinsecamente ligada a questões que afetam essas pessoas de maneira muito particular, incluindo o estigma relacionado às pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA), à orientação sexual (homofobia) e ao uso de drogas (especialmente o uso de drogas ilícitas).
DESAFIOS
Os desafios em relação à prevenção do HIV no contexto do sexo químico têm sido amplamente discutidos na literatura científica, destacando diversas questões cruciais que demandam atenção e intervenção. O uso de substâncias durante o sexo pode aumentar significativamente o risco de transmissão do HIV, pois está associado a comportamentos de maior risco, como sexo desprotegido, envolvimento com múltiplos parceiros sexuais e compartilhamento de insumos para uso de drogas. O risco associado ao uso de substâncias no chemsex pode levar a uma diminuição da percepção de risco e, consequentemente, a práticas sexuais desprotegidas, aumentando, assim, o risco de transmissão do HIV, hepatites virais e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST). Especial atenção deve ser dada ao slamsex, que envolve o uso de agulhas e seringas para uso de drogas, apresentando riscos adicionais.
A prática do chemsex pode criar barreiras significativas a adesão às estratégias de prevenção do HIV, como o uso consistente de preservativos, lubrificantes e ao tratamento antirretroviral (TARV).
Além disso, a prática do chemsex pode criar barreiras significativas a adesão às estratégias de prevenção do HIV, como o uso consistente de preservativos, lubrificantes, ao tratamento antirretroviral (TARV) e a busca por testagem regular de HIV e outras IST. Essas barreiras são muitas vezes exacerbadas pelas questões de saúde mental enfrentadas pelos participantes do chemsex, incluindo ansiedade, depressão, isolamento social, transtornos por uso de substâncias e pelo estigma imputado a essas pessoas, que pode prejudicar a procura por cuidados de saúde e prevenção do HIV.
A abordagem ao chemsex requer, portanto, uma visão multidisciplinar, integrando serviços de saúde sexual, saúde mental, redução de danos e rede de apoio social para compreender de forma abrangente os riscos e as motivações associados a essa prática. Isso inclui a necessidade de intervenções específicas voltadas a essa população, como linhas de cuidado, estratégias de redução de danos, acesso às profilaxias pré (PrEP) e pós-exposição (PEP) ao HIV, acompanhadas de testagem regular às IST/HIV e hepatites virais, além de educação sobre práticas sexuais mais seguras e acompanhamento em saúde mental.
Pouco se sabe até o momento sobre os impactos reais do chemsex na epidemia de HIV, tanto em nível global, quanto regional, como no Brasil. No entanto, os riscos de transmissão, não apenas do HIV, mas de outras IST, e hepatites virais entre pessoas que usam drogas, seja por via sexual, quanto pelo compartilhamento de instrumentos de injeção para uso de drogas, são maiores, e tem sido observada uma adesão ao chemsex especialmente entre as PVHA (Semple, 2002). Portanto, é importante que essas pessoas também sejam consideradas no âmbito de políticas públicas e cuidado, para que tenham suas vulnerabilidades levadas em consideração, visto que a prática do chemsex pode agravá-las.
É importante que essas pessoas também sejam consideradas no âmbito de políticas públicas e cuidado, para que tenham suas vulnerabilidades levadas em consideração, visto que a prática do chemsex pode agravá-las.
Para além da epidemia de HIV, a prática de chemsex traz a necessidade de se abordar questões de saúde mental e de uso e dependência de drogas associadas, que muitas vezes estão relacionadas a questões prévias de saúde mental, como depressão, ansiedade e LGBTfobia, além da sorologia positiva para o HIV. A prática do chemsex pode agravar ou desencadear essas questões, além do risco aumentado para o desenvolvimento de transtornos por uso de substâncias e dificuldades em práticas sexuais futuras sem o uso de drogas, exigindo abordagens integradas entre saúde mental e prevenção.
COMBINANDO A PREVENÇÃO
A aplicação da Prevenção Combinada, com destaque para a PrEP, apresenta-se como uma ferramenta importante na abordagem do chemsex, oferecendo não apenas proteção contra o HIV, mas também atuando como um facilitador para o acesso a serviços adicionais de prevenção de IST. Integrar a PrEP aos recursos já estabelecidos para entrega de serviços de saúde sexual, viabiliza a disponibilização de outros recursos, como educação, testagem e tratamento para IST, para indivíduos envolvidos nesse contexto (Ong et al, 2019).
A decisão de iniciar a PrEP pode influenciar mudanças comportamentais entre praticantes de chemsex, levandoos a refletir sobre seus padrões de comportamento sexual e considerar estratégias para redução de riscos e danos relacionados ao uso de substâncias.
Além disso, a decisão de iniciar a PrEP pode influenciar mudanças comportamentais entre praticantes de chemsex, levando-os a refletir sobre seus padrões de comportamento sexual e considerar estratégias para redução de riscos e danos relacionados ao uso de substâncias. Isso pode resultar em uma maior conscientização sobre a importância da prevenção de IST, incluindo testagem regular, tratamento e outras medidas dentro da abordagem de Prevenção Combinada do HIV.
É essencial abordar o chemsex de maneira abrangente, considerando não apenas a aplicação da PrEP, mas também outras estratégias e considerações importantes. Isso inclui a necessidade de educação sobre o HIV, garantia de acesso a serviços de saúde sexual, estratégias de redução de danos, combate ao estigma e discriminação, além da colaboração entre diferentes setores e a realização de pesquisas contínuas para monitorar a dinâmica da transmissão do HIV nesse contexto específico.
A abordagem multidisciplinar, que reconhece a interseccionalidade do problema e prioriza a pesquisa e o desenvolvimento de conhecimento em nível regional, é fundamental para enfrentar esse desafio complexo e garantir a saúde e o bem-estar de todas as pessoas envolvidas no chemsex.
(*) Karin Di Monteiro do Núcleo de Ensino e Pesquisa do Centro de Convivência É de Lei (NEP_LEI) | Centro Universitário Paulistano (UniPaulistana) | Laboratório de Saúde Coletiva (LASCOL) / Departamento de Medicina Preventiva / Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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em https://drive.google.com/file/d/1mYWAODtRzJoWIACDPYBVI7wlQqpmBDED/view?usp=sharing.
Acesso em 20/02/2024.
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Prevention of HIV Infection: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA Netw Open. 2019
Dec 2;2(12).
• Samuel K. Sexo “mais seguro” na atualidade: perspectivas de homens soronegativos no Canadá. Boletim Vacinas e Novas Tecnologias de Prevenção. Grupo de Incentivo à Vida. 2019 Nov; 33.
Disponível em https://giv.org.br/boletimvacinas/33/sexo-mais-seguro-na-atualidade-perspectivas-de-homens-soronegativos-no-canada.php. Acesso em 08/05/2024.
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who have sex with men (MSM): a global health perspective. Revista Brasileira de Enfermagem.
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