BOLETIM
VACINAS
ANTI HIV/AIDS - NÚMERO 35
PUBLICAÇÃO DO GIV - GRUPO DE INCENTIVO À VIDA - Julho - 2024

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Boletim Vacinas Anti-HIV/AIDS - GIV

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ANÁLISE
Memória da história da luta contra a AIDS no Brasil
Boletim Vacinas Anti-HIV/Aids: a memória da história da luta contra a Aids no Brasil
PUBLICAÇÃO PAUTA MOVIMENTO SOCIAL E GESTORES DA POLÍTICA DE AIDS, ATUALIZA PROFISSIONAIS DE SAÚDE, INFORMA PESSOAS VIVENDO COM HIV E CONTRIBUI PARA CAPACITAR NOVOS ATIVISTAS
Paulo Giacomini*

Qualquer pessoa mais atenta consegue perceber a importância do Boletim Vacinas Anti-HIV/AIDS apenas ao folhear suas páginas. Para constatá-la, é necessário ler alguns dos artigos nele publicados. Para afirmar sua importância histórica e política para a luta contra o HIV/AIDS no Brasil, percorremos não apenas seus índices, editoriais e expedientes, nos detivemos em cada uma de suas edições, colocando-as em perspectiva à época da publicação.

Em 34 edições e um “piloto” comandados por Jorge Beloqui, leitores deste Boletim Vacinas tiveram e têm informação de qualidade e trabalho árduo para levá-lo a público. Ele comemora em artigo à página 3 do número 10: “muita coisa mudou e muita coisa permaneceu igual nas atividades de vacinas anti-HIV. Assim como a pesquisa de vacinas, produzir o Boletim é uma batalha constante”.

Em evento, Jorge revisa sua apresentação
Em evento, Jorge revisa sua apresentação | Foto: Paulo Giacomini

Dossiê Vacinas foi o embrião deste Boletim Vacinas Anti-HIV/AIDS e há 32 anos, em abril de 1992, foi publicado pelos grupos Pela Vidda (RJ e SP) e ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS); é fruto do “resultado de uma reunião entre 22 ONGs/AIDS, a Comissão do Programa Global de AIDS da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o coordenador do Programa Nacional de AIDS, Eduardo Côrtes, realizada em dezembro de 1991, na qual ficou clara a divergência entre a nossa posição e a do Ministério [da Saúde, naquele momento]. Para marcar a posição das ONGs/AIDS, foi elaborado um documento que solicitava a continuidade do diálogo com a OMS. Mas ainda faltava algo. Era preciso informar às ONGs que estávamos representando e o público em geral sobre o que estava acontecendo. Assim nasceu a primeira edição do Boletim, ou número zero. Ele [...] trazia a perspectiva de cientistas, como Euclides Castilho e Bernardo Galvão; a posição da OMS, através de declarações de José Esparza e Saladin Osmanov; e tabelas com os produtos que estavam sendo testados nos países desenvolvidos”

Era preciso informar às ONGs que estávamos representando e o público em geral sobre o que estava acontecendo. Assim nasceu a primeira edição do Boletim, ou número zero.

Para abordar o tema das vacinas anti- -HIV, o Dossiê Vacinas recorre a um “ceticismo inicial” sobre a “produção de vacinas para pessoas não infectadas e infectadas pelo HIV/AIDS”. Conforme publicou, havia “no mínimo 14 vacinas em vários estágios de experiências clínicas humanas”, número usado como argumento pelo engajamento do movimento social de luta contra a AIDS do Brasil no advocacy internacional por uma vacina-anti-HIV/AIDS.

Também, porque “nenhuma destas experiências de vacinas HIV em andamento ainda reportou efeitos do lado tóxico; existem indicações em estudo de animais e em dados preliminares de testes [em] humanos de que algumas vacinas podem ajudar no aumento de anticorpos e, mais significativamente, podem aumentar o número de células T4”.

OS PRIMEIROS NÚMEROS

A primeira edição do Boletim Vacinas Anti-HIV/AIDS foi lançada no período de janeiro a março de 1995, três anos depois. Naquela edição – e como seria nas próximas duas –, o editorial foi estampado na capa. Vale destacar um trecho:

“Há dois anos e meio da criação do Comitê Nacional de Vacinas do Ministério da Saúde, surpreende-nos a morosidade para a instalação de ensaios de vacinas anti-HIV/AIDS no Brasil. Desconhecemos as razões dessa lentidão. Este processo [...] tem sido atacado por alguns profissionais na imprensa. Infelizmente, nestes casos, observamos pouca seriedade nas críticas e escasso compromisso com a saúde pública.”

Na edição nº 2 (jun/1995), a morte de Jonas Salk, aos 80 anos. Foi ele quem desenvolveu uma das duas modalidades da vacina contra a poliomielite, no início dos anos 1960. Salk foi evocado ao Boletim Vacinas por que fundou, em 1986, a Immune Response Corporation, seu próprio laboratório instalado na Califórnia, onde trabalhava no desenvolvimento de uma vacina terapêutica para pessoas vivendo com HIV ou AIDS (PVHA). Conforme o Boletim, Salk “costumava dizer que seria o primeiro a receber a vacina que descobrisse contra a AIDS”

Salk foi evocado ao Boletim Vacinas por que fundou, em 1986, a Immune Response Corporation, seu próprio laboratório instalado na Califórnia, onde trabalhava no desenvolvimento de uma vacina terapêutica para pessoas vivendo com HIV ou AIDS.

DE CASA E ROUPA NOVAS

Até a terceira edição (ago/1995), o Boletim Vacinas foi uma “publicação das ONGs/AIDS”. A partir do número 4 (out/1999), passa a ser uma “publicação do GIV – Grupo de Incentivo à Vida”.

“Os três primeiros números do Boletim Vacinas foram publicados no ano de 1995, numa iniciativa conjunta das ONGs/AIDS integrantes do Comitê Nacional de Vacinas Anti-HIV/AIDS da época.”

Sob a retranca – termo que designa uma seção na qual se agrupam tópicos de um mesmo tema numa publicação – “apresentação”, o texto característico de um editorial – posicionamento do conselho editorial, da organização ou dos editores de uma publicação – traz sob o título “O mundo quer uma vacina contra a AIDS”, foco e direcionamento sob os quais o Boletim Vacinas era e seria editado:

“É com muita satisfação que apresentamos o novo Boletim Vacinas Anti-HIV/AIDS, que volta a circular quatro anos após sua última edição, em agosto de 1995. Trata- -se de uma resposta comunitária que vem juntar-se aos esforços mundiais em busca de uma vacina contra a AIDS. Pretendemos com a publicação – a primeira de uma nova série – oferecer um instrumento de capacitação e atualização sobre o que há de mais relevante sobre o tema.”

Por toda a edição o Boletim Vacinas recupera as três iniciais, dando-lhe corpo editorial, agora com 32 páginas, arte e diagramação uniformes e bem delineadas e texto com “informações gerais sobre a vacina como meio mais seguro e eficaz de se prevenir uma doença, seus mecanismos de ação, a história da imunização, as fórmulas clássicas e a ‘nova geração’ de vacinas”

Àquela altura, eram ‘alentadoras as transformações no cenário internacional’, pois soavam ‘como compromisso as declarações do Presidente dos EUA, Bill Clinton, sobre o empenho de seu país em obter uma vacina no prazo de 10 anos’.

A edição percorre “o longo caminho que vem sendo traçado para a obtenção da vacina: as tentativas, as características ideais, as fases de uma pesquisa, os obstáculos técnicos e biológicos e os fatos que demonstram ser possível a grande descoberta”. Àquela altura, eram “alentadoras as transformações no cenário internacional”, pois soavam “como compromisso as declarações do Presidente dos EUA, Bill Clinton, sobre o empenho de seu país em obter uma vacina no prazo de 10 anos. O apoio dos países ricos (G7) e do Banco Mundial, que acenam com investimentos vultosos, dão novo fôlego às pesquisas que pareciam abandonadas”

Mas, do otimismo pelos “investimentos vultosos”, a realidade que se interpõe: “Ao compromisso político somam-se fatos concretos. Pela primeira vez entra em Fase III de pesquisa uma candidata a vacina. Apesar do produto ser pouco promissor, os testes em larga escala na Tailândia e EUA podem fornecer dados preciosos para futuras pesquisas.”

Para o Boletim, o Brasil dava sua contribuição ao finalizar um novo Plano Nacional de Vacinas Anti-HIV/AIDS e “um teste clínico de Fase II terá início no Rio de Janeiro. Estudos preparatórios com homossexuais masculinos soronegativos, em São Paulo, Rio e Belo Horizonte [projetos Bela Vista, Praça Onze e Horizonte, respectivamente], têm contribuído com importantes dados, tanto epidemiológicos quanto comportamentais”.

ÉTICA EM PESQUISA

“O país demonstra, assim, ser um lugar de intensa pesquisa em AIDS, com capacidade de desenvolver e monitorar grandes grupos de voluntários”, afirmava o editorial que, mesmo depois de três anos noticiava outra lição brasileira, a de como “compatibilizar a urgência das pesquisas com mecanismos capazes de assegurar princípios éticos essenciais, a exemplo da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, que determina as regras para experimentos com seres humanos no País”.

Mesmos com um hiato de 3 anos entre a Resolução 196 e a publicação da edição 4, o Boletim dedica quatro páginas ao tema, destacando o consentimento livre e esclarecido, os riscos e benefícios e os maus exemplos do passado. A Resolução 196 trouxe ao voluntário da pesquisa ‘direitos’ até então não reconhecidos não apenas no Brasil. Também insere, no sistema de comitês de ética e comissão nacional de ética em pesquisa (CEP-CONEP), que avalia e aprova ou não a realização de pesquisas com seres humanos em saúde no País, a voz do usuário do SUS – inclusive como determina o dispositivo constitucional regulamentado pela Lei nº 8.142/1990, que dispõe sobre a participação comunitária na elaboração e monitoramento das políticas públicas em saúde.

Voltando ao tema, a edição 4 traz ainda o artigo “O desafio da ética nos ensaios clínicos”, do filósofo e eticista norueguês Reidar Lie, da Universidade de Bergen, na Noruega, que escreve:

“Sem entrar na complexidade da controvérsia atual sobre os níveis de tratamento que devem ser fornecidos aos que se submetem aos estudos de vacinas, o ensaio de Fase III em curso na Tailândia envolvendo usuários de drogas intravenosas não inspira a confiança de que tudo está sendo feito para proteger estas pessoas contra danos. Apesar da recomendação quase universal de que os participantes devem ter acesso a seringas e agulhas esterilizadas, os patrocinadores deste ensaio decidiram não realizar um programa de troca de seringas.”

No rodapé da notícia, o Boletim recomendava a importância de o voluntário de uma pesquisa não se sentir intimidado. “Se algo não foi satisfatoriamente explicado ou alguns aspectos do estudo não são confortáveis, o voluntário deve continuar fazendo perguntas”, pois seria preocupante não conseguir respostas, uma vez que “estudos mal desenvolvidos puseram pacientes em risco, algumas vezes. No Brasil, tivemos exemplos de pesquisas mal conduzidas, como o protocolo 028 (indinavir) da multinacional Merck, que submeteu pacientes à condenada monoterapia com antirretrovirais e não forneceu resultados de exames necessários ao acompanhamento da evolução da infecção”.

No Brasil, tivemos exemplos de pesquisas mal conduzidas, como o protocolo 028 (indinavir) da multinacional Merck, que submeteu pacientes à condenada monoterapia com antirretrovirais e não forneceu resultados de exames necessários ao acompanhamento da evolução da infecção.

O tema da ética em pesquisa é tão importante para o Boletim Vacinas que a edição 5 (jun/2000) noticia que a Associação Médica Mundial se reuniria em outubro para, entre outros temas, discutir “possíveis mudanças” à Declaração de Helsinque. Em quatro páginas traz ainda a Carta de Brasília, documento redigido pelo Fórum Nacional Declaração de Helsinque: Perspectivas da Sociedade Brasileira, endereçado à Associação Médica Brasileira, contra as “possíveis mudanças”, além da íntegra da Resolução nº 301, de 16 de março de 2000, assinada pelo presidente do Conselho Nacional de Saúde e ministro da Saúde, José Serra, na qual o órgão máximo de controle social em saúde do País tenta preservar sua Resolução, e se posicionando contra as “possíveis mudanças” à Declaração de Helsinque.

A edição 6 (mai/2001), volta ao tema com a notícia da vitória parcial sobre a Declaração de Helsinque. O texto publicado é um resumo do relatório de participação do prof. Dirceu Greco, que à época representou a Comissão Nacional de AIDS (CNAIDS) na 52ª Assembleia da Geral da Associação Médica Mundial. Segundo Greco, “houve realmente melhorias em alguns pontos [da declaração] quando comparada com a versão de 1996 e, tão importante quanto, não foram incorporadas quaisquer das modificações propostas em 1999. A palavra ‘melhor’ foi reintroduzida no item sobre acesso aos cuidados de saúde. Este item (nº 30) ficou assim redigido: No final do estudo, todos os pacientes participantes devem ter assegurados o acesso aos melhores métodos comprovados profiláticos, diagnósticos e terapêuticos identificados pelo estudo”

A questão ética voltou ao Boletim outras vezes. Na edição 10 (dez/2003), por ocasião da reunião da iniciativa conjunta para a vacina de AIDS da OMS-UNAIDS, o subtítulo foi “vitória da ética em pesquisa”. A edição traz entrevista com a professora Elma Zóboli, da Escola de Enfermagem da USP, que esteve na IV Jornada de Vacinas anti-HIV, encontro organizado pelo GIV. Na entrevista, a professora que também era membro da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) do Conselho Nacional de Saúde, falou sobre a questão da ética em pesquisa com seres humanos e sobre a representação dos usuários nos Comitês de Ética em Pesquisa. E, ainda, um artigo de Dirceu Greco sobre as mudanças na Declaração de Helsinque.

DIVERSIFICANDO A PAUTA

Parece-nos paradigmática a edição 13 (jun/2005). Com um artigo de Myron Cohen, publicado originalmente no IAVI Report, de setembro-novembro de 2004, que aborda a questão da transmissão sexual do HIV, é a primeira vez no Brasil – ao menos para leigos –, que se entra em contato com a questão das possibilidades de transmissão e da não transmissão do HIV. À época, segundo a tabela publicada à página 5, a chance de transmissão do HIV era de 1 em 10.000 após um acidente com agulha seguido de profilaxia com zidovudina, o AZT.

“A transmissão sexual do HIV é claramente não homogênea. As intervenções de sucesso (biológicas ou comportamentais) deveriam ser dirigidas primordialmente para o momento do maior risco de infecção. Esse é um desafio importante dada a nossa dificuldade atual de reconhecer e tratar as pessoas com infecção aguda pelo HIV, mas ele deve ser enfrentado se quisermos controlar a epidemia do HIV. Além disso, as intervenções biológicas devem ser desenvolvidas para lidar com as condições reais da transmissão: altas cargas virais, potencial para diversidade viral e inflamação mediada por DSTs”, conclui Cohen

Segundo documentos oficiais (1), os estudos de demonstração da profilaxia pré- -exposição ao HIV (PrEP) começaram no Brasil em 2013. No entanto, leitores da edição 16 (dez/2006) entraram em contato com a pauta após a Conferência Internacional de AIDS, realizada em Toronto, no Canadá. Na AIDS 2006 foram divulgados resultados preliminares de um estudo de PrEP, que chegou da seguinte forma ao Boletim:

Foi na AIDS 2006 que foram divulgados resultados preliminares de um estudo de PrEP.

“Houve muita repercussão de um ensaio sobre profilaxia pré-exposição (PrEP) em Toronto, com base nos resultados preliminares, que afirmam que a PrEP pode funcionar em humanos. Há três ensaios com tenofovir oral em recrutamento: um em homens e mulheres UDI na Tailândia; um em mulheres em alto risco [de contrair o HIV] na África do Oeste; e um em homens gays nos EUA.”

Beloqui e Giacomini em manifestação do Dia Mundial de Luta contra a AIDS.
Beloqui e Giacomini em manifestação do Dia Mundial de Luta contra a AIDS. | Foto: Paulo Giacomini

E, obviamente, os senões: “Porém, estudos em primatas mostraram que a combinação de tenofovir e FTC (entricitabina) (truvada) pode ser mais eficaz, e os protocolos de dois novos ensaios de PrEP – em homens e mulheres jovens numa região de alta prevalência de Botsuana, e em homens que fazem sexo com homens no Peru – foram alterados para incluir esta combinação no lugar de usar o tenofovir isoladamente.”

Naquela edição, foram oito páginas sobre a conferência de Toronto. Além da PrEP, também foi a primeira vez que leitores do Boletim entraram em contato com o termo “controladores de elite”, pessoas infectadas pelo HIV que controlam o vírus sem medicamento.

Além da PrEP e das probabilidades de transmissão ou não do HIV, a depender da posição sexual e da profilaxia adotada, os próprios estudos em andamento à época forçaram a diversificação da pauta do Boletim. A AIDS 2006, realizada em Toronto, trouxe à tona a circuncisão masculina, os microbicidas e as análises comportamentais ao risco de transmissão do HIV. Todos entraram na pauta do Boletim e, também, mais uma para seu editor: a prevenção combinada do HIV.

PÍLULA DE PREVENÇÃO À AIDS

Trazida para leitura na edição 16, a PrEP também foi pauta da edição 20 (dez/2008), com 11 páginas sobre os estudos em andamento à época. E, lá mesmo já se tocava na tomada intermitente da PrEP, que atualmente é nomeada PrEP sob demanda.

A PEP tem sido usada desde que os antirretrovirais entraram na cena.

Na edição 21 (jun/2009), numa resenha de dois artigos, um deles publicado no jornal O Estado de São Paulo e outro na New Scientist sobre a “pílula de prevenção à AIDS”, a PrEP, ao diferenciar as profilaxias pré e pós-prevenção ao HIV (PrEP e PEP, respectivamente), o Boletim Vacinas afirma que “a PEP tem sido usada desde que os antirretrovirais entraram na cena” e que inicialmente foi reservada a bebês nascidos de mulheres com HIV e profissionais de saúde. “Mas na atualidade pessoas que praticaram sexo inseguro podem obtê-las – se encontrarem um médico que as receite. A PEP reduziu a transmissão vertical em aproximadamente 60% e a transmissão via picada com agulha em aproximadamente 80%.” A PEP está disponível no SUS desde 1999, segundo os documentos oficiais (1).

Foi na edição 22 (dez/2009) que leitores do Boletim conheceram a estratégia Testar e Tratar. Atualmente, é a recomendação do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para o manejo do HIV em adultos (3) que toda pessoa diagnosticada com HIV inicie a terapia antirretroviral (TARV) imediatamente ou em até 7 dias. No final do artigo de quatro páginas publicado pelo Boletim Vacinas, há a informação sobre o Tratamento como Prevenção, que no Brasil tornou-se Tratamento para Todos, estratégia segundo a qual uma pessoa com HIV em TARV regular, com carga viral indetectável há mais de 6 meses, resultado do exame de CD-4 maior que 500, e sem nenhuma infecção sexualmente transmissível nos últimos 6 meses, não transmitiria o HIV

O Brasil participou do HPTN 052, cuja pesquisadora principal foi Beatriz Grinsztejn, da Fiocruz. O estudo recrutou 1750 casais heterossexuais sorodiferentes em diversas partes do mundo, cujo objetivo foi verificar as taxas de infecção entre os grupos randomizados do estudo. Em 2011, ela apresentou sua pesquisa na Conferência sobre a Ciência do HIV, em Roma, e na VIII Jornada de Vacinas, organizada pelo GIV, realizada antes do Encontro Nacional de ONG/AIDS de Belém (PA).

I = I E I = ZERO

A premissa do Tratamento como Prevenção – ou Tratamento para Todos – é a mesma do conceito científico Indetectável é igual a Intransmissível (I = I), reafirmado na Conferência sobre a Ciência do HIV, realizada na Austrália, em julho de 2023.

Apesar de o Boletim dedicar várias páginas em suas edições sobre o Tratamento como Prevenção desde a conferência de AIDS de 2006, em Toronto, apenas a edição 28 (set/2013) traz 21 perguntas e respostas sob o título “Sua carga viral é indetectável? Então dificilmente você transmite o HIV!”. Na edição 29 (nov/2014), o Boletim Vacinas traz: “Estudo Partner: Carga viral indetectável impede transmissão”. Além desta, a notícia que o tratamento antirretroviral precoce reduz o risco de doenças relacionadas ao HIV.

“Foi em 2013 que os estudos demonstrativos de PrEP tiveram início no Brasil.”

De fato, foi em 2013, como já dito, que os estudos demonstrativos de PrEP tiveram início no Brasil. As estratégias Testar e Tratar e Tratamento como Prevenção foram adotadas pelo País naquele mesmo ano.

Na edição 30 (dez/2017), o Boletim Vacinas volta à carga: “Nenhuma transmissão de pessoas com carga viral indetectável no Estudo Partner”. E, para não ficar solitária, outra boa notícia a acompanha: “Homens que tomam TARV supressiva têm HIV indetectável no líquido pré-seminal”.

Na edição 31 (ago/2017), um trem da prevenção combinada anuncia na capa que a redução da discriminação seria a locomotiva e em seus vagões estariam a redução do estigma, o tratamento como prevenção, os preservativos masculino e feminino, a redução de risco, a PEP, a PrEP e a circuncisão masculina. Ainda na capa, duas chamadas para a PrEP. Na primeira, “Projeto Combina antecipa implementação da PrEP no Brasil” e “PrEP será implementada no Brasil”. A PrEP foi lançada oficialmente em 1º de dezembro de 2017 (2). É nesta edição que o Boletim traz, pela primeira vez, um artigo sobre sexo químico e outro sobre a interação de antirretrovirais e drogas ilícitas.

Finalmente, a edição 32 (fev/2019) traz numa capa cor de rosa o I = I. Foram oito páginas sobre o consenso científico. Levando-se em consideração que este consenso começou a ser entabulado em dezembro de 2008, houve uma demora. “Este número 32 do Boletim Vacinas chega um pouco tarde. Mas a responsabilidade não é nossa”, justifica Beloqui em editorial. Segundo publicou o Boletim, “entre os apoiadores da Declaração estão o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, em setembro de 2017, o editorial da revista científica The Lancet, em novembro de 2017, o Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo, em dezembro de 2017, o Programa Municipal de DST/AIDS de São Paulo, em dezembro de 2017, e a Sociedade Brasileira de Infectologia, em janeiro de 2018”.

Se atualmente o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para o manejo do HIV em adultos (3) incorporou quase na velocidade da fibra óptica a evidência científica que I = I porque o RT = zero, o então Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis não havia se manifestado até a publicação daquela edição.

Outras pautas trazidas pelo Boletim Vacinas anti-HIV/AIDS, como a da vacina para o HPV, que antes de ser incorporada pelo SUS custava dois salários-mínimos a quem quisesse se imunizar, foi debatida. Hoje, a vacina contra o HPV é ministrada em dose única às pessoas sem HIV. No caso das pessoas com HIV ela deve ser tomada em três doses até os 45 anos.

Apesar de a circuncisão masculina constar em manuais de Prevenção Combinada do HIV para profissionais de saúde e ser gratuita para recém-nascidos do sexo masculino, sua divulgação não foi incorporada pelo Ministério da Saúde.

Para Jorge Beloqui, o ideal era que o Boletim Vacinas fosse publicado semestralmente. Mais do que um ponto fraco, a falta de periodicidade revela a dificuldade de reconhecimento que a publicação tinha de parte de financiadores nem sempre dispostos a contribuir com a difusão de quaisquer informações.

A busca por uma vacina contra a AIDS, seja ela preventiva ou terapêutica, continua. A tentativa, o erro e os aprendizados são parte dessa busca. Talvez Jorge não gostasse da conclusão, mas o caminho da eliminação da pandemia de HIV/AIDS no mundo tem sido percorrido pelos medicamentos antirretrovirais.

No entanto, o Boletim Vacinas, agora em 35 edições e um piloto, está disponível na página do GIV na internet. Para pautar o movimento social e gestores da política de AIDS, atualizar profissionais de saúde, informar pessoas vivendo com HIV e contribuir para capacitar novos ativistas.

(*) Paulo Giacomini é jornalista, mestre em informação e comunicação em saúde pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). É revisor e jornalista responsável pelo Boletim Vacinas.

REFERÊNCIAS:
1• BRASIL. Relatório de Monitoramento de Profilaxias Pré e Pós-Exposição ao HIV 2022. Ministério da Saúde. Brasília, 2023. Disponível em https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais- -de-conteudo/publicacoes/svsa/aids/relatorio-de-monitoramento-de-profilaxias-pre-e-pos- -exposicao-ao-hiv-2022. Acesso em 12mai2024
2• FIOCRUZ. Ministério da Saúde inicia hoje o lançamento da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). Fiotec / Fiocruz. Rio de Janeiro, 2017dez01. Disponível em https://www.fiotec.fiocruz.br/ noticias/projetos/4648-ministerio-da-saude-inicia-hoje-o-lancamento-da-profilaxia-pre- -exposicao-prep#:~:text=Os%20estudos%20para%20comprovar%20a,resposta%20global%20 ao%20HIV%2FAids. Acesso em 12mai2024.
3• BRASIL. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos – Módulo 1: Tratamento. Disponível em https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/relatorios/2023/PCDTManejodaInfecopeloHIVemAdultosMdulo1Tratamento.pdf. Acesso em 22mai2024.

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