A única medicação licenciada para a profilaxia pré-exposição (PrEP) oral é uma combinação de tenofovir disoproxil fumarato (TDF) e entricitabina (FTC), comercializado pela Gilead Sciences como Truvada, mas também disponível em muitos países como um produto genérico. O TDF é altamente eficaz e geralmente bem tolerado, mas está associado a anormalidades renais e ósseas em uma minoria de pessoas. Não é recomendado para indivíduos com problemas renais existentes.
A Gilead desenvolveu uma nova formulação, o tenofovir alafenamida (TAF). Ele atinge concentrações elevadas nos tecidos, mas as concentrações sanguíneas são tipicamente 90% inferiores às do TDF, reduzindo assim o risco de problemas ósseos e renais. O TAF está incluído em várias pílulas combinadas usadas para terapia antirretroviral, incluindo uma pílula dupla de TAF+FTC, comercializada como Descovy.
Enquanto o TDF+FTC barato está disponível como genérico em muitos mercados, o TAF+FTC (Descovy) é um novo produto exclusivo da Gilead Sciences protegido por patente em vários países.
No tratamento do HIV, os regimes baseados em TAF têm taxas altas de supressão viral semelhantes e segurança renal e óssea melhorada em comparação com os regimes baseados em TDF (ver texto abaixo). No entanto, a eficácia e segurança da PrEP baseada em TAF não foram testadas até o momento.
O ESTUDO
O Dr. Hare apresentou os resultados do DISCOVER, um estudo randomizado controlado de Fase III para avaliar a eficácia e segurança do TAF+FTC para a PrEP entre homens que fazem sexo com homens (HSH) e mulheres transexuais em risco de infecção pelo HIV.
Os participantes foram randomizados, um-para-um, para receber ou TAF+FTC diários ou TDF+FTC. Nem os participantes nem os investigadores sabiam a qual fármaco eles haviam sido designados.
Nas visitas do estudo a cada 12 semanas, todos os participantes receberam aconselhamento de adesão e sobre redução de riscos, testes de HIV e triagem de infecções sexualmente transmissíveis (IST).
Os 5.387 participantes foram recrutados entre setembro de 2016 e maio de 2017 em 11 países da América do Norte (67%) e da Europa (34%). A maioria era branca (84%), a mediana de idade era 34 anos e 74 participantes eram mulheres transexuais. Quando se inscreveram, 16% já estavam tomando TDF+FTC como PrEP.
Quando se inscreveram, 16% já estavam tomando TDF+FTC como PrEP.
Nas 12 semanas anteriores ao recrutamento, o número médio de atos de sexo anal sem preservativo foi de 3,5. O sexo sem preservativo continuou durante o ensaio: 57% dos participantes tiveram uma IST durante o acompanhamento.
PREVENÇÃO DA INFECÇÃO
O desfecho primário do estudo foi a incidência do HIV, com uma análise pré-determinada para realizar no momento em que:
- todos os participantes completassem pelo menos 48 semanas no estudo, e
- 50% completassem 96 semanas.
Isso ocorreu em janeiro de 2019, com um total de 8.756 pessoas-ano de acompanhamento.
Houve 22 infecções pelo HIV: 7 infecções ocorreram no braço do TAF e 15 no braço do TDF. A incidência foi calculada em 0,16% ao ano no braço do TAF e 0,34% ao ano no braço do TDF.
Quinze casos parecem ser devidos à baixa ou mínima adesão. Cinco foram provavelmente devidos a uma infecção que havia sido adquirida antes de entrar no estudo. Dois homens adquiriram o HIV apesar dos níveis de medicamento “adequados”, um em cada braço.
O teste de resistência identificou quatro casos de resistência à entricitabina, mas todos relacionados a infecções que acredita-se adquiridas pouco antes de entrar no estudo. Aqueles que adquiriram o HIV durante o estudo eram mais jovens do que a média dos participantes, e mais propensos a ter uma IST retal.
Aqueles que adquiriram o HIV durante o estudo eram mais jovens do que a média dos participantes, e mais propensos a ter uma IST retal.
A taxa de incidência para TAF+FTC, em comparação com TDF+FTC, foi de 0,47 (intervalo de confiança de 95%: 0,19-1,15). Isso indica que houve menos infecções entre os que usavam TAF do que entre os usuários do TDF, mas a diferença não foi estatisticamente significativa – ou seja, pode ter acontecido por acaso e, em certa medida, foi devido ao maior número de infecções de base nas pessoas em TDF. Isso significa que o TAF demonstrou ser não inferior ao TDF na prevenção da infecção pelo HIV, mas não superior a ele.
Como o DISCOVER não tinha um grupo de controle que recebesse apenas placebo, é difícil comparar esses números com o que teria acontecido se nenhuma intervenção de prevenção fosse oferecida. Os pesquisadores, portanto, relatam dados de vigilância das áreas metropolitanas dos EUA que se sobrepunham aos locais de estudo do DISCOVER.
Nessas áreas, em 2016, a incidência de HIV em HSH que não estavam recebendo PrEP foi de 4,02%, em contraste com 0,08% nos locais do estudo do TAF e 0,45% nos locais no grupo de estudo do TDF.
Porém, durante as perguntas e respostas, o Dr. Kevin de Cock, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), apontou que os números para a incidência geral não haviam sido ajustados para o perfil racial dos participantes do DISCOVER (que era predominantemente branco). Se tivesse sido, a incidência geral ajustada seria menor.
SEGURANÇA
Os eventos adversos relacionados aos medicamentos do estudo (principalmente problemas gastrointestinais de curta duração) foram relatados por 20% e 23% nos braços TAF e TDF, respectivamente. Os eventos adversos sérios relacionados aos medicamentos do estudo foram relatados apenas por 0,1% e 0,2%, respectivamente, levando à interrupção do estudo em 1% e 2%, respectivamente. Essas diferenças não foram estatisticamente significativas.
Os eventos adversos sérios relacionados aos medicamentos do estudo foram relatados apenas por 0,1% e 0,2%, respectivamente, levando à interrupção do estudo em 1% e 2%, respectivamente.
Em termos de segurança renal, na semana 48 a mudança mediana na taxa de filtração glomerular estimada foi um aumento de 1,8 ml/min no braço do TAF e uma diminuição de 2,3 ml/min no braço do TDF. Essas mudanças foram pequenas, mas estatisticamente significativas. Os marcadores de lesão tubular renal proximal também favoreceram o braço do TAF. Oito participantes interromperam devido a problemas renais (dois no braço do TAF e seis no braço do TDF, não sendo uma diferença estatisticamente significativa).
A densidade mineral óssea foi avaliada em um subestudo com 383 participantes. Na semana 48, os usuários de TAF tiveram um aumento médio de 0,50% na coluna vertebral e aumento de 0,18% no quadril. Já os usuários de TDF tiveram uma diminuição média de 1,12% na coluna vertebral e redução de 0,99% no quadril (N. do T.: negrito nosso).
Estas pequenas alterações nos biomarcadores renais e ósseos podem não ser clinicamente significativas. Em uma coletiva de imprensa, o Dr. Hare disse que, para um teste mostrar uma diferença em eventos adversos (como doença renal ou fraturas), ele precisaria ser várias vezes maior que este, e ter uma duração muito maior.
A Gilead anunciou que buscaria aprovação regulamentar para o uso de Descovy como PrEP
Em um comunicado à imprensa, a Gilead anunciou que agora buscaria aprovação regulamentar para o uso de Descovy como PrEP.
HÁ UMA DIFERENÇA REAL DE EFICÁCIA E SEGURANÇA ENTRE O TDF E O TAF?
Traduzimos o resumo do artigo:
Antecedentes: altas concentrações de tenofovir no plasma sanguíneo estão associadas com maiores riscos de eventos adversos renais e ósseos. Os medicamentos ritonavir (RTV) e cobicistat (COBI), usados como reforços, aumentam as concentrações de TDF entre 25% e 37%. Quando combinado com RTV ou COBI, a dose de TAF é reduzida de 25mg a 10 mg diários, mas a dosagem de TDF é mantida em 300 mg diários.
Objetivo: avaliar as diferenças em segurança e eficácia do TAF e do TDF com e sem os reforços RTV e COBI.
Métodos: uma busca bibliográfica até julho de 2017 identificou 11 ensaios randomizados (8.111 pacientes) comparando TDF e TAF.
Resultados: 9 ensaios clínicos compararam TAF e TDF para o tratamento do HIV-1 e outros dois eram para o tratamento da hepatite B. Os 11 estudos tiveram 4.574 pacientes com RTV ou COBI nos dois braços, cobrindo 7.198 pacientes-ano de acompanhamento. Aproximadamente 3.537 pacientes usaram esquemas sem reforço, totalizando 3.595 pacientes-ano de acompanhamento. Os pacientes tratados com TDF e algum reforço mostraram supressão viral (50 cópial/ml) no limite da significação estatística (p=0,05), mais fraturas ósseas (p=0,04), maiores reduções da densidade óssea (p<0,001) e maior descontinuação do tratamento devido a eventos adversos ósseos (p=0,03) ou renais (p=0,002). Em contraste, nao houve diferenças significativas entre as taxas de supressão viral ou desfechos de segurança entre o TAF usado sem reforço e o TDF usado sem reforço.
Conclusões: o TDF reforçado com RTV ou COBI esteve associado a maiores riscos de eventos adversos renais e ósseos, e menores taxas de supressão viral do que o TAF. Em contraste, se o RTV ou o COBI não fossem usados, não havia diferenças de eficácia entre o TAF e o TDF, e diferenças marginais de segurança. O valor econômico para a saúde do TAF comparado com TDF genérico de baixo preço pode ser limitado quando eles forem utilizados sem RTV ou COBI