O propósito desta cartilha é o de apoiar a atualização para quem atua diretamente ou indiretamente com o direito, isto é, Defensoria Pública, Ministério Público, Poder Judiciário e Poder Legislativo sobre a ciência da transmissão do HIV, sobretudo pela via sexual.
O Ministério da Saúde estimava, em dezembro de 2020, que “...cerca de 920 mil pessoas vivem com HIV no Brasil. Dessas, 89% foram diagnosticadas e 77% fazem tratamento com medicamentos antirretrovirais, que são remédios para impedir a multiplicação do vírus no organismo, distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2020, até outubro, cerca de 642 mil pessoas estavam em tratamento antirretroviral...” (https://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2020/12/cai-o-numero-de-casos-e-mortes-causados-pela-aids-no-pais)
O primeiro caso que conhecemos de julgamento de uma pessoa vivendo com HIV/AIDS (PVHA) é de 1994-1995 pelo art. 131 do Código Penal (perigo de contágio de moléstia grave).
O tratamento para as PVHA avançou muito desde 1996, quando se estabeleceu cientificamente a Terapia Tríplice com Antirretrovirais (TAR) para o controle do HIV. O Brasil, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), adotou esta política nesse mesmo ano, mediante a Lei 9313, também chamada de Lei Sarney, por ter sido este senador que a propôs. Essas terapias garantem o controle da infecção e possibilitam uma vida normal para a maior parte das pessoas que dela se beneficiam. Na atualidade, a TAR é indicada para todas as PVHA, independentemente de outros parâmetros de saúde. O Brasil foi dos primeiros países em desenvolvimento a adotarem esta TAR universal.
Ainda assim, mesmo em 2005, PVHA usando TAR eficaz eram acusadas de tentativa de homicídio (art. 121 Código Penal) por terem relações sexuais sem preservativo. Como a eventual vítima também tinha acesso à TAR, o que garantia saúde e vida normalizada, o homicídio não era possível, ou seja, os benefícios da TAR eram bem conhecidos no âmbito da saúde, mas no âmbito judiciário ou legislativo eram desconhecidos.
Somente em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu um habeas corpus, em que o réu solicitava a mudança de enquadramento do tipo penal do artigo 121 (homicídio ou tentativa) para o 131 (perigo de contágio).
Na atualidade, resultados de estudos divulgados entre 2012 e 2017 mostraram a impossibilidade de transmissão sexual do HIV nas relações sexuais sem preservativos, quando a pessoa vivendo com HIV/Aids está em TAR eficaz. Especificamente, quando a carga viral (modo de medir a quantidade de HIV presente no sangue) é inferior a 200 cópias/ml. Muitas vezes, as PVHA em TAR apresentam níveis de carga viral ainda inferiores aos limites de detecção dos exames comuns (20 ou 40 cópias/ml). Neste caso, dizemos que elas têm carga viral indetectável.
Isto deu origem à Declaração intitulada “Indetectável = Intransmissível” ou brevemente “I = I”.
Também oferecemos uma referência sobre a “Declaração de Consenso de Especialistas sobre a ciência do HIV no contexto da Lei Criminal” assinada por prêmios Nobel e prestigiosos cientistas brasileiros entre outros. Ela detalha a atualidade científica sobre a transmissão do HIV, não necessariamente por PVHA em uso de TAR eficaz.
Esta cartilha tem 4 seções e um anexo:
Temas que envolvem as relações sexuais entre pessoas estão sujeitos a julgamentos morais que podem levar à discriminação, estigmatização e injustiça. Esperamos que esta contribuição possa facilitar uma discussão serena à luz do conhecimento científico, para se fazer justiça.