Foto: Sociedade Internacional da Aids / Steve Forrest
“Temos uma resposta: o esquema simplesmente não funcionou. Hoje é um dia realmente sombrio.”
Essa foi a reação imediata e sincera de uma das pesquisadoras principais do primeiro teste de eficácia de uma candidata a vacina contra do HIV em larga escala a ser lançado em nove anos. Não houve diferença na taxa de infecção pelo HIV entre as pessoas que receberam a vacina e as pessoas que receberam um placebo.
A Dra. Linda-GailBekker, da Universidade da Cidade do Cabo – diretora de operações da Fundação Desmond Tutu HIV e ex-presidente da International AIDS Society (Sociedade Internacional de AIDS, IAS) – estava falando para muitas pessoas na comunidade de pesquisa e ativistas em HIV.
É claro que não havia certeza se o esquema de vacina envolvido teria alguma eficácia – este era o objetivo da realização do teste. Porém havia grandes esperanças de que mostrasse alguma.
Vetor: Um vírus ou bactéria inofensiva usado como transportador de vacina para entregar pedaços de um organismo causador de doença (como o HIV) nas células do corpo para estimular uma resposta imunológica protetora.
Placebo: Um comprimido ou líquido similar com um medicamento real, mas que não contém substância ativa.
Resposta imunológica: é o modo em que o corpo reconhece e se defende contra bactérias, vírus e substâncias que parecem estranhas e prejudiciais e também células disfuncionais.
Proteína: Substância que forma a estrutura da maioria das células e enzimas.
Sistema imunológico: conjunto de mecanismos do corpo para combater infecções e erradicar células disfuncionais.
A BUSCA POR UMA VACINA
Os primeiros dois ensaios de eficácia
Os dois primeiros grandes testes de eficácia, chamados Vax (Vax003 e Vax004), foram lançados em 1998 e, entre os dois, recrutaram quase 8.000 pessoas nos EUA, Canadá, Holanda e Tailândia. Eles usaram uma estratégia que tem sido usada desde então na maioria dos testes de eficácia: uma estratégia de ‘primário mais reforço’ composta por duas vacinas.
Uma é frequentemente um vetor, um pedaço de DNA ou proteína envolvido dentro da casca de outro vírus, inofensivo. Este vetor pode entrar nas células e, portanto, alertar a parte celular do sistema imunológico, desencadeando uma resposta através das células CD4 e CD8. A outra é um pedaço ‘nu’ de proteína do DNA do HIV, mas um foi aprimorado para maximizar ou ampliar a resposta imunitária, geralmente misturando epitopos – a área da molécula do antígeno (no caso, o HIV) que se liga aos receptores celulares e aos anticorpos – de diferentes variedades de HIV. Espera-se que isto provoque a parte humoral do sistema imunológico e gere anticorpos – embora, na prática, as coisas sejam mais complicadas, pois a presença de anticorpos também pode alertar as células CD4 e CD8.
Embora o estudo Vax, terminado em 2003, não comprovasse eficácia, o componente da proteína do HIV, chamado AIDSVAX, continuou a ser usado em outros estudos, incluindo o HVTN 702.
O estudo STEP
Um estudo chave, o STEP ou também HVTN 502, começou a matricular 3000 pessoas em dezembro de 2004. Foi um teste apenas de uma vacina de vetor, sendo o vetor baseado em um adenovírus, um tipo de vírus que geralmente causa doenças do tipo resfriado. Num ensaio anterior ao HVTN 702, as reações imunitárias produzidas pareciam promissoras e havia um sentimento geral de otimismo de que essa vacina poderia funcionar.
Num ensaio anterior ao HVTN 702, as reações imunitárias produzidas pareciam promissoras e havia um sentimento geral de otimismo de que essa vacina poderia funcionar.
Portanto, foi um golpe quando o estudo STEP foi encerrado em março de 2007. Pior, parecia haver um leve excesso de infecções em pessoas que receberam a vacina – 49 infecções – em comparação com aquelas que receberam o placebo – 33.
Este não foi um resultado aleatório. Os cientistas descobriram em 2008 que a exposição anterior ao adenovírus usado como vetor de vacina realmente tornava as células das pessoas mais receptivas, e não menos, à infecção subsequente pelo HIV. Dois outros ensaios de eficácia, PAVE e Phambili, que usaram uma vacina semelhante à STEP, também foram interrompidos.
“Foi encorajador que houvesse uma resposta eficaz de anticorpos, embora houvesse alguns sinais de alerta de que não era tão forte.”
Isso levou a níveis muito baixos a moral dos desenvolvedores de vacinas contra o HIV. O virologista pioneiro David Baltimore, que descobriu a transcriptase reversa, descreveu o desenvolvimento da vacina contra o HIV no início de 2008 como um “tópico triste” e disse: “Não estamos mais próximos de uma vacina agora do que estávamos... no dia em que o HIV foi descoberto.”
O estudo RV-144
Na época, o RV-144, um estudo de eficácia usando as candidatas a vacina AIDSVAX, junto com a ALVAC, estava em andamento na Tailândia. O estudo foi amplamente criticado, porque alguns pesquisadores viam o RV-144 apenas como uma repetição de uma estratégia que já havia falhado. Portanto, as notícias de setembro de 2009 de que o estudo RV-144 havia produzido um resultado positivo foram recebidas quase com descrença. Uma manchete, “Um estudo de vacina impopular produz resultados surpreendentes”, praticamente resumiu os sentimentos da época.
As notícias de setembro de 2009 de que o estudo RV-144 havia produzido um resultado positivo foram recebidas quase com descrença.
O RV-144 foi enorme, com 16.000 participantes, e a incidência foi baixa, com 125 infecções por HIV, mas havia 31% menos infecções no braço da vacina do que no braço do placebo (51 versus 74) – e isso foi estatisticamente significativo.
Investigações posteriores mostraram que isso não foi por acaso. Demorou um tempo para refazer os aspectos do RV-144, mas em um estudo de acompanhamento, o RV-305, os voluntários originais do teste que receberam uma nova dose de vacina produziram fortes respostas de anticorpos a partes específicas da proteína do envelope do HIV. Também o estudo HVTN 097, um acompanhamento sul-africano, mostrou que essas respostas poderiam ser fortalecidas. Um tipo específico de resposta de anticorpos chamado IgG pareceu ser crucial.
O estudo Uhambo
O HVTN 097 foi o primeiro de uma série de ensaios de Fase I e Fase II, conduzidos pela mesma equipe de pesquisa, que levariam ao HVTN 702 (Uhambo).
Foi encorajador que houvesse uma resposta eficaz de anticorpos, embora houvesse alguns sinais de alerta de que não era tão forte: apenas parecia neutralizar os vírus menos virulentos do “nível 1” e diminuía rapidamente com o tempo. Se o RV-144 tivesse sido interrompido no final de seu primeiro ano, pareceria ter tido 60% de eficácia.
Se o RV-144 tivesse sido interrompido no final de seu primeiro ano, pareceria ter tido 60% de eficácia.
No entanto, o fato de uma vacina ter produzido algum tipo de resultado positivo teve um efeito galvanizador no campo, da mesma forma que a cura de uma única pessoa com HIV galvanizou a pesquisa de cura. Portanto, quando as respostas do sistema imunológico vistas em um estudo subsequente, o HVTN 100, excederam confortavelmente os critérios para iniciar um estudo de eficácia de Fase III, o Uhambo começou a recrutar participantes.
No momento do lançamento, em novembro de 2016, o aidsmap.com comentou: “Os sinais são muito promissores de que o estudo pode mostrar eficácia significativa, mas já fomos surpreendidos desagradavelmente antes e talvez não saibamos os resultados completos por quatro anos.”
Os cientistas recrutaram 5.407 sul africanos soronegativos (ou seja, sem HIV no sangue). O grupo era composto por homens e mulheres sexualmente ativos de 18 a 35 anos. Durante 18 meses uma parte tomou seis doses de vacina e outra parte recebeu também seis aplicações de placebo. Houve acesso a PrEP.
Numa análise realizada no final de janeiro de 2020, com 5.283 voluntários, observou-se que no grupo vacinado (2.694) 129 pessoas se infectaram. Já no grupo que recebeu placebo, ocorreram 123 infecções. Do ponto de vista estatístico, não houve diferença entre os grupos, o que levou o Comitê de Dados e Segurança a recomendar a suspensão do estudo.
O QUE NOS LEVA À ATUALIDADE...
Estudos de eficácia de vacinas em andamento
Eles são os ensaios Imbokodo, Mosaico e PrepVacc. (Veja mais neste Boletim Vacinas.)
Na atualidade há três ensaios de eficácia em andamento: Imbokodo, Mosaico e PrepVacc.
“A boa notícia”, diz Glenda Gray, “é que esses testes usam estratégias totalmente diferentes daquelas do Uhambo”.
O FUTURO
Existem muitas outras vacinas experimentais em teste de laboratório e estudos de segurança na fila para provar seu valor, mas o desenvolvimento da vacina pode demorar muito tempo.
As vacinas contra o HIV parecem funcionar principalmente induzindo o corpo a produzir anticorpos que combatem a infecção. Até o momento, ainda não desenvolvemos uma vacina em testes em humanos que induz o corpo a produzir os anticorpos “amplamente neutralizantes” que são a melhor resposta para a diversidade genética do HIV. Porém, consulte neste Boletim o artigo sobre o ensaio G001 da IAVI.
No entanto, eles estão sendo dados como ‘imunização passiva’, ou seja, como um novo tipo de medicamento duradouro administrado por infusão. Ensaios como o estudo AMP (ver neste Boletim Vacinas) podem revolucionar o tratamento e a prevenção do HIV, mesmo que não sejam vacinas, especialmente se puderem ser administrados com medicamentos injetáveis ou orais de longa duração.
O QUE FAZER ENQUANTO ESPERAMOS POR UMA VACINA?
O que fazer nesse ínterim? “No momento, gostemos ou não, talvez a PrEP seja a resposta”, diz Glenda Gray. “Precisamos de algo porque, apesar dos sucessos em algumas localidades, apenas intensificar o tratamento para o HIV não fez nenhuma diferença na incidência anual de 4% do HIV que vimos em nossos participantes de Uhambo. Essa taxa de infecção persistiu por duas décadas.”
O que fazer nesse ínterim? “No momento, gostemos ou não, talvez a PrEP seja a resposta”, diz Glenda Gray.
É indicativo que o SEARCH, um estudo de testagem e tratamento no Quênia e em Uganda, que produziu alguns dos resultados mais positivos, tenha incluído a PrEP em sua próxima fase.
“Precisamos colocar muito mais energia e financiamento para implementar a PrEP adequadamente”, diz Linda-Gail Bekker.
Ela ressalta, por exemplo, que, embora os novos medicamentos injetáveis para o HIV possam prometer na PrEP “eles ainda serão fornecidos nos locais de tratamento e será necessário armazená-los na cadeia de frio. PrEP oral, no entanto, você pode enviar para as pessoas em qualquer lugar por correio”.
Outra é – bem, por que não combinar uma vacina com a PrEP? Se a primeira geração de vacinas contra o HIV só será eficaz em situações de baixa incidência do HIV, por que não reduzir a incidência do HIV em indivíduos de alto risco ao nível mais baixo, fornecendo-lhes PrEP também?
Esse é o conceito que será usado no ensaio de vacina PrEPVacc que administrará um placebo ou uma das duas versões de uma vacina – uma apenas uma vacina de DNA nu, a outra com um vetor – a pelo menos 1.668 mulheres e homens com idades entre 18 e 40 anos na África do Sul, Moçambique, Uganda e Tanzânia, e randomizará os participantes para tomar uma das duas versões de PrEP disponíveis – entricitabina mais tenofovir disoproxil fumarato (TDF) ou tenofovir alafenamida (TAF). As pessoas não terão que tomar PrEP para permanecer no ensaio, mas serão incentivadas a fazê-lo. O PrEPVacc deve começar dentro dos próximos dois meses e durará dois anos. Ver neste Boletim Vacinas.
As pessoas não terão que tomar PrEP para permanecer no ensaio, mas serão incentivadas a fazê-lo.
“Mesmo que a PrEP não seja nossa bala de prata”, diz Glenda Gray, “poderia ser um componente crítico para controlar nossa epidemia de HIV aqui. E a epidemia não está sob controle. Penso que na maioria das vezes somos atraídos pela gravidade de nossa epidemia de HIV no sul da África”.