RESUMO
Foi realizado um estudo no qual 24 mulheres trans e 24 homens trans que recebiam terapia hormonal para afirmação de gênero (THAG), cujo objetivo foi determinar se esta terapia afetava o nível dos medicamentos da profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP), tenofovir e entricitabina.
Os voluntários tomaram uma dose diária da formulação padrão do medicamento utilizado para PrEP (tenofovir+ entricitabina). A ingestão foi diretamente observada.
O estudo determinou que os níveis dos dois medicamentos de PrEP tinham níveis semelhantes aos observados em homens e mulheres cis similares.
Todos os medicamentos estiveram acima dos níveis associados à eficácia.
HISTÓRICO
Este estudo, até certo ponto, aborda as preocupações levantadas por alguns outros estudos que sugeriram que tanto os níveis de hormônios de afirmação de gênero quanto os níveis de PrEP poderiam ser mais baixos em pessoas trans que tomam PrEP, devido a interações medicamentosas. No entanto, esses estudos apresentaram pessoas em diferentes esquemas hormonais e nem sempre monitoraram diretamente a ingestão de PrEP.
Os medicamentos da PrEP e os hormônios sexuais são metabolizados de maneiras diferentes. Não há razão para esperar interações significativas.
Os medicamentos da PrEP e os hormônios sexuais são metabolizados de maneiras diferentes. Portanto, não há razão para esperar interações significativas, dizem os pesquisadores. No entanto, em um comentário, o Dr. Douglas Krakower, do Centro Médico Beth Israel Deaconess, de Boston, chamou a atenção para uma teoria de que os níveis dos medicamentos podem ser reduzidos devido à competição entre diferentes fármacos para se ligar às moléculas transportadoras que realmente permitem que os medicamentos atravessem a membrana celular.
O ESTUDO
Este estudo é o primeiro a medir os níveis sanguíneos de medicamentos PrEP e THAG em homens transexuais, e adiciona ao corpo de conhecimento os níveis de fármacos em mulheres transexuais. Sua principal limitação é medir os níveis sanguíneos, que podem não refletir os níveis nos tecidos retal e vaginal, que constituem os principais locais de infecção pelo HIV.
O estudo foi conduzido pelo professor Robert Grant, investigador principal do estudo iPrEx, e colegas em São Francisco e Boston. Inscreveu 24 mulheres e 24 homens transexuais entre junho de 2017 e junho de 2018.
Todas as 24 mulheres trans estavam tomando estradiol, por via oral ou injetável. Quatro também tomavam progesterona e nove também tomavam espironolactona, um medicamento bloqueador de testosterona.
Dos 24 homens trans, 23 tomavam testosterona, e 22 usavam implantes ou recebiam injeções. Três também usavam o moderador de andrógeno finasterida, que modera os efeitos colaterais indesejados da testosterona.
A idade mediana dos participantes foi de 31 anos, dos quais um quarto abaixo de 28 e outro quarto acima de 40. Se autodenominaram brancos 57% e 21% declararam ser negros; 32% eram latinas/latinos e poderiam se descrever como brancos ou negros. Eles tinham peso corporal semelhante.
Os níveis dos medicamentos da PrEP foram medidos em amostras semanais de sangue seco, coletadas no início do estudo e ao final de cada uma das quatro semanas.
Os níveis dos medicamentos da PrEP foram medidos em amostras semanais de sangue seco (ASSS), coletadas no início do estudo e ao final de cada uma das quatro semanas. Estes foram comparados com os níveis em 17 mulheres cisgênero e 15 homens cisgêneros que participaram de outro estudo de níveis de fármacos com dosagem de PrEP diretamente observada.
RESULTADOS
Os níveis sanguíneos observados dos medicamentos da PrEP em homens trans foram 23% mais baixos do que aqueles observados em mulheres cis. Apesar desta diferença ser estatisticamente significativa, ou seja, improvável de ser devida ao acaso, ela não reduziu os níveis em homens trans abaixo de sua concentração efetiva provável para a prevenção do HIV. Isto é importante, considerando que os níveis em homens trans e cis foram idênticos, e a PrEP tem um histórico comprovado de eficácia em homens cis.
Por outro lado, tomar PrEP não resultou em mudanças significativas nos níveis de THAG em mulheres ou homens trans. Os efeitos colaterais observados foram os comuns de curto prazo observados em pessoas que iniciaram a PrEP: algumas náuseas, diarreia, fadiga e dor abdominal, principalmente concentradas na primeira semana.
Os homens transexuais tiveram uma redução moderada da depuração da creatinina (uma medida da função renal), o que também pode afetar os níveis dos medicamentos. Mas os pesquisadores não especulam sobre as razões para essa diferença, que não foi grande.
Os 48 foram observados diretamente na ingestão de suas doses diárias de PrEP durante um período de quatro semanas, principalmente (97%) por meio de um link de vídeo ao vivo. Um dos participantes desistiu após duas semanas; o restante completou o estudo.
Para os propósitos deste estudo, apenas os níveis de tenofovir foram medidos. As amostras medem os níveis intracelulares (isto é, dentro das células) da versão totalmente metabolizada do medicamento, difosfato de tenofovir (TFV-DP). Ao contrário dos níveis do fármaco no plasma sanguíneo, que atingem seu máximo no intervalo de dois dias a uma semana, estes aumentam mais lentamente durante um período de várias semanas. Na verdade, descobriu-se que ainda estavam aumentando no final do período de quatro semanas, e os pesquisadores calcularam que só deveriam atingir o “estado estacionário” (isto é, um nível intracelular máximo, quando não aumenta mais), ao final de oito semanas. É importante observar que os níveis destes medicamentos não precisam atingir o estado estacionário para alcançar eficácia total como PrEP. O estado estacionário é usado principalmente como uma medida comparativa da absorção do medicamento.
Nestas amostras, os níveis dos fármacos são medidos em fentomoles (fm) por amostra: um fentomol é uma unidade para medir a quantidade de moléculas individuais. Na quarta semana, os níveis de TFV-DP foram mais altos, curiosamente, em mulheres cisgênero, a 1300 fm por amostra. Os níveis nos homens, tanto trans quanto cis, foram os mesmos, de aproximadamente 1100 fm por amostra. Os níveis de mulheres trans foram os mais baixos; eles tinham em média cerca de 900 fm por amostra, mas com maior variabilidade individual: algumas mulheres exibiram níveis de até 2500 fm.
Os níveis intracelulares mais elevados dos medicamentos em mulheres cisgênero já foram observados em outros estudos
Os níveis intracelulares mais elevados dos medicamentos em mulheres cisgênero já foram observados em outros estudos, e os pesquisadores não sabem a razão disto. É possível que eles se apliquem apenas às hemácias coletadas no teste de ASSS e não a outras células.
Os pesquisadores estavam principalmente interessados em ver se a THAG alterava os níveis de TFV-DP entre pessoas designadas ao sexo oposto no nascimento. Portanto, as comparações primárias foram entre mulheres trans e homens cis, e homens trans e mulheres cis. No primeiro caso, as mulheres trans tinham um nível médio de fármaco 12% menores do que os homens cis, mas isso não foi estatisticamente significativo. O nível de 23% mais baixos em homens trans em comparação com mulheres cis foi estatisticamente significativo, mas, como sugerido acima, pode ter mais a ver com uma melhor absorção do medicamento em mulheres cis do que com uma absorção mais pobre em homens trans.
LIMITAÇÕES DO ESTUDO
A PrEP não provocou nenhuma diferença nos níveis de THAG. Os níveis do principal hormônio sexual feminino, o estradiol, foram cinco vezes maiores em mulheres cis e trans do que em homens cis e trans, como seria de se esperar, e foram iguais tanto em cis quanto em trans. Houve resultados semelhantes para os níveis de testosterona. Esta é uma notícia tranquilizadora, não apenas porque a PrEP não afeta os níveis de THAG, mas também porque confirma que os esquemas de THAG que as pessoas trans faziam uso estavam amplamente corretos.
A principal limitação do estudo, conforme observado acima, é que as concentrações do medicamento foram medidas nos glóbulos vermelhos. Eles podem ficar secos e, portanto, são convenientes para transportar e armazenar, mas não são as células infectadas pelo HIV.
Portanto, os pesquisadores precisariam repetir as mesmas medições nas células da mucosa retal e vaginal para confirmar os resultados.
Além disso, o uso de ASSS significa que apenas a dosagem diária pode realmente ser avaliada dessa forma. Ainda não sabemos até que ponto a PrEP pode ser usada por pessoas trans.
Este estudo oferece alguma garantia de que as pessoas trans não diferem de suas contrapartes cis na absorção de medicamentos para PrEP
Em geral, no entanto, este estudo oferece alguma garantia de que as pessoas trans não diferem de suas contrapartes cis na absorção de PrEP, pelo menos na dosagem diária.
COMENTÁRIO
Em seu comentário, no entanto, o Dr. Krakower diz que embora estudos como este “possam amenizar as preocupações sobre a PrEP e facilitar a captação e persistência” entre as pessoas trans, eles não substituem os estudos de vigilância maiores que estabelecem se, e como, a PrEP pode ser fornecida e adotada por pessoas trans e se “fornece proteção quase completa contra o HIV... como faz para outras populações”.
REFERÊNCIAS:
• Grant RM et al. Sex hormone therapy and tenofovir diphosphate concentration in dried blood spots: primary results of the interactions between Antiretrovirals an transgender Hormones Study. Clinical Infectious Diseases, cida 1160, http://doi.org/10.1093/cid/ciaa1160
• Krakower DS. HIV Preexposure Prophylaxis: meeting the needs of transgender populations. Clinical Infectious Diseases, ciaa1158, https://doi.org/10.1093/cid/ciaa1158.