POR QUE PRECISAMOS DE UMA VACINA DE ANTICORPOS AMPLAMENTE NEUTRALIZANTE
Temos provas de que uma vacina contra o HIV pode funcionar desde o estudo RV144 em 2009 (ver Boletim Vacinas 22, 23). Atualmente, dois ensaios de Fase III – Uhambo e Imbokodo – estão em andamento na África do Sul (ver neste Boletim).
Embora se espere que essas vacinas tenham uma eficácia considerável, elas também estão muito distantes do tipo de vacina de dose única, fácil de fabricar e muito eficaz que seria necessária para uma campanha global de vacinação contra o HIV. Portanto, pesquisas estão em andamento sobre vacinas que poderiam ser mais baratas e mais potentes.
A vacina do estudo Uhambo requer cinco doses ao longo de um ano e a vacina do Imbokodo, quatro doses. Embora existam razões para esperar que elas tenham maior eficácia do que os 31% de proteção contra o HIV oferecidos pelo RV144 – talvez tanto quanto os 67% vistos em macacos no estudo que precedeu o Imbokodo –, não está claro por quanto tempo essa proteção durará. Como resultado, as pessoas podem precisar repetir a vacina para manter a proteção.
Isso também as tornaria caras, e enquanto um componente dessas vacinas – o “reforço” da proteína purificada do envelope gp120glicoproteína 120 do envelope do HIV. Ela se liga à molécula CD4+ da célula T auxiliar durante a infecção. Foi estudada como vacina experimental contra o vírus porque o envelope é a primeira parte “vista” pelos anticorpos neutralizantes. do HIV – é razoavelmente barato de se fazer – o “primário” é uma vacina de vetor, que envolve o encapsulamento de fragmentos do gene do HIV dentro do envoltório de um vírus inativo e é certamente mais complicado e mais caro de fazer.
As barreiras técnicas e financeiras também representam desafios para as vacinas em fase de pesquisa mais avançada. Houve um grande entusiasmo com a vacina do vetor de replicação de CMV (citomegalovírus) que resultou em uma aparente reversão da infecção em testes com macacos há vários anos. Mas era extremamente complexo para projetar e fazer uma versão segura para seres humanos aparentemente se mostrou impossível.
Anticorpos amplamente neutralizantes têm sido usados com sucesso para a chamada “imunização passiva”, que é na verdade apenas usá-los como medicamentos.
Anticorpos amplamente neutralizantesanticorpo que impede o vírus de infectar uma célula, normalmente bloqueando os pontos de entrada viral (receptores) no vírus. têm sido usados com sucesso para a chamada “imunização passiva”, que é na verdade apenas usá-los como medicamentos. Na Conferência de Pesquisa para a Prevenção do HIV (HIVR4P) foi falado sobre o estudo AMP, (ver pág. 26) que está sendo usado como profilaxia pré-exposição (PrEP) experimental. Macacos foram curados do HIV usando terapias genéticas que induzem suas células a produzir anticorpos amplamente neutralizantes.
COMO ESTA NOVA VACINA FUNCIONA
No entanto, esta é a primeira vez que anticorpos efetivos amplamente neutralizantes (bNAbs) para qualquer infecção pelo HIV foram gerados em macacos (na verdade, em quaisquer outros mamíferos que não vacas) ao vaciná-los.
As vacinas já em estudo em Uhambo e Imbokodo produzem anticorpos anti-HIV normais que têm um efeito significativo. Mas uma vacina que induzisse o organismo a produzir bNAbs – que normalmente só são observados em algumas pessoas após anos de infecção – tornaria uma resposta forte e completa ao HIV muito mais provável no caso de exposição ao HIV. Isso seria na verdade a “imunidade esterilizante” que repeliria, ao invés de apenas conter, a infecção.
É importante ressaltar que a vacina foi ativa contra os chamados vírus de “nível 2”. Estes são vírus potentes que se assemelham àqueles que causam infecções contínuas e progressão para a AIDS em humanos. Pesquisadores geralmente testam vacinas contra vírus do “nível 1” em primeiro lugar; estes são mais suscetíveis à neutralização por anticorpos, mas são menos patogênicos ou facilmente transmitidos.
A vacina neste novo teste é chamada de vacina trímero SOSIP BG505 env. Também está baseada na vacina de envelope gp120 como as vacinas de reforço de Uhambo e Imbokodo.
Para quem quiser saber mais
A vacina neste novo teste é chamada de vacina trímero SOSIP BG505 env. Também está baseada na vacina de envelope gp120 como as vacinas de reforço de Uhambo e Imbokodo. O problema é que esta proteína não gera uma resposta imunológica por si só. Isto porque, quando separada do seu “marcador de posição” viral, a gp120 é instável e não permanece na forma necessária para gerar uma resposta imunitária eficaz e duradoura.
Esta forma é um trímero: um trio de subunidades de proteína idênticas que se parece um pouco com um ventilador de 3 abas. A proteína gp120 do HIV precisa adotar essa forma para infectar as células. Essa conformação trimérica também expõe partes da proteína que são altamente “conservadas”; o vírus acha difícil mudar isso sem perder funcionalidade, e por isso não pode mutar e evadir a resposta imunitária gerada por ela.
Os pesquisadores do Scripps apresentaram um estudo no HIVR4P onde foi demonstrado que o trímero env BG505 provocou uma resposta imunitária significativa contra o HIV no laboratório e que as respostas geradas, embora não tão fortes, foram mais abrangentes do que as respostas geradas por infecção viral real.
O ESTUDO DA VACINA SCRIPPS
O estudo dos pesquisadores do Scripps foi concebido como um estudo de prova de conceito em vez de um estudo de eficácia ou de determinação da dose. Seu objetivo era mostrar que níveis protetores de anticorpos amplamente neutralizantes poderiam ser alcançados com uma única inoculação da vacina contra o HIV, e descobrir qual nível de resposta de anticorpos conferiria proteção contra o HIV.
Os pesquisadores vacinaram 78 macacos. Por causa de seus objetivos, eles escolheram os macacos com as seis respostas de anticorpos mais altas, em seguida eles foram pareados com os seis respondedores baixos por sexo, idade e peso. Eles também compararam essas respostas com seis macacos de controle que não foram vacinados, mas desafiados com uma forma de HIV adaptada a macacos (HIV de símio ou SHIV) – assim como os animais vacinados.
O desafioem experimentos com vacinas corresponde à exposição proposital ao agente infeccioso de um animal imunizado contra o agente. Os experimentos de desafio nunca deveriam ser realizados em seres humanos. viral consistiu em seis doses retais semanais do vírus patogênico SHIV BG505, cuja proteína do envelope foi usada como base para a vacina. Novamente, por se tratar de um estudo de prova de conceito, os pesquisadores queriam que a vacina e o vírus fossem os mais “adequados” possíveis. Em estudos posteriores seria desejável usar outros vírus para demonstrar que os anticorpos gerados pela vacina tenham a eficácia mais ampla possível. A dose de vírus administrada, calculou-se, infecta pelo menos 75% dos macacos após um desafio.
Em estudos posteriores seria desejável usar outros vírus para demonstrar que os anticorpos gerados pela vacina tenham a eficácia mais ampla possível.
O desafio com o SHIV BG505 foi realizado quatro semanas após a inoculação da vacina. Nos macacos de alto título, porque apenas dois dos seis foram infectados após seis desafios, os pesquisadores esperaram por cinco semanas e depois deram mais seis desafios semanais.
A resposta do anticorpo é medida por título. Isso significa o grau em que o plasma sanguíneo ou outro fluido contendo anticorpos deve ser diluído antes que os anticorpos se tornem indetectáveis em um exame.
EFICÁCIA
A eficácia da proteção teve a ver com dois marcadores:
- Título de anticorpos gerado pela candidata a vacina;
- Durabilidade deste nível de título de anticorpos no organismo.
Outras medidas de ativação imunológica, como resposta de células CD4 anti-HIV, não foram preditivas de proteção.
Entre os animais vacinados mas que ficaram infectados, a carga viral foi consideravelmente mais baixa do que nos macacos de controle, isto é, que não foram vacinados.
Os pesquisadores foram capazes de calcular que um título de anticorpos de pouco menos de 1: 500 (um a cada 500) correspondia a 90% de proteção contra o SHIV. Nenhum dos macacos de baixo título desenvolveu este nível de anticorpos antes de ser infectado, mas todos os animais de alto título o fizeram. Os títulos de anticorpos caíram nos quatro macacos de alto título que foram infectados ao longo das primeiras oito a 12 semanas: eles foram infectados quando o seu título de anticorpos caiu em média abaixo de 1: 200. Em contraste, o título de anticorpos dos dois animais não infectados caiu para 1: 700 em 15 semanas após a imunização, mas depois disso estabilizou nesse nível.
O único parâmetro imunológico associado à proteção contra a infecção foi o título de anticorpos – os níveis gerais de proteínas de anticorpos no sangue.
CONCLUSÃO
Este estudo de vacinas marca, acima de tudo, a primeira vez que cientistas induzem um mamífero, que não vacas, a produzir esses anticorpos raros, exóticos e potentes em resposta a uma vacina.
Ele permitirá que os cientistas prevejam se vacinas semelhantes projetadas para produzir anticorpos amplamente neutralizantes serão eficazes sem ter que montar desafios virais, o que deve encurtar o processo de pesquisa.
REFERÊNCIA:
• Pauthner MA et al. Vaccine-induced protection from homologous Tier 2 simian-human immunodeficiency virus challenge in nonhuman primates. Immunity 50, 1–12, 2019. DOI: 10.1016/j.immuni.2018.11.011