Capítulo
II
A
fala das mulheres:
Contracepção, aborto, maternidade, sexualidade,
relações de gênero, cidadania e auto-estima
GIV
Eu? Acho tão difícil, eu tive que passar por umas
vinte seções de terapia para tomar consciência de que eu sou uma pessoa
normal, que eu sou uma pessoa que tem os mesmos direitos, igual tem
todo mundo. Foi muito difícil, hoje eu posso dizer que eu me sinto
uma pessoa normal. Mas como cidadã eu não sei te responder.
“Como uma qualquer, eu tenho os mesmos direitos
porque eu sou uma cidadã. Não sou diferente”.
Esta diferença entre os dois grupos provavelmente se
deve ao histórico das mulheres do Mutirão. A experiência de estarem
organizadas há mais de 10anos numa associação para a construção das
casas propiciou uma crítica política19. As
mulheres de ambos os grupos percebem a desigualdade, mas parece que
a vivência coletiva conferiu às mulheres do Mutirão a possibilidade
de questionar. As mulheres do GIV iniciaram sua experiência de grupo
a partir da aids, e ainda dizem: eu não sou diferente, eu preciso
me ver como igual.
Já as mulheres do Mutirão dizem: a sociedade é desigual,
injusta e não me respeita.
Um grupo diz: eu sou igual, eu quero me ver como igual.
O outro já diz: eu sei que sou igual, mas eles não me vêem como igual.
É uma diferença sutil mas importante, que traz conseqüências para
a auto-estima. Talvez seja difícil não tomar o “olhar” do outro como
seu, e pelo menos no que se refere à cidadania, as mulheres do Mutirão
estavam mais fortalecidas para não se misturarem ao outro. O estigma,
seja da aids ou da pobreza, está colocado. A questão é o quanto a
mulher toma-o como a verdade de si e o reproduz, ou o quanto ela consegue
devolvê-lo, dizendo que ele não lhe pertence.
19
- Observamos que a crítica política nem sempre foi acompanhada de
uma crítica quanto às questões de gênero. Em outras palavras, nem
sempre mulheres com reflexão política apresentaram uma reflexão crítica
quanto às relações de gênero.