Capítulo
II
A
fala das mulheres:
Contracepção, aborto, maternidade, sexualidade,
relações de gênero, cidadania e auto-estima
Qualidade de vida: Trabalho,
estudo, moradia
Muitas mulheres nunca haviam pensando na questão da
qualidade de vida, como demonstra o depoimento acima. Ou seja, a qualidade
de vida não era algo que fazia parte da reflexão das mulheres. Temos
a impressão que isto se deve ao fato de que as mulheres com as quais
trabalhamos não têm acesso aos direitos básicos. Então, quando pararam
para pensar no que melhoraria sua vida descreveram aquilo que já deveriam
ter e identificaram como elementos que melhorariam sua qualidade de
vida, o trabalho, o estudo, a moradia, o dinheiro, um parceiro.
Uma mulher analfabeta deu o seguinte depoimento:
(....) se eu estudasse. Eu sou louca pra estudar
(....) Eu acho que eu sou tudo, mas na mesma hora eu acho que eu não
sou nada. Porque eu sei ler muito pouquinho. E eu queria ser uma mulher
assim.. Uma mulher pra isto aí. Dói muito quando eu vejo uma pessoa
ler alguma coisa, (....) você não poder ler uma carta, escrever. Pedir
pra alguém ler. Isto é muito dolorido pra gente...
A qualidade de vida para estas mulheres está intimamente
ligada ao seu pertencimento socieconômico e à exclusão social. Isto
é tão significativo que quase a totalidade das entrevistadas destacou
o trabalho como algo que melhoraria sua qualidade de vida e salientou
a dificuldade das mulheres para arrumarem um emprego:
O que melhoraria (...) Ah! É arrumar um emprego,
né. Porque eu estou desempregada.
Hoje, a principal dificuldade na vida de uma mulher
eu acho que é na parte de serviço, porque a área de emprego está muito
horrível para gente, e uma mulher sozinha dentro de casa, como responsável,
às vezes torna difícil. Tem dias que eu sinto muita dificuldade, sinto
muita depressão.
O surgimento deste tipo de resposta é um reflexo da
condição estrutural do País. O índice de desemprego é muito grande
e homens e mulheres enfrentam com dificuldade a questão da sobrevivência.
O mercado de trabalho, ainda hoje, é um cenário onde existem desigualdades
e preconceitos de gênero18 que
desfavorecem as mulheres, inclusive na questão salarial. Além disto,
as mulheres entrevistadas confrontam-se com a dupla jornada de trabalho:
Gostaria de ter um salário melhor.
Gostaria de não ter que fazer todos os serviço de
casa quando chego cansada.
No caso das mulheres infectadas, o HIV e a aids recrudescem
ainda mais as dificuldades enfrentadas, isto porque elas têm problemas
para administrar o tratamento e o trabalho, ou problemas de preconceito,
como exemplificam os depoimentos destas entrevistadas:
A maior dificuldade é o trabalho, não assim de não
ter trabalho, às vezes tem e eu não posso, devido às crianças, devido
às consultas, exames. Então o problema que eu mais enfrento hoje é
com o trabalho.
(....) Nossa, o que eu mais queria na minha vida
era ter uma ocupação de um trabalho (....) ali com as pessoas, sendo
uma pessoa normal, mesmo tendo o vírus, trabalhando normalmente, tendo
amizades normalmente, sem nenhum preconceito, sem nenhum medo de nada
(...).
Eu trabalhava há 10 anos numa casa (....). E a mulher
quando ela soube... não que eu contei pra ela, ela já ficou sabendo
antes de eu falar pra ela, ela já estava desconfiada que meu marido
tinha. Então não tinha como eu esconder dela, (....) Mas ela descobriu
e eu confirmei, não menti, eu também achava que ela ia me apoiar,
que ela não ia me mandar embora por causa disso, depois de 10 anos
com ela. Mas ela não conseguia ficar comigo lá, então ela me dispensou,
mas só que ela me deu dinheiro por estes 10 anos trabalhados. Ela
me deu um bom dinheiro, que eu não tinha terreno, não tinha casa nem
nada, e (....) eu comprei meio terreno e construi minha casinha. Quer
dizer, ela me deu apoio financeiro porque ela me deu dinheiro e eu
investi numa casa pra não deixar eu desamparada. Mas da parte de apoio
humano, de amor, eu não tive nada da parte dela. Aí eu fui no INSS
pra ficar sob o auxílio doença, porque como ela me mandou embora eu
me socorri lá...
Ainda no que se refere às mulheres com HIV/aids, a
qualidade de vida foi atrelada a melhores condições financeiras para
o tratamento e cuidados com a saúde. A adesão aos medicamentos foi
destacada como algo que melhora a qualidade de vida e reflete a auto-estima:
(....) porque antes eu gostava de mim, mas eu não
me cuidava tanto como eu me cuido hoje. Até o respirar ainda está
errado, porque eu fumo um cigarrinho, mas eu gosto de fumar, isso
é uma coisa que eu nunca vou parar. Mas eu tenho horário pra tudo...
a minha qualidade de vida mudou totalmente. Quando eu vou deitar eu
agradeço a Deus, agradeço até o meu remédio que eu tomo. Eu preciso
disso porque me amo, então tomo remédio.
Uma das entrevistadas mostrou que “vai levando”, mas
sonha com o futuro: