Capítulo
II
A
fala das mulheres:
Contracepção, aborto, maternidade, sexualidade,
relações de gênero, cidadania e auto-estima
SEXO E RELACIONAMENTOS
Sexualidade pós HIV/aids
Para a maioria das mulheres soropositivas, a infecção
pelo HIV aparece como um elemento que circunscreve as suas possibilidades
amorosas. A dificuldade para contar para um parceiro soronegativo
sobre o HIV, a constante ameaça da possibilidade de infectá-lo (e
se a camisinha romper?) faz com que surja o desejo de encontro com
um igual, um parceiro soropositivo:
Eu estou me sentindo muito insegura porque o rapaz
não tem o HIV, então eu fico pensando como eu vou contar? E se ele
descobrir como vai ser....Então eu fico insegura. Na minha cabeça
quem tem o HIV tem que ter relacionamento com alguém que também tem
HIV. O pior é que ele está apaixonado e eu com medo (....) Estou apaixonada
e com medo (....).
(....) Eu tinha medo de me envolver com quem não
fosse e um dia o cara me dizer, ‘foi ela que passou’. Cê entendeu?
(....).
Ah.... é uma cruz (ser mulher em tempos de aids),
é uma cruz assim, porque você tem medo, eu moooorro de medo de ter
relacionamento com uma pessoa que é, éééé(...) Negativa. Nossa, eu
morro de medo. Por quê? É aquele medo de se apegar na pessoa e ter
que contar pra ela depois, né, é esse que é o problema, acho que de
todos, não só de mim. É isso.
Em uma das oficinas, uma mulher HIV recortou de uma
revista dois macaquinhos se abraçando com os dizeres procure alguém
de sua espécie.
Parece que a aids traz para as mulheres um sentimento
muito forte de ser diferente dos outros(as), quase de outra espécie...
Em função de todo o preconceito que existe na sociedade, sabemos que
no contato amoroso entre pares discordantes, a rejeição, mesmo não
sendo regra absoluta, não é somente uma fantasia, mas sim uma possibilidade
real. Além disto, a ameaça de contaminação do parceiro gera muita
culpa.
No entanto, as mulheres descobrem que não têm o controle
sobre tudo e encontros amorosos entre pessoas de diferentes estados
sorológicos, freqüentemente acontecem, gerando angústia de ambas as
partes.
O HIV ocupa tamanho espaço na vida de uma pessoa infectada,
que muitas vezes os outros e a própria pessoa reduzem sua existência
a ele.
Nos relacionamentos sexuais, quando uma pessoa mostra-se
assustada com a descoberta da soropositividade da outra, é muito difícil
que a recusa ao HIV não seja sentida como a recusa à pessoa.
Isto traz conseqüências para a auto-estima das mulheres
e muitas passam a acreditar que ninguém mais vai desejá-las (quem
desejaria o HIV?)15.
Quando encontram algum soronegativo, freqüentemente
afastam-se. Quando conseguem contar e o parceiro aceita, muitas vezes
aparece a idéia de favor: apesar da aids ele gosta de mim.
A idealizada solução de encontrar um parceiro soropositivo
e permanecer com ele é percebida por algumas mulheres com aids como
a única alternativa para a sexualidade, mesmo que configurem-se em
relações complexas, marcadas por subordinações de gênero:
(....) Mas antes ele.... porque outro eu não vou
ter mesmo, não vou conseguir ter mais nada com ninguém. E pra mim
não ficar sozinha perdôo tudo né. Fico com ele mesmo...
No entanto, algumas poucas mulheres fazem o contraponto,
acreditam que podem ser amadas e namoram pares concordantes ou discordantes.
Têm aids e indicam que se a recusa é uma possibilidade, o encontro
também é.
15 - Freqüentemente tivemos
que resgatar: não, você não é o HIV, você tem o HIV.