Capítulo
II
A
fala das mulheres:
Contracepção, aborto, maternidade, sexualidade,
relações de gênero, cidadania e auto-estima
Informações sobre prevenção
e transmissão de DST/AIDS
Com relação às formas de transmissão, todas as entrevistadas
do Mutirão(100%) disseram que a aids é transmitida através do ato
sexual, 66,6% mencionaram a transfusão de sangue e 33,3% o uso de
drogas injetáveis. Apenas 6,6% referiu-se à transmissão perinatal.
Com relação à prevenção, 93,33% das mulheres mencionaram a camisinha
e 53,33 % o uso de seringas/agulhas descartáveis.
Também no GIV, 100% da mulheres disseram que a aids
é transmitida pela relação sexual, 77,7 % mencionaram a transfusão
de sangue, 55,5%uso de drogas e 22,2% a transmissão perinatal. Como
forma de prevenção, 100% mencionou o uso de preservativo, 77,7% agulhas
seringas/ descartáveis e 22,2% controle de sangue (quadros I e II).
Com exceção da díade relação sexual/camisinha, o nível de informação
sobre transmissão/prevenção foi pequeno, principalmente no que se
refere às mulheres do Mutirão, por exemplo, somente 33% de participantes
deste grupo mencionou a transmissão através do uso de drogas injetáveis.
Um dado que chama a atenção, principalmente pela relevância
que as mulheres atribuíram à maternidade, é o fato de, nos dois grupos,
nenhuma mulher ter mencionado cuidados pré e pós-natais como forma
de prevenir a aids em bebês9.
Outro aspecto a ser destacado é que, nos dois grupos,
a transfusão de sangue foi mais citada como forma de infecção pelo
HIV do que o uso de drogas injetáveis. Mas também, em ambos os grupos,
o número de mulheres que citou o uso de seringas/agulhas descartáveis
como forma de prevenção foi maior do que o número de mulheres que
mencionou o controle de sangue.
Parece-nos então, que o uso de agulhas e seringas descartáveis
foi mais associado à prevenção da infecção através da transfusão de
sangue do que à prevenção da transmissão através do uso de drogas
injetáveis. No que se refere às DST, a gonorréia foi citada por 33,3
% das entrevistadas do Mutirão e por 44,4% do GIV. A sífilis foi citada
por 26,6 % do Mutirão e 44,4% do GIV.
A aids foi citada por 6,6% das mulheres do Mutirão
e 33,3% do GIV. Condiloma foi citado por 33,3% do GIV e 6,6% do Mutirão.
No GIV, 22,2% citaram a Herpes e no Mutirão 13,33% citaram o cancro-
mole e cancro-duro (quadro III).
Nos dois grupos, o percentual de mulheres que disse
não ter sido acometida por nenhuma DST coincidiu com o percentual
de mulheres que não soube citar nenhuma doença (60% Mutirão e 22,2%
no GIV). O número que citou alguma doença também coincidiu com o percentual
de mulheres que informou ter contraído alguma DST: 40% no Mutirão
e 77,7% no GIV (Quadro IV).
Quadro I
Formas de transmissão citadas pelos dois grupos
Relação sexual
Uso de drogas
Transfusão de sangue
Transmissão perinatal
GIV
100%
55,5%
77,7%
22,2%
MUTIRÃO
100%
33,3%
66,6%
6,6%
Quadro II
Formas de prevenção citadas pelos dois grupos
Uso de preservativo
Agulhas/ sering. descartáveis
Controle de sangue
Acomp pré/pós natal
GIV
100%
77,7%
22,2%
-
MUTIRÃO
93,3%
53%
-
-
Quadro III
Doenças sexualmente transmissíveis citatadas
Gonorréia
Sífilis
Aids
C. Mole
C. Duro
Condilon
Herpes
GIV
44,4%
44,4%
33,3%
-
-
33,3%
22,2%
Mutirão
33,3%
26,6%
6,6%
13,3%
13,3%
6,6%
-
Quadro IV
Citou DST
Não citou DST
Teve DST
Não teve DST
GIV
77,7%
22,2%
77,7%
22,2%
MUTIRÃO
40%
60%
40%
60%
Quadro V
HIV é vírus da Aids
HIV = Aids
Não respondeu
GIV
44,4%
33,3%
22,2%
MUTIRÃO
26,6%
66,6%
6,6%
Quando indagada a respeito de qual DST conhecia, uma
mulher do Mutirão citou o câncer e uma mulher do GIV citou sarampo,
catapora e cachumba. Nos dois grupos, algumas entrevistadas foram
traídas pela memória e “criaram” doenças com nomes parecidos com os
nomes das DST existentes. Exemplos: neoflitis, seborréia, cocô mole
e cocô duro, anciomoli.
Quase a totalidade das mulheres disse que obtêm informação
através da mídia, principalmente TV e revistas, da escola e das oficinas
que realizamos. Observamos que muitas das representações sobre a aids
estiveram ligadas a mensagens de propagandas oficiais.
Isto por um lado mostra a relevância do papel da mídia,
pois a maioria das mulheres sabia que uma das formas de transmissão
é a relação sexual e, de prevenção, a camisinha. Por outro lado, indica
um aspecto a ser questionado: o teor e a forma das propagandas que,
por vezes, passam mensagens de forma inadequada: reiterando o medo
aids é uma doença perigosa que mata (depoimento de várias mulheres
do Mutirão)10.
Este medo, associado à representação de que a aids
é uma doença do “outro” (gay, prostituta, usuário de droga), distancia
fantasiosamente a mulher da problemática da epidemia. Assim, o amálgama
de medo e preconceito, resulta em não percepção da própria vulnerabilidade
e conseqüentemente na não adoção de medidas preventivas.
No entanto, apesar da influência da mídia, observamos
que, para os dois grupos, o conhecimento está atrelado à experiência,
à vivência. Os dados do quadro IV confirmam esta percepção, pois a
coincidência entre ter sido acometida por uma DST e saber nomear alguma
DST é esclarecedora. Muitas mulheres que nomearam DST informaram que
as conheciam porque tinham sido acometidas por elas, como demonstram
estes depoimentos:
É, tem a que eu ouvi muito falar, é a gonorréia,
que é uma coisa que se pega (...) A única que eu sei assim, acredito
que é esta daí (...) Eu tive a gonorréia, eu tive um descuido quando
era bem nova (...).
Eu mesma, porque eu fui sentindo na carne. E é lógico
que eu ouvi também em televisão, depois lendo também, a gente procura
ver o que está acontecendo. Eu fiz tratamento aqui no Emílio Ribas,
então eu adquiri bastante informações de lá também.
Além dos dados das entrevistas, no decorrer das oficinas
também pudemos perceber que as mulheres com aids tinham mais informação
do que as soronegativas. Por exemplo, na oficina sobre DST, a qualidade
da informação solicitada era diferente, com um aprofundamento maior
do que aquele observado no Mutirão11.
Aqui se colocam algumas questões:
• Se, para ambos
os grupos, o conhecimento é sinônimo de experiência, temos um problema
em relação ao trabalho de prevenção das DST e aids, pois quando fazemos
prevenção não estamos trabalhando justamente o contrário, ou seja,
poder conhecer para não experienciar? Não seria este dado um indicador
de que a prevenção tem falhado? No lugar da infecção, a “experiência”
com as doenças não poderia ser sinônimo de acesso à informação, conhecimento,
reflexão? • O que explica o menor nível
de informação das mulheres do Mutirão, não somente em relação a informações
sobre aids, que elas não têm, mas também sobre as DST, os tratamentos,
a reprodução humana, métodos contraceptivos, o próprio corpo etc.?
Para encontrar a resposta a estas perguntas podemos
primeiro pensar que é bastante diferente sentir na carne gonorréia
do que sentir na carne a aids. Basta pensarmos em todos os preconceitos
existentes em relação à aids e amplitude das ocorrências advindas
da ação do HIV no organismo.
Mas o depoimento da mulher do GIV (acima citado) nos
oferece outros indicadores: a aids traz a emergência da necessidade
de tratamento, mobiliza na mulher uma busca para entender o que está
acontecendo com ela e a insere num sistema social e de saúde que tem
um olhar e um apoio diferenciado.
Todas as mulheres do GIV citaram médicos, psicólogos,
ONG como fonte de informação (e freqüentemente de amparo). O mesmo
não aconteceu com as mulheres do Mutirão.
Neste sentido, é que reiteramos a hipótese dos paradoxismos
da aids, que acaba fazendo com que a mulher, depois de portadora,
tenha acesso a uma rede de apoio que, se existisse também como rede
de prevenção, poderia contribuir para diminuir a incidência das DST
e da aids entre as mulheres.
9 - Esta surpresa se
coloca porque no decorrer das oficinas percebemos que algumas mulheres
do GIV tinham informações sobre cuidados pré/pós-natais em gestantes
HIV+. Uma das participantes, antes do início das oficinas, teve um
filho e adotou os procedimentos preventivos necessários, incluindo
a adoção do AZT. Uma hipótese é que uma pequena parcela das mulheres,
pelo menos das mulheres com aids, tenha esquecido de mencionar este
tipo de prevenção ou, no momento da entrevista, não tenha considerado
como prevenção a adoção de tais procedimentos. 10 - Este tipo de mensagem foi veiculada principalmente no
começo da epidemia, mas ainda predomina nas representações sociais
a respeito da aids. O movimento de luta contra a aids vem trabalhando
para romper com esta visão e com todo e qualquer tipo de preconceito
que ainda possa ser veiculado pelos meios de comunicação. É verdade
que, infelizmente, ainda não dispomos de cura, mas a existência de
medicamentos e o acesso a eles, vêm preservando a vida das pessoas
infectadas pelo HIV/aids. Nossos esforços então, estão direcionados
para a preservação da qualidade de vida, dignidade, respeito e felicidade
das pessoas vivendo com HIV/aids. 11 - Na medida em que as Dst são uma porta de entrada para
a aids, o desconhecimento sobre as mesmas implica em maior vulnerabilidade.