Capítulo
II
A
fala das mulheres:
Contracepção, aborto, maternidade, sexualidade,
relações de gênero, cidadania e auto-estima
Contracepção
Diante da pergunta quais os métodos contraceptivos
que você conhece?, a maioria absoluta das mulheres do GIV e do Mutirão
respondeu que conhecia a pílula e a camisinha. Algumas citaram o DIU,
o coito interrompido e a injeção. Com relação à camisinha, as mulheres
do Mutirão, mais do que as do GIV, declararam não usar e, em ambos
os grupos, existe a dificuldade de negociação. De todas as entrevistadas,
três citaram a tabelinha. Apenas uma mulher citou o diafragma.
Através das oficinas também foi possível observar que
grande parte das mulheres dos dois grupos dispunha de pouquíssimas
informações sobre os órgãos reprodutivos e o processo de fecundação
e concepção. Como exemplo, podemos citar uma mulher que, numa oficina
sobre saúde reprodutiva, arregalou os olhos e disse: então você está
dizendo que o bebê cresce no útero? (...) Nossa! Eu tive três filhos
e estou aprendendo isto agora, pensei que os bebês crescessem na barriga!.
Além dos depoimentos, isto pôde ser observado pelo
interesse que despertou a pelve acrílica3,
a camisinha feminina e o diafragma, carinhosamente apelidado de chapeuzinho
pelas mulheres do Mutirão.
Este quadro de desinformação pode acarretar conseqüências
na vida das mulheres de ambos os grupos: uma gravidez indesejada;
risco de reinfectar-se ou contrair DST/aids. No que se refere às mulheres
soropositivas, apesar do consenso de que a camisinha é a melhor alternativa,
muitas vezes ela não é efetivamente utilizada, e as mulheres não têm
conhecimento a respeito de qual método contraceptivo é mais ou menos
adequado à sua condição sorológica.
As mulheres, não tendo acesso a condições adequadas
de informação e atendimento em saúde sexual e reprodutiva, ficam à
mercê de seus recursos pessoais e da sabedoria popular, que configura-se,
freqüentemente, como o único recurso que dispõem para tomarem suas
decisões. Na medida em que muitas vezes compartilham informações deturpadas
ou erigidas em crendices populares, suas decisões no que se referem
à reprodução ficam comprometidas.
Assim sendo, gerar ou evitar um filho muitas vezes
depende mais de suas representações do que de suas decisões. Como
por exemplo, tomar chá para abortar, lavar a vagina com água e sabão
para não engravidar.
Este contexto indica ainda uma desapropriação do próprio
corpo. Muitas mulheres desconhecem seus órgãos reprodutivos e não
compreendem seus processos de funcionamento. O desconhecido gera fantasias
(não raro ameaçadoras) e as mulheres sentem estranhamento em relação
ao seu corpo4 ficando, conseqüentemente,
mais vulneráveis e com menos poder decisório em relação aos seus desejos.
Para várias mulheres, é como se o próprio corpo fosse uma casa na
qual elas são visitas ou inquilinas e não moradoras ou proprietárias.
3 - Material educativo que demonstra
o aparelho sexual/reprodutivo feminino.
4 - Como exemplos podemos citar o susto com o tamanho da camisinha
feminina, ou a idéia de que para retirar uma camisinha masculina que
“entrou” é preciso ir ao médico, ou ainda, que a camisinha vai se
perder dentro do corpo.