A carga viral no sangue prediz a transmissão do HIV melhor do que a carga viral no sêmen num estudo pequeno entre HSH
David McLay, 28 de Agosto de 2008, aidsmap
Traduzido e adaptado por Jorge Beloqui (GIV,ABIA, RNP+)
Um pequeno estudo nos EUA entre HSH acrescentou nova informação ao debate sobre a relação entre a transmissão do HIV e os níveis de carga viral em sêmen. O estudo, publicado no número de 20 de agosto de 2008 da revista científica AIDS, achou que a carga viral em sangue correlacionava-se melhor com a transmissão do que a carga viral seminal. O estudo investigou também o papel da infecção com o vírus do herpes simplex tipo 2 (VHS-2), encontrando um risco aumentado de transmissão do HIV, mas somente quando o parceiro HIV-positivo era portador do vírus VHS-2.
A transmissão sexual do HIV é afetada por fatores virológicos, biológicos e comportamentais, como a carga viral, inflamação da mucosa e tipo de relação sexual. As interações complexas entre estes fatores e os modos em que podem ser modificados para reduzir o risco de transmitir o vírus têm sido o assunto de muitos debates, mas há limitados dados empíricos sólidos.
O debate do impacto da carga viral sobre a transmissão do HIV foi trazido a tona no início deste ano quando a Comissão Federal Suíça de AIDS (CFS) divulgou uma Declaração argumentando que sob condições muito específicas o risco de alguma pessoa com HIV com carga viral indetectável transmitir o HIV diminui ao ponto de ser desprezível. A controvérsia continuou durante uma sessão satélite especial sobre o tema na Conferência Internacional de AIDS no México e uma apresentação late-breaker com uma meta-análise dos dados atuais que demonstravam que era impossível tanto confirmar como negar a Declaração da CFS.
A Declaração enuncia uma mensagem poderosa sobre o HIV, mas há limitações nas evidências que apóiam esta Declaração. Entre estas limitações está que ela se aplica somente para o intercurso vaginal; não aborda o sexo entre homens, que constitui um modo significativo de transmissão em muitas regiões do mundo, ou o sexo anal entre homens e mulheres.
Sabe-se que as infecções de transmissão sexual (ITSs) como aquela pelo vírus do herpes simplex tipo 2 (VHS-2) aumentam o risco da infecção pelo HIV. Porém, estudos envolvendo o tratamento do VHS-2 mostraram pouco efeito na diminuição do risco de aquisição do HIV, e portanto ainda permanecem perguntas sobre o papel do VHS-2 na transmissão do HIV.
É nesta incerteza que pesquisadores da Universidade de Califórnia, San Diego estabeleceram um estudo de caso-controle em HSH para avaliar o impacto de dois fatores na transmissão do HIV: carga viral (no sangue e no sêmen) e a infecção pelo VHS-2.
Os investigadores identificaram 47 pares de homens nos quais um era HIV-positivo e tinha ocorrido o potencial para a transmissão através da exposição sexual. Foram coletadas amostras de sangue e sêmen do parceiro HIV-positivo e foi estimado o tempo entre a exposição e o colhimento da amostra. A data de exposição foi identificada como a data conhecida de relação sexual ou como 14 dias antes da testagem, baseado na solicitação aos participantes de que recrutassem parceiros sexuais de somente as duas semanas anteriores. A presença do VHS-2 foi testada, e o tratamento com aciclovir ou valaciclovir foi observado. Os dois parceiros também foram testados e tratados para as infecções de transmissão sexual gonorréia, chlamydia e sífilis.
A transmissão do HIV foi documentada em 15 casais por análise filogenética (comparação de seqüências genéticas para estabelecer se o parceiro foi infectado pelo voluntário do estudo HIV-positivo). Somente um dos pacientes fonte estava tomando terapia antiretroviral no momento estimado da transmissão, e essa pessoa tinha carga viral detectável no sangue. Não houve transmissão nos restantes 32 casais (cinco dos indivíduos HIV-positivos neste grupo estavam tomando terapia antiretroviral). Os grupos foram depois comparados para identificar fatores associados com a transmissão.
Os pesquisadores avaliaram a relação entre a carga viral em sangue e sêmen, e a transmissão. Foram coletadas amostras de carga viral com uma mediana de103 dias depois da estimativa da data de exposição (intervalo 20-146 dias depois) no grupo de transmissores e uma mediana de 24 dias depois de uma exposição potencial no grupo de não transmissores (intervalo de 107 dias antes - 42 dias depois).
A carga viral mediana em sangue foi mais alta no grupo no qual a transmissão ocorreu do que no grupo não transmissor, apesar de que em ambos os grupos houve cargas virais superiores a 10.000 cópias/ml (55.000 cópias/ml no grupo transmissor versus 11.700 cópias/ml no grupo não transmissor, p < 0.001). A carga viral mediana em sêmen também foi mais alta no grupo de transmissores: 4,270 cópias/ml versus 380 cópias/ml entre os não transmissores (p < 0.015).
Realizando uma análise multivariada, a carga viral em sangue teve associação estatísticamente significativa com a transmissão; a carga viral em sêmen não teve associação estatísticamente significativa com a transmissão. O intervalo das cargas virais entre os transmissores teve um máximo mais alto e uma amplitude menor do que o intervalo do grupo de não transmissores. Porém, o intervalo das cargas virais em sêmen para os transmissores permaneceu completamente dentro do intervalo de cargas virais em sêmen dos não transmissores.
A associação neste estudo entre a transmissão sexual e a a carga viral em sangue, mas não com a carga viral seminal, foi surpreendente, dado que a transmissão sexual envolve vírus seminal e não vírus do sangue. Os pesquisadores levantaram a hipótese de que “isto pode ser devido ao intervalo entre as exposições sexuais e a coleta das amostras.” O tempo mediano estimado entre a exposição e a coleta de amostras foi significativamente maior para o grupo de transmissores do que para o grupo de não transmissores (103 dias versus 24 dias, p < 0.001). eles afirmam que estudos futuros devem melhorar a coleta de amostras para carga viral, realizando-as mais perto do momento da transmissão, desde que as cargas virais em sêmen variam no tempo e com uma amplitude maior do que as cargas virais pareadas em sangue. Os investigadores afirmam que futuros estudos devem visar a coleta de amostras de carga viral mais próxima do momento da transmissão.
Os autores também notam que seu estudo mediu o vírus livre no sêmen, não o associado nas células. Eles observam que não têm sido definidos os papéis respectivos dos vírus livres e dos vírus associados a células na transmissão do HIV via sêmen, e reconhecem que medir o vírus livre pode ser uma limitação do estudo.
Sobre o VHS-2, os pesquisadores observaram que a infecção pelo VHS-2 esteve associada com a transmissão, mas somente quando a infecção estava presente no paciente fonte [com HIV]. “Estes resultados,” escrevem os pesquisadores, “sugerem que a infecção pelo VHS-2 assintomática pode ter um impacto no risco de transmissão mais do que no de aquisição do HIV-1.”
Apesar de que os estudos recentes mostraram pouco efeito do tratamento do herpes na redução do risco da infecção pelo HIV, os investigadores sugerem, “pode existir um papel para a terapia supressiva da infecção pelo VHS-2 assintomática, mas pode ser indicada para as pessoas infectadas pelo HIV para que reduzam o risco de transmitir o HIV-1 e não para que as pessoas HIV-negativas reduzir seu risco de adquirir o HIV-1, como tem sido pesquisado até o momento. Isto deve ser determinado empiricamente.”
Referências
Butler D.M. et al. Herpes simplex virus 2 serostatus and viral loads of HIV-1 in blood and semen as risk factors for HIV transmission among men who have sex with men. AIDS 22:1667 – 1671, 2008. |