Especialistas suíços afirmam que os indivíduos com carga viral indetectável e sem DST não podem transmitir o HIV por via sexual

Edwin J. Bernard, 30 de janeiro de 2008, aidsmap
Traduzido por Jorge Beloqui  (lei a íntegra em www.giv.org.br)

Especialistas suíços em HIV produziram o primeiro consenso para afirmar que os indivíduos com HIV em terapia antiretroviral eficaz e sem infecções de transmissão sexual (ITSs) são não sexualmente infecciosos. A declaração está publicada no número Bulletin des médecins suisses 89 (5), janeiro de 2008, (Boletim dos médicos suíços) . O artigo também discute as  implicações para médicos, para pessoas com HIV, para a prevenção do HIV e para o sistema legal.
A declaração, em nome da Comissão Federal Suíça para HIV / AIDS  é da autoria de quatro dos especialistas em HIV de maior renome na  Suíça.  O subtítulo da declaração diz que  “depois de uma revisão da literatura médica e de extensa  discussão,” a Comissão Federal Suíça para HIV / AIDS resolve que, “uma pessoa infectada pelo HIV em terapia antiretroviral com viremia completamente suprimida (“TAR eficaz”) não é sexualmente infecciosa, ou seja, não transmite o HIV através do contato sexual.”
A declaração é válida se:
1. a pessoa adere à terapia antiretroviral, cujos efeitos devem ser avaliados regularmente pelo médico, e
2. a carga viral está suprimida (< 40 cópias/ml) por pelo menos seis meses, e
3. não há outras infecções de transmissão sexual.

O artigo inicia afirmando que a Comissão “entende que os dados médicos e biológicos disponíveis hoje não permitem provar que a infecção pelo HIV durante a terapia antiretroviral eficaz é impossível, porque a não ocorrência de um evento  improvável não pode ser demonstrada.”   Declara ainda que a evidência para a afirmação da Comissão sobre a relação entre  tratamento e transmissão sexual do HIV é muito mais informada do que estava disponível em 1986 sobre a transmissão do HIV através do beijo.

Por exemplo, eles notam, que  Quinn e colegas encontraram que em casais soro-diferentes o risco da transmissão dependia da carga viral do parceiro com HIV, e também referem a um estudo prospectivo em 393 casais soro-diferentes heterossexuais de Castilla e colegas que não encontraram infecção alguma em parceiros de pessoas em terapia antiretroviral, comparado com uma taxa de transmissão de  8.6% entre parceiros de pacientes não tratados. Eles também observam que a transmissão da mãe para o neonato também depende da carga viral materna, e pode ser evitada tomando terapia antiretroviral.

Eles continuam afirmando que uma terapia antiretroviral eficaz elimina o HIV das secreções genitais. Eles dizem que o RNA do HIV, medido no esperma, declina por baixo dos limites de detecção na terapia antiretroviral, e que o RNA do HIV também é inferior aos limites nas secreções genitais das mulheres, como regra, durante a terapia antiretroviral eficaz. “Como regra,” escrevem, “ela aumenta depois, não antes, de um aumento na carga viral em plasma.”

Eles notam que a concentração do RNA do HIV no esperma correlaciona-se com o risco da transmissão e que o  “risco da transmissão declina para zero com a queda da carga viral no esperma. Estes dados indicam que o risco da transmissão diminui notavelmente com a TAR.”

Porém, eles acrescentam várias exceções e precauções às afirmações acima: 

  1. Depois de alguns dias ou semanas de descontinuação da terapia antiretroviral, a carga viral em plasma aumenta rapidamente. Existe pelo menos um relato de  transmissão durante este repique;
  2. Em pacientes que não estão em tratamento, ITSs como uretrite ou úlceras genitais aumentam a carga viral genital; ela diminui de novo depois do tratamento da ITS.
  3. Num paciente com uretrite, a carga viral no esperma pode aumentar levemente mesmo quando o paciente está recebendo tratamento eficaz. Este aumento é pequeno, porém, muito menor do que o aumento observado em pacientes sem tratamento.


Eles concluem a parte científica do artigo dizendo que: “Durante a terapia antiretroviral eficaz, o vírus livre não está no sangue nem nas secreções genitais. Dados epidemiológicos e biológicos indicam que durante este tratamento, não há risco relevante de transmissão. O risco residual não pode ser excluído cientificamente, mas é, segundo a opinião desta Comissão, desprezívelmente pequeno.”

Implicações para médicos

A Comissão discute depois as implicações para as discussões médico-paciente. Ele diz, "a seguinte informação visa comunicar aos médicos critérios que permitam estabelecer se um paciente pode ou não transmitir o HIV sexualmente.
O HIV não pode ser transmitido sexualmente se:

  1. O indivíduo com HIV toma a terapia antiretroviral consistentemente e como  prescrito e é acompanhado regularmente pelo seu médico;
  2. A carga viral é ‘indetectável’ e tem permanecido assim por pelo menos seis meses;
  3. O indivíduo com HIV não tem nenhuma ITS."

Implicações para pessoas com HIV

A Comissão afirma que uma pessoa com HIV numa relação estável com um parceiro sem  HIV, que segue sua terapia antiretroviral consistentemente e como prescrito e que não tem ITS, "não está colocando seu parceiro de transmissão pelo contato sexual." "Os casais devem entender," escrevem, "que a adesão será onipresente no seu relacionamento quando decidem não usar proteção, e devido à importância das ITSs, devem ser definidas regras para contatos sexuais fora da relação."

 Implicações para o sistema legal

Finalmente, a  Comissão diz que os tribunais deverão tomar em consideração o fato de que as pessoas com HIV em terapia antiretroviral e sem ITS não podem transmitir o HIV sexualmente em casos de exposição e transmissão criminal do HIV.

Eles concluem afirmando que a Comissão pensa que o sexo desprotegido entre uma pessoa com HIV em TAR [eficaz] e sem ITS, e uma pessoa HIV-negativa, não obedece aos critérios de “tentativa de propagação de uma doença perigosa” nem  de “tentativa de gerar lesões corporais graves” segundo o Código Penal Suíço.