Uma nova análise mergulhou mais fundo no comportamento real de sexo e prevenção daqueles que participaram do Opposites Attract e descobriu que os casais não estavam apenas confiando na carga viral indetectável do parceiro positivo para evitar que o parceiro negativo fosse infectado. Alguns usaram diferentes estratégias, enquanto outros realizaram combinações.
Este novo estudo analisa os comportamentos de prevenção sexual do casal em todos os momentos do estudo. A análise anterior, que visava observar se havia algum risco de transmissão pelo parceiro soropositivo se ele tivesse uma carga viral indetectável, excluiu todos os atos sexuais realizados com preservativos ou em uso de PrEP. De fato, uma alta proporção de casais continuou a usar preservativos durante todo ou em parte do tempo e 1/3 dos parceiros negativos fizeram PrEP durante pelo menos parte do estudo.
Houve também alto uso de ‘soroposicionamento’, o que também reduz o risco de HIV, mas ainda existe algum risco.
Houve também alto uso de ‘soroposicionamento’ (o parceiro HIV-negativo tomando o papel insertivo e o parceiro positivo o papel receptivo), o que também reduz o risco de HIV, mas ainda existe algum risco. Os casais praticantes de soroposicionamento não foram excluídos da análise.
Soroposicionamento ou soroconcordância: ter relações anais receptivas (ou seja, como passivo) desprotegidas somente com parceiros sexuais HIV-negativos, e ter apenas relações anais insertivas (como ativo), com os parceiros de sorologia de HIV desconhecida ou positiva.
Comportamento “soroadaptativo”: qualquer tentativa de reduzir o risco de transmissão do HIV através da alteração do comportamento sexual segundo a sorologia do parceiro. Mais comumente, significa restringir o sexo anal desprotegido a parceiros sexuais anais que têm a mesma sorologia que você mesmo.
Segurança negociada: quando o sexo desprotegido entre homens HIV-negativos se limita a uma relação primária fixa, e com preservativos usados em todos os outros encontros.
O estudo Opposites Attract começou na Austrália, mas depois se estendeu a locais no Brasil e na Tailândia, e houve diferenças interessantes entre as opções de prevenção do HIV nos diferentes países. Na Tailândia, em particular, uma alta proporção de parceiros soropositivos não tinha iniciado a terapia antirretroviral (TAR) quando entraram no estudo, embora quase todos tivessem iniciado no final. Testes de carga viral são realizados com menor frequência lá, e isso pode explicar por que os participantes tailandeses estavam mais propensos a usar preservativos ou PrEP, isoladamente ou em combinação, como seu principal comportamento protetor.
A nova análise fornece um corte interessante de como o risco sexual e o comportamento de prevenção do HIV entre homens gay estavam mudando durante um período de transição durante o qual a TAR universal no diagnóstico estava se firmando e a PrEP tornando-se mais disponível, mas a informação sobre ambos espalhava-se talvez mais lentamente.
OS CASAIS
Esta nova análise inclui todos os 343 casais do estudo original: 153 na Austrália, 93 no Brasil e 97 na Tailândia. O estudo teve início em 2012 na Austrália e em 2014 no Brasil e na Tailândia, antes de fechar no final de 2016. Os participantes brasileiros e tailandeses, portanto, contribuíram com menos anos para a análise.
A idade média dos participantes foi de 35 anos e 10 meses, com quase nenhuma diferença entre os parceiros HIV-positivos e HIV-negativos. Os australianos tenderam a ser mais velhos (cerca de 40 anos) do que os tailandeses (cerca de 30 anos). Os parceiros soropositivos para o HIV tinham menos probabilidade de ter formação universitária: 4% menos probabilidade na Tailândia e no Brasil e 8% menos probabilidade na Austrália.
Pouco mais de 40% dos casais tinham relações sexuais há menos de 1 ano, cerca de 1/3 de um a cinco anos e pouco menos de 1/4 há mais de 5 anos. Casais brasileiros e tailandeses eram mais propensos a ter estado juntos por menos de um ano (54% e 46%, respectivamente) e menos propensos a ter estado juntos por mais de 5 anos (15% e 17,5%).
Como já mencionado, nem todos os participantes HIV-positivos estavam em TAR quando entraram no estudo. Com efeito, apenas 50,5% dos tailandeses usavam TAR no início, comparados com 85% dos australianos e 80% dos brasileiros. Todos, exceto seis participantes, estavam em TAR no final do estudo. Não surpreendentemente, enquanto 85% dos australianos e 81% dos brasileiros tinham cargas virais abaixo de 200 cópias/ml durante todo o estudo, comparados com apenas 55% dos tailandeses.
ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO
As diferenças na disponibilidade de TAR foram refletidas nas estratégias de prevenção dos participantes. Por exemplo, durante o estudo, 11% dos australianos, 31% dos brasileiros e 45% dos tailandeses nunca fizeram sexo anal sem preservativo, o que significa que até 1/4 de todos os participantes continuaram confiando nos preservativos como seu único método de prevenção, ou pelo menos um deles, e 47% de todos os atos de intercurso anal no estudo envolveu o uso de um preservativo.
Foram usados múltiplos métodos de prevenção: uma das surpresas do estudo foi a alta proporção de pessoas que usaram o que foi definido como “PrEP diária” pelo menos em parte do tempo. Um terço dos participantes HIV-negativos registraram pelo menos algum uso de PrEP, e o uso foi maior no Brasil e na Tailândia (40% e 37%, respectivamente) do que na Austrália (27%).
Um terço dos participantes HIV-negativos registraram pelo menos algum uso de PrEP, e o uso foi maior no Brasil e na Tailândia (40% e 37%) do que na Austrália (27%).
Alguns participantes podem ter obtido PrEP por meio do programa Princess PrEP na Tailândia e dos projetos de demonstração em estados australianos como EPIC-NSW, que começaram no início de 2016, mas a PrEP não estava disponível oficialmente no Brasil até 2017. Mesmo permitindo confusão entre PrEP e PEP (profilaxia pós-exposição), parece ter havido compras on-line significativas de PrEP ou outras fontes informais entre os participantes.
EM MAIS DETALHES
Os pesquisadores registraram todos os atos de sexo anal durante o estudo e classificaram cada um deles segundo oferecessem proteção contra o HIV por meio de um ou mais dos quatro métodos efetivos:
- A percepção do parceiro HIV-positivo com carga viral indetectável (I = I): 77% de todos os atos foram cobertos por isto;
- Soroposicionamento que oferece uma redução de 90% na chance de transmissão do HIV quando usado consistentemente: 62% de todos os atos foram cobertos por isso;
- Uso de preservativo por qualquer dos parceiros: 47% de todos os atos foram cobertos por preservativos;
- Uso da PrEP pelo parceiro negativo: 24% de todos os atos foram cobertos pela PrEP.
Como se pode ver, esses números não são exclusivos e a maioria dos casais usou mais de uma maneira de se proteger. Para I = I, a proporção de atos sexuais cobertos apenas por este e nenhum outro método foi de apenas 12%. Com preservativos, soroposicionamento e PrEP, apenas 5%, 3% e 1% dos atos sexuais, respectivamente, foram cobertos por este único método.
Para I = I, a proporção de atos sexuais cobertos apenas por este e nenhum outro método foi de apenas 12%.
A estratégia mais popular (supondo que fosse uma estratégia deliberada) era aderir ao soroposicionamento. As cinco principais estratégias mistas foram:
- I = I e soroposicionamento: 23% de todos os atos;
- Preservativos, I = I e soroposicionamento: 12% de todos os atos;
- Preservativos e I = I: 9% de todos os atos;
- Preservativos e soroposicionamento: 9% de todos os atos;
- I = I, PrEP e soroposicionamento: 7% de todos os atos.
Nos casos em que o parceiro soropositivo era percebido como indetectável, os preservativos também foram usados (em qualquer combinação) 38% do tempo, e a PrEP também foi usada 10% do tempo.
Apenas 4% dos atos sexuais anais foram cobertos por todas as quatro estratégias, mas inversamente apenas 1,6% não foram cobertos por nenhuma estratégia. Ou seja, o parceiro positivo foi detectável, nem preservativos nem PrEP foram utilizados e o parceiro negativo foi receptivo.
Houve fortes diferenças entre os países. Tailandeses e brasileiros eram muito mais propensos a usar preservativos do que os australianos: 85% de todo o sexo anal envolveu o uso de preservativo em participantes tailandeses e 64% em brasileiros, contra 26% dos australianos. Os tailandeses também foram mais propensos do que outros a usar preservativos e PrEP (21% de todos os atos sexuais envolviam ambos) e enquanto o número absoluto em uso de PrEP era menor do que para outros métodos, para 2/3 dos tailandeses que usavam PrEP este foi o único método de proteção.
Agrupando I = I e PrEP, 69% dos australianos usaram um ou ambos como única proteção contra 35% dos brasileiros e apenas 5% dos tailandeses. Apenas 5% dos participantes usaram o posicionamento estratégico como seu único método de prevenção, mas foi usado por 10% dos tailandeses.
AS PESSOAS ESTAVAM CORRETAS SOBRE A CARGA VIRAL DO PARCEIRO?
Os dados suscitam a pergunta: os parceiros estavam corretos sobre a carga viral do parceiro soropositivo? A resposta é: na Austrália e no Brasil, na maior parte do tempo (88% e 78%, respectivamente). Na Tailândia, possivelmente porque o teste de carga viral é menos comum, os parceiros eram mais propensos a perceber a carga viral do parceiro como detectável quando na verdade não era (61%).
Se o parceiro positivo tivesse uma carga viral superior a 200 cópias/ml, o parceiro negativo esteve geralmente correto em saber disso ou dizer que não conhecia sua carga viral.
Se o parceiro positivo tivesse uma carga viral superior a 200 cópias/ml, o parceiro negativo esteve geralmente correto em saber disso ou dizer que não conhecia sua carga viral.
De maneira tranquilizadora, houve poucos casos – apenas 15 no total – em que o parceiro negativo achou que a carga viral de seu parceiro era indetectável, mas não era: apenas 1% na Austrália, 1,2% no Brasil e nenhum caso na Tailândia. No entanto, em todos estes 15 casos, o parceiro soropositivo para o HIV tinha uma carga viral superior a 1.000 cópias/ml e, portanto, era potencialmente infeccioso.
REFERÊNCIAS:
• Bavinton B et al. Strategies used by gay male serodiscordant couples to reduce the risk of HIV transmission from anal intercourse in three countries. Journal of the International AIDS Society 22e25277, 2019.