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AIDS: HOJE E NO FUTURO
27/12/2004 - Jornal da USP
A epidemia do HIV/AIDS
Vai ano, entra ano e o tema volta à baila. Nestas muitas vezes que tentamos avaliar e fazer exercícios de futurologia a respeito do que está acontecendo ou vai suceder com a epidemia da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), já acertamos e já erramos. Infelizmente, nosso lado pessimista permitiu mais acertos do que erros e lá vamos nós de novo.
Não é para lembrar eu não disse?, mas dizê-lo-emos, parafraseando o já falecido Jânio Quadros. A epidemia na África não foi controlada e não diminuiu a não ser em dois países, Uganda e Senegal. No Senegal, por um enorme esforço em educação da população e pelo fato único na região de ser mesmo uma democracia com imprensa livre. Em Uganda, apenas por esforços educacionais, que estão comprometidos hoje pelos malucos que fazem uma guerrilha dita cristã no norte do país. Outras duas democracias verdadeiras, África do Sul e Botsuana, não foram bem-sucedidas nas tentativas de diminuir o problema, existindo, porém razões para isto.
Para começar, partiram de patamares muito elevados de infecção, enquanto que o Senegal teve tempo de preparar-se quando a epidemia ainda não havia penetrado por lá. Em segundo lugar, as curiosas noções que em algum tempo o senhor presidente da República da África do Sul entreteve quanto à relevância do HIV e à tragédia que vinha sucedendo no seu país, atrapalharam e atrasaram as tentativas de oferecer tratamento aos infectados e isto só agora é que está ficando resolvido. Botsuana, apesar de mais pobre, está desejando implantar o modelo brasileiro que garante assistência terapêutica a todos que precisam e como tão bem escreveu Bill Clinton, explicando o sucesso do nosso sistema, se não houver garantia de fornecimento de remédios não se conseguirá que as pessoas conscientizem-se da necessidade de saber se estão infectadas, como também de protegerem-se do vírus.
O fundo mundial para combate à Aids, à tuberculose e à malária ainda não disse a que veio. Está financiando alguns programas e por enquanto não passa de gota perdida no oceano das necessidades. A Aids, na Rússia e na Europa Oriental, vem aumentando de maneira assustadora, sem que se perceba nenhuma ação organizada contra isto. A Tailândia está, como o Brasil, ancorada num sistema semelhante de garantia de tratamento e realiza esforço educacional que ultrapassa o nosso. Há, como aqui, sucesso na diminuição da mortalidade e provavelmente mais efetividade na limitação da extensão da doença. Em compensação no Vietnã, no Camboja e especialmente na curiosa ditadura budista (quase que uma contradição intrínseca) de Myanmar a situação piora a olhos vistos.
Uma surpresa favorável é a Índia, país que tinha tudo para o desenvolvimento de uma epidemia fora de controle a curto prazo e que, por enquanto, não está nesta situação. A Aids avançou muito por lá; contudo, não reproduziu a situação africana. Contextos culturais diferentes podem ajudar a entender o motivo. O grande risco para adquirir a infecção pelo HIV pela via sexual é a reexposição repetida, já que o perigo em uma única relação varia de 1 em mais de 5.000, para homem que transa com mulher soropositiva, a algo como 0,2% por ato sexual de mulher com homem soropositivo. Na África é comum a poligamia seriada, com homens e mulheres envolvendo-se com um número não muito grande de parceiros por vez, sendo todavia todos promíscuos neste sistema, garantindo que, se um, contaminar-se pelas relações repetidas, ele infectará os outros. Na Índia, a promiscuidade sexual é masculina e consiste numa visita eventual ao bordeI quando o cidadão possui algum dinheiro a mais e como o país ainda é muito pobre, tais ocorrências são limitadas e esporádicas.
Não precisamos reiterar que neste ano, como em todos os anteriores, vacinas não só inexistem agora e existirão nos próximos dez anos ou mais. Na verdade, as tentativas para conseguir recursos preventivos deste tipo, com algum grau de utilidade, por enquanto não deram em nada. Contamos com modelos matemáticos sugerindo que vacina de baixa eficiência (algo como proteção de 30% a 40%), pode proteger quem a toma, mas aumenta a extensão da epidemia.
E aqui no Brasil, como é que estamos e para onde vamos? Estamos colhendo presentemente os resultados de programa governamental particularmente bem desenhado que permitiu fazer com que a mortalidade caísse mais de 50%, evitar internações e deixar os pacientes vivendo uma vida produtiva. E isto mais do que paga o que é gasto em medicações. Não fomos igualmente felizes na limitação da epidemia, que continua estendendo-se, parecendo ser menor o ritmo. Em parte há alguma proteção, pelo tratamento, dos que têm o HIV, pois pessoas com cargas virais inferiores a 1.500 genomas/ml são claramente menos contaminantes. Nosso sistema educacional ainda não é adequado e não vamos ficar só reclamando - houve uma grande melhora do ensino, nas escolas, quanto à informação em relação aos riscos de adquirir o causador da enfermidade.
Surgiram remédios novos e, inclusive, os inibidores de fusão, que já estão disponíveis em outros países. Além disso, os primeiros fármacos, ainda em fase 1 de pesquisa, referentes a inibidores de integrase, deverão estar brevemente liberados. Não obstante, convém lembrar que nenhum esquema terapêutico cura a infecção. As condutas em vigor controlam-na por um tempo, que pode ser muito longo. Conhecemos pacientes com mais de 20 anos em tratamento e perfeitamente bem quanto à infecção, com imunidade preservada e sem nenhum quadro clínico de Aids. Em compensação, eles apresentam com razoável freqüência efeitos colaterais dos medicamentos, especialmente a lipodistrofia, que não é só um distúrbio estético, porquanto aumenta o risco cardiovascular, abrangendo o de enfartes e acidentes vasculares cerebrais.
O que podemos esperar no próximo ano? Não vemos perspectivas rápidas de mudança no panorama. Esperamos estar enganados neste aspecto e que, em breve, disponhamos de melhores remédios e de uma vacina efetiva. Quem sabe algum dia...
VICENTE AMATO NETO E JACYR PASTERNAK