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Elas estão em busca do prazer

15/06/2003 - CORREIO BRAZILIENSE

50% das mulheres sexualmente ativas sofre algum tipo de disfunção

Pesquisa da USP mostra que mais de 50% das mulheres com vida sexual ativa sofrem algum tipo de disfunção, como falta de libido e dificuldade para atingir o orgasmo. Solução pode estar no autoconhecimento

Carmen Carmen Souza e Guaíra Índia Flor
Da equipe do Correio

A angústia das mulheres em relação ao sexo é tão antiga quanto a história da humanidade. As Mulheres de Tróia, do dramaturgo grego Eurípedes, já diziam em 400 a.C: "Gostamos de sexo tanto quanto os homens, mas disfarçar isso é tanto uma arte quanto uma necessidade." Passados mais de 2 mil anos, o problema é outro. Se antes elas não podiam sentir prazer, agora ficam frustradas quando não atingem o orgasmo. A satisfação sexual virou quase uma paranóia. Está na televisão, nos jornais e revistas: uma cartilha social estressante que diz que mulher que não sente prazer ficou parada na história e é fracassada.

"O sexo é encarado, hoje, como única fonte verdadeira de prazer", explica a terapeuta Jerusa Figueiredo. "Muitas mulheres acham que o orgasmo é a solução para todos os problemas e se culpam por não chegar lá." A preocupação atinge um número cada vez maior de pessoas. Segundo a mais nova pesquisa do Projeto de Sexualidade da Universidade de São Paulo (USP), mais de 50% das mulheres sofrem algum tipo de disfunção sexual.

O estudo foi realizado entre novembro de 2002 e fevereiro deste ano. Neste período, entrevistou-se 7.103 participantes de 13 estados brasileiros. Destes, 45,4% eram mulheres.

A principal queixa das entrevistadas é a falta de libido (26,6%). Em seguida, aparece a dificuldade para atingir o ápice sexual. No Distrito Federal, o problema aflige 27,8% das mulheres; 1,6% a mais que a média nacional. (Veja quadro abaixo).

A soma dessas disfunções, no entanto, não é atestado de frigidez. A psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora da pesquisa, confessa ouvir freqüentemente relatos assim no consultório. "A ordem natural do sexo é desejo, excitação e orgasmo", ensina. "Se a mulher já começa sem vontade, não tem como chegar lá."

O fato de a mulher não se excitar raramente tem causas físicas. Isso porque, para elas, o sexo acontece primeiro na cabeça. Quando questionadas sobre os fatores que contribuem para uma "boa cama" apontam: afeto pelo parceiro (77,2%), intimidade (70,6%) e clima envolvente (70,5%). Já os homens citam a atração física (73,5%) e o quesito "tempo disponível" para a transa (69,5%).

Esse descompasso de percepções entre parceiros é uma das causas das disfunções sexuais femininas. Enquanto elas sonham com uma transa romântica, cercada de mimos, rosas e carinho, eles correm para a cama querendo demonstrar performance. "O homem se excita muito com o sexo genital, a imagem de uma mulher nua na revista é o suficiente para ele ficar ligado", avalia a sexóloga Mabel Cavalcanti. "Já a mulher é mais seduzida pelos toque ou pelos sentidos como audição e olfato."

A questão biológica também interfere. Os rapazes ficam prontos para o sexo em questão de segundos. E a disposição é visível. Já as moças precisam de mais tempo e estímulos. O problema - segundo a psicóloga Marizia Bonifácio — é que ambos desconhecem os segredos e respostas do corpo feminino. Às vezes faltam preliminares antes da penetração, outras vezes elas não têm o efeito desejado. O homem, às cegas, tenta descobrir o que fazer. Já a mulher não sabe dizer o que quer. "Quantas delas foram ensinadas a olhar a vagina durante a adolescência?", pergunta Marízia. "Elas entram na vida sexual sem se conhecer e ainda querem sentir prazer."

Laura, 32 anos, faz parte do grupo de mulheres criadas para não se descobrir sexualmente. Ela casou virgem, aos 19 anos, com o primeiro namorado. Apesar de transar com o marido, tinha vergonha de tirar a roupa na frente dele ou falar sobre as suas fantasias. Durante as relações, Laura sentia dores e chegava a sangrar."Ouvia minhas colegas falarem sobre orgasmo e ficava curiosa", conta. "Na cama, eu satisfazia o meu marido, mas não me sentia bem."

Depois de oito anos, Laura procurou ajuda de uma terapeuta. A idéia veio de uma brincadeira entre amigas de serviço. Elas montaram uma festa só para mulheres com aulas de técnicas de sedução. O treino despertou na funcionária pública a vontade de mudança. Ela procurou uma terapeuta sexual, em segredo, e passou a se tratar.

Quando tomou consciência de que não precisava sentir vergonha do próprio corpo, Laura ficou mais descontraída. Para surpresa do marido, passou até a tomar iniciativa nas relações. Dez anos depois da primeira vez, ela finalmente conheceu o tão falado orgasmo. "Minha vida sexual melhorou 100%", garante. "Meu marido ficou mais carinhoso e trocamos recadinhos sensuais durante o dia."

A falta de prazer sempre incomodou Laura. Mas ela não tinha coragem para falar sobre o assunto nem com o ginecologista. "Queria que ele lesse meus pensamentos porque me sentia uma verdadeira geladeira". A mesma postura é adotada por 32,4% das entrevistadas, que não falam sobre sexo com o médico.

As milhares de dúvidas que as mulheres têm sobre o tema são sanadas de forma questionável. Em revistas e livros de auto-ajuda (77,9%) ou com o parceiro (62,2%).

Muitas mulheres acham que o orgasmo é a solução para todos os problemas e se culpam por não chegar lá

Jerusa Figueiredo, terapeuta