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TRIPS É DISCUTIDA EM BRASÍLIA
24/06/2004 - Agência Aids
Simpósio sobre a propriedade intelectual no domínio da saúde
Começou ontem, dia 22 e vai até quinta-feira, dia 24, o Simpósio Franco-Brasileiro sobre a Propriedade Intelectual no Domínio da Saúde (Aspectos Econômicos, Jurídicos e Legislativos). No evento, comunidade científica, parlamentares e sociedade civil vão discutir o paradigma entre as leis de patentes e a saúde pública dos países em desenvolvimento. Na pauta, os impactos do Tratado Internacional de Propriedade Intelectual (TRIPS) assinado pelos países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) há dez anos. O prazo de adesão ao tratado termina ano que vem e todos os países deverão adotar suas normas. Segundo o Dr. Ricardo Pio Marins, Diretor-Adjunto do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (DST/Aids), o simpósio surgiu a partir da necessidade mundial de se contornar os desafios impostos pelo TRIPS para garantir que as pessoas continuem a ser tratadas.
O simpósio está sendo organizado pelo Ministério da Saúde, por meio do Programa Nacional de DST/Aids em parceria com a Agência Nacional de Pesquisa em Aids da França - ARNS e a Embaixada da França do Brasil. A ARNS vem trabalhando em parceria com o PN-DST/Aids há dois anos. Para o Diretor da ARNS, Dr. Benjamin Coriat, essa parceria surgiu da afinidade entre os governos desses dois países nas políticas de acesso universal aos tratamentos anti-retrovirais desde o início, no período em que as organizações internacionais argumentavam que a implantação dessa política poderia resultar num grande caos. O programa brasileiro serviu de modelo e foi uma demonstração de que essa política pode ser implementada com sucesso nos países em desenvolvimento. Foi uma base de compreensão cultural muito forte e, inclusive, uma prova de solidariedade, afirma.
Veja a seguir, a entrevista concedida pelo Dr. Ricardo Pio Marins do PN-DST/Aids:
Agência de Notícias da Aids: Qual a principal finalidade desse simpósio?
Dr. Ricardo Pio Marins do PN-DST/Aids: A discussão é para se conhecer melhor a legislação e o que os acordos de comércio trazem, inclusive as posições brasileiras sobre a flexibilização dessas relações internacionais e mostrar as possibilidades e impossibilidades, causadas pelas leis, na manutenção do acesso universal aos tratamentos.
A.A Quais as saídas para o impasse entre os interesses comerciais dos laboratórios e a saúde pública no Brasil?
Dr. Ricardo Pio Marins: Uma das formas que temos para resolver esse problema é desenvolver a nossa capacidade de produzir. O Brasil não tem capacidade de produzir novas moléculas, mas implementando-se um parque industrial como foi feito pela China e Índia, teremos capacidade de produzir outras moléculas. Certamente isso não se dará em curto prazo, por isso, o problema se impõe da mesma maneira. No entanto, já estamos tomando medidas para que tenhamos essa capacidade a médio e longo prazo.
A .A: Com quais mecanismos de negociação o Brasil conta nessa discussão?
Dr. Ricardo Pio Marins : Temos que encontrar uma solução de acordo entre os países detentores das patentes para que seja possível promover o tratamento de todas as pessoas infectadas e que isso (as patentes) não seja uma barreira para a sobrevivência da população mundial. Vamos ponderar que certas políticas ameaçam completamente determinadas populações. Então, a licença compulsória ou a licença voluntária são possibilidades. Deve-se trabalhar com os laboratórios farmacêuticos para que eles dêem licenças voluntárias para a produção de medicamentos patenteados. Nesse sentido, não quebramos patentes, porém recebemos licenças voluntárias. Foi o que aconteceu, recentemente, com o Efavirenz. O laboratório que o fabricava verificou que, economicamente, não vale a pena produzi-lo. Assim, o laboratório se dispôs a conceder a licença voluntária para o Brasil. Atualmente estamos negociando e futuramente poderemos produzi-lo. Esse é um mecanismo possível.
Segundo a lei de patentes, após três anos que um país importa um medicamento, esse país deverá passar a produzi-lo localmente. Essa lei é extremamente ferina para os países pobres, pois vulnerabiliza ainda mais esses países, uma vez que é muito difícil que eles possam produzir os medicamentos. No caso do Brasil, há certa capacidade de produção, porém, outros países menos desenvolvidos não. A saída é discutir licenciamento compulsório, desenvolver capacidades, enfim, discutir a própria estrutura da lei. A quem essas leis beneficiam? De que maneira isso tudo pode causar um caos mundial. Deve-se repensar as relações quando se tratam de medicamentos essenciais.
A.A: As regras impostas pelo TRIPS não seriam uma ameaça à implementação do programa 3 to 5 da Organização Mundial de Saúde, no qual pretende-se promover tratamento para três milhões de pessoas infectadas pelo HIV até 2005?
Dr. Ricardo Pio Marins: O 3 to 5 ainda está numa fase anterior porque em se tratando dos regimes já existentes, ainda podemos prover o acesso a baixos custos, no entanto, por outro lado, se só se garantem a compra de mecanismos com patentes. Sendo assim, p TRIPS vai inviabilizar economicamente esse programa no futuro. Se por um lado estimula-se que as pessoas se tratem, por outro lado teremos uma relação de mercado que inviabiliza o acesso universal em função dos preços. Com o TRIPS, os governos podem ficar reféns de uma relação comercial que interfere não só com os medicamentos de Aids mas com todas os outros recursos medicamentosos que países em desenvolvimento precisam para não deixar suas populações morrerem. A alternativa, então é comprar os medicamentos agora e seguir discutindo as ameaças à soberania e às possibilidades desses países serem viáveis causadas por essas relações. Na medida que outros produtos também entram nessa situação, os países pobres estão destinados a ter uma limitação muito grande em suas relações. O que não podemos no momento, é deixar com que as pessoas morram. Muito já se avançou, muitos preços foram reduzidos. Os laboratórios já baixaram os preços, mas ainda não é suficiente, têm que baixar mais. Temos que ter mecanismos que garantam que situações de ameaça como essa tenham outras soluções para as questões de acesso aos medicamentos.
A.A: O Ministério da Saúde vem conduzindo negociações difíceis com os laboratórios para comprar medicamentos a preços razoáveis afim de garantir o direito constitucional dos brasileiros ao livre acesso aos tratamentos. Essa situação não seria um pouco instável para as pessoas que precisam dos medicamentos. Não existe o risco de ser impossível economicamente garantir os medicamentos mediante essas negociações?
Dr. Ricardo Pio Marins : Isso é possível, mas o Governo do Brasil tem o compromisso de manter esse acesso. Inclusive esse compromisso está legalmente formalizado na Constituição Nacional. Se não for possível adquirir os medicamentos por meio de negociações de preços, seremos obrigados a quebrar patentes. A quebra de patentes serve para situações limite, nas quais existe uma ameaça à saúde pública na qual o preço nos impeça de fornecer o medicamento. A própria lei TRIPS permite isso. É importante lembrar que essa atitude só seria tomada em situações extremas. O ideal é que isso nunca venha a ocorrer, pois não podemos sair por aí quebrando patentes visto que isso criaria uma situação econômica muito diversa com outros países, pois existem riscos de sanções econômicas para o país. Então, tentamos garantir os preços dentro de uma normalidade de relações, fazendo com que quem detêm a patente perceba que nessa situação não é possível manter uma relação comercial. É isso que o Brasil vem insistindo em colocar, que existem algumas situações que não se adequam à ótica do comércio dessa maneira. Nesse caso deve haver outra ótica, a do bem público, da emergência.
O que o Senhor espera das discussões do Simpósio?
Dr. Ricardo Pio Marins : Primeiro acho que haver uma reflexão bastante interessante sobre essas leis do TRIPS. Também é bastante interessante que a comunidade científica internacional conheça as leis, além do debate internacional sobre os riscos que vivemos hoje. Muitos segmentos da sociedade não sabem como essas questões são conduzidas. Outro benefício do simpósio é a oportunidade de se refletir sobre essas relações comerciais e conseguir propor formas alternativas de se resolver esse confronto dentro de uma normalidade de relações. Além disso, devemos fortalecer nossa capacidade de produção. Hoje, é prioritário investir no campo de desenvolvimento de moléculas, química fina, medicamentos, pois essas relações comerciais tendem a se exaurir e chegar num confronto em pouco tempo. Há também um posicionamento político em relação à questão. O Governo da França, por exemplo, vem se posicionando junto às esferas internacionais por uma política mais flexível.