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49% DAS FAMÍLIAS NÃO SEGUEM O TRATAMENTO
22/06/2004 - Zero Hora - RS
Ver doença como tabu afeta crianças soropositivas
Pesquisa inédita sobre adesão ao tratamento entre as crianças soropositivas, realizada em Porto Alegre, chegou a uma conclusão alarmante: 49% das 194 famílias entrevistadas não seguem o tratamento prescrito. O índice preocupa porque a única maneira de combater o avanço dos malefícios provocados pelo vírus da Aids é uma rígida adesão aos medicamentos. Um atraso de uma hora nos horários recomendados é suficiente para pôr em xeque os esforços na luta contra o HIV.
O estudo foi realizado pela enfermeira Neiva Wachholz, mestre em Epidemiologia, nos principais serviços de atendimento a crianças soropositivas da Capital. Entre crianças cuidadas por pais biológicos, o percentual de não-adesão alcançou 58,7%, enquanto nas crianças que vivem em instituições 22,2% não tomavam os remédios.
Segundo Neiva, que integra o serviço de Assistência Especializada em DST/Aids da prefeitura de Porto Alegre, diversos fatores contribuem para o índice, como a dificuldade em incluir o conjunto de medicamentos na rotina e os efeitos colaterais provocados pelos remédios, como dor de cabeça e náuseas. Um dos agravantes é o silêncio na própria família sobre a doença.
- Muitas vezes, circula na família um sentimento de culpa pela criança ter a doença, então não se toca no assunto nem revela o diagnóstico. Aí fica difícil convencer as crianças a tomarem os remédios se elas acham que não estão doentes - analisa.
O estudo mostra que o patamar de crianças que seguem fielmente o tratamento, de 51%, é bastante inferior à média nacional global. Pesquisa encomendada pelo Programa Nacional de DST/Aids, divulgada na semana passada, mostrou um patamar de 73% dos 1.972 entrevistados, de todas as idades, tomavam 95% ou mais do total de comprimidos que deveriam ser ingeridos nos três dias que antecederam a entrevista.
A pesquisadora gaúcha acredita que essa diferença se explique pela particularidade do HIV entre crianças, que dependem de intermediários para o controle da ingestão dos remédios. O índice é visto como um desafio para a rede de saúde.
- Foi assustador o índice que encontramos, e ele sugere que existe uma falha. Aderir ao tratamento não é só usar medicamento, tem de representar um comprometimento na forma de encarar a doença. Os profissionais precisam criar estratégia de reforçar os vínculos para assegurar os medicamentos - analisa Neiva.
A pediatra Carmem Lúcia Oliveira da Silva, responsável pelo ambulatório de atendimento a crianças soropositivas do Hospital de Clínicas e consultora do Ministério da Saúde, concorda. E orienta as famílias a supervisionarem o uso da medicação, mesmo entre os adolescentes.
- Isso não pode ser um processo independente, eles precisam ser lembrados e cobrados. Não adianta ter os remédios e tomar em horários irregulares, porque esses horários não são ao acaso, consideram os tempos que os remédios deixam de fazer efeito - alerta.