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MUDANÇA DE PLANOS DE SAÚDE

21/06/2004 - Rev. Consulto Jurídico

Usuários não devem alterar seus planos de saúde sem consulta

Em meados do mês de setembro do ano transato elaborávamos artigo sobre a então recente decisão do Supremo Tribunal Federal, concedendo liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), sobre dois dispositivos da Lei nº 9.656/98, lei dos planos e seguros de saúde, quando foi sancionada a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, Estatuto do Idoso; no mesmo estudo, então, inserimos as conseqüências desta última em relação aos contratos de planos de saúde.

Esse trabalho foi publicado na Revista dos Tribunais (RT nº 821, p. 131/139) alguns meses depois (março/2004), quando já editada a Resolução Normativa nº 64, de 22 de dezembro de 2003, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão do Ministério da Saúde, que tornou obrigatório às empresas operadoras dos planos de saúde o oferecimento de propostas de adequação dos contratos firmados anteriormente à vigência da Lei 9656/98.

Ali dizíamos que, malgrado os ingentes esforços das empresas exploradoras do ramo, por concessão legal autorizadas a essa atividade de responsabilidade estatal (arts. 196/200 da CF), em auferir vantagens desmedidas em contraposição aos serviços que obrigatoriamente devem prestar, permanecia incólume a ação reguladora e fiscalizadora da ANS, tanto que sustentávamos salutar essa continuidade.

Agora, todavia, ficamos surpresos com a vasta divulgação em todos os meios de comunicação, emissoras de televisão, rádios, jornais, revistas, etc., de propaganda autorizada pelo Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde (ANS), recomendando, de forma incisiva, aos possuidores de contratos de “planos ‘antigos’ (assim chamados por terem sido contratados antes da Lei 9656/98)” sua adequação, assinando termos aditivos, ou novos contratos, apregoando que essas avenças não têm mais proteção contra: “proibição de que operadoras de planos de saúde efetuem suspensão ou rescisão imotivada e unilateral dos contratos individuais e familiares; proibição de interrupção de internação em leito clínico, cirúrgico ou em CTI; sujeição às regras da ANS para os reajustes anuais de mensalidades; sujeição às regras da ANS para aplicação de reajustes por faixa etária para pessoas com 60 anos ou mais de idade”.

A orientação, entre outras coisas, omite que os contratos de planos de saúde estão classificados como relações de consumo, regido pelo Código de Defesa do Consumidor, que considera nula, por abusiva, todas e quaisquer cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade” (art. 51, IV); assim, aquelas cláusulas excludentes de atendimento a determinadas doenças (Aids, congênitas...), ou preexistentes (tirante as já conhecidas quando da assinatura do contrato), são nulas, por abusivas, consoante a lei consumerista, situação de há muito reconhecida por nossos Tribunais, através de farta e tranqüila jurisprudência (*).

Além, esses Tribunais também sempre entenderam ineficazes essas cláusulas de acordo com a legislação civil, seja pelo Código Civil de 1916 (art. 115), ou atual (art. 122), como defesas, proibidas, por serem condições que privam o negócio jurídico de todo efeito ou o sujeitam ao arbítrio de uma das partes, cláusulas vulgarmente conhecidas como leoninas.

Exatamente em função desses entendimentos pretorianos resolvendo os conflitos de interesses entre os contratantes de planos de saúde, com a finalidade de extingui-los, “Com uma visão surpreendente, nossa jurisprudência iniciou o preenchimento de uma lacuna na lei, entendendo que a saúde é um bem inconfundível e imaterial. Procurou com decisões fundamentadas, ora em princípios gerais do direito, ora no CDC, efetivar a proteção do consumidor contra aqueles que se agarravam gananciosamente no princípio do ‘pacta sunt servanda’, de contratos especialmente preparados para possibilitar suspensão de internações, alegações de doenças preexistentes etc... tudo que, mesmo colocando em risco a vida humana, mantivesse o lucro desmedido.” (**), foi que “nosso legislador despertou e através da Lei n. 9.656 de 3 de junho de 1988, dentre inúmeras alterações, criações, definições na nova lei, temos de pronto que, o adquirente do plano ou seguro saúde assume a denominação de ‘consumidor’; e, mais ainda, no art. 35-G, define que a assistência à saúde compreende todas as ações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde.” (**)

Portanto, a Lei nº 9.656/98 nasceu em decorrência da aplicação judicial aos contratos de plano de saúde, nos conflitos de interesse havidos no atendimento das relações entre as operadoras e usuários, dos princípios gerais do direito, do Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, lei complementar (arts. 5º, XXXII, 170, V da CF e art. 48 das Disposições Transitórias), como subsistema desta última (art. 35-G da lei dos planos).

Sem propósito, destarte, a afirmação contida no comunicado da ANS que, em virtude de decisão do Supremo Tribunal Federal, acolhendo aquele pedido liminar, “as operadoras são obrigadas a cumprir exclusivamente o que consta no contrato firmado, até que o STF analise e decida o mérito da questão.”, como se o descumprimento das obrigações decorrentes da própria natureza do contrato por parte das operadoras, fosse decorrência dessa liminar.

Além de reconhecer que o mérito da questão ainda não foi julgado – possivelmente conclua-se pela não infringência constitucional, inexistência de retroatividade da lei e de afronta ao ato jurídico perfeito, como vem sendo defendido por muitos – , deixa de mencionar que todos os contratos, novos ou antigos, são protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, Código Civil e princípios gerais do direito.

Nossos Tribunais continuam julgando e aplicando nas ações correlatas o mesmo entendimento de antes; cláusulas nulas, inexistentes, abusivas, sempre que fugirem ao propósito contratual e social de assistência e proteção à saúde.
por Linneu Rodrigues de Carvalho Sobrinho