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VULNERABILIDADE DE MULHERES NEGRAS
14/05/2004 - Agência Aids
1º Seminário de Saúde da População Negra do Estado de SP
acontece o 1º Seminário de Saúde da População Negra do Estado de SP. O evento, que acontece nesta quinta-feira no Memorial da América Latina, traz estudiosos que trabalham com o tema Desigualdades Raciais em Saúde, que constataram que a população negra também é discriminada neste âmbito. Uma pesquisa mostra que a mulher negra está mais exposta ao HIV do que a mulher branca.
O Conselho Estadual da Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, com o apoio do Centro de Estudos das Relações de Trabalho-CEERT, realizam o Seminário a partir das 8h30min, no Memorial da América Latina, auditório Simon Bolivar (Avenida Auro Soares de Moura Andrade).
O objetivo do evento é propiciar a definição de uma agenda estadual de prioridades em saúde, que inclua a dimensão étnico-racial e contemple as necessidades diferenciadas da população negra. O evento será um espaço privilegiado de discussão sobre o tema, pois lá estarão representantes do poder executivo, gestores, lideranças regionais e outros atores diretamente ligados à saúde pública do Estado de São Paulo.
Estarão presentes ao evento prefeitos, secretários municipais de saúde, representantes dos conselhos municipais de saúde dos 645 municípios do Estado de São Paulo, lideranças regionais e autoridades, entre eles a ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, e o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin. Está prevista a participação de duas mil pessoas.
"Precisamos qualificar a coleta de dados em todos os locais. Dessa forma poderemos ter informações mais precisas sobre a saúde da população negra e ganharemos melhores condições de multiplicação esses dados, afirma a Dr. Edna Muniz, especialista em Saúde do Trabalhador e consultora do CEERT em projetos que visem a promoção da igualdade de raça e gênero nas áreas da saúde e do mercado de trabalho e assistente social do Centro de Referência da Saúde do Trabalhador da Freguesia do Ó.
Pesquisa mostra mulheres negras mais vulneráveis ao HIV
A conclusão é de um estudo da bióloga Fernanda Lopes realizado com 1.068 mulheres (542 negras e 526 não-negras) maiores de 18 anos atendidas em serviços públicos de referência para o tratamento de DST/Aids do Estado de São Paulo. Ela participa da mesa que trata do tema neste Seminário de Saúde da População Negra do Estado de SP.
A bióloga recolheu dados referentes a essas mulheres entre setembro de 1999 e fevereiro de 2000 e analisou separadamente as informações coletadas em dois grupos: negras e não-negras. Com isso, detectou a existência de fatores que contribuem para que mulheres negras com HIV/Aids estejam mais vulneráveis à reinfecção ou ao adoecimento.
Entre esses fatores, a bióloga destaca dificuldades de acesso à educação formal, condições de moradia e habitação menos favoráveis, baixo rendimento individual e familiar per capita, responsabilidade pelo cuidado de um maior número de pessoas.
O estudo também identificou que mulheres negras têm mais dificuldade de acesso ao teste diagnóstico e que, após se saberem soropositivas, deixam de receber informações importantes para melhoria de sua qualidade de vida. Para elas é mais difícil a adoção de comportamentos protetores - como o uso de preservativo -, e as possibilidades de acompanhamento realizado por outro médico que não o infectologista ou ginecologista são menores. As chances de atendimento nutricional também são reduzidas e há menos facilidade em obter outros remédios além do coquetel.
Segundo a pesquisadora, o perfil da Aids em mulheres mostra que mais de 70% delas têm baixa escolaridade. "A população negra em geral apresenta menor nível de instrução. Quando os números da Aids puderem ser analisados segundo o critério raça/cor das pessoas, provavelmente encontraremos mais mulheres negras entre aquelas que têm baixa escolaridade. No caso das mulheres com alta escolaridade, provavelmente a maioria será não-negra, como ficou demonstrado neste estudo realizado em São Paulo." Fernanda também lembra que, em média, as mulheres negras têm mais filhos com HIV do que as não-negras.
Discriminação racial Fernanda Lopes explica que as 1.068 mulheres foram convidadas a responder à pergunta "Você já viveu alguma dessas situações: ser atendida sem ser olhada, ser tratada com humilhação, sentir dor ou desconforto por erro durante o serviço de atendimento?". As mulheres não-negras apresentaram-se mais atentas em avaliar as situações inadequadas ocorridas no serviço de saúde. "Já as negras, por terem um histórico de discriminação racial e por estarem 'habituadas' com tratamento desrespeitoso, tiveram mais dificuldades para identificar este tipo de falha no serviço", explica a bióloga. Em uma outra pergunta - "Como você se sentiu ao receber o resultado positivo do teste HIV?" - Fernanda afirma que as mulheres não-negras sentiram-se tratadas com indiferença com mais freqüência que as negras.
Para a pesquisadora, é muito importante que os profissionais de saúde sejam informados sobre o impacto do racismo e das desigualdades raciais na saúde das pessoas e dos grupos, especialmente no campo da Aids. Eles devem passar por programas de capacitação a fim de identificar situações de opressão e marginalização com base no pertencimento racial.
"A partir daí, eles passariam a contemplar os conceitos de integralidade e eqüidade do cuidado de forma ética e comprometida, identificando as particularidades das histórias de vida. Dessa forma, os profissionais seriam capazes de perceber que essas mulheres pertencem a um grupo que acumula desvantagens históricas que contribuem de modo relevante para o aumento de suas vulnerabilidades." A tese de doutorado Mulheres negras e não-negras vivendo com HIV/AIDS no Estado de São Paulo, foi defendida na Faculdade de Saúde Pública da USP. Fernanda Lopes é, atualmente, consultora local em saúde da população negra em um projeto da Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e do Departamento de Desenvolvimento Internacional do Governo do Reino Unido.