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AS CONTAMINAÇÃO PELO HIV NO CINEMA

13/05/2004 - Revista Isto é

O pornô virou filme de terror nos Estados Unidos

Contaminação de ator americano por
vírus HIV, supostamente por uma
colega brasileira, paralisa a
indústria pornográfica americana

Osmar Freitas Jr. – Nova York (EUA)

Quem acredita que um único indivíduo não seja capaz de afetar o processo de globalização deveria conhecer a brasileira Bianca de Biaggi. Aos 22 anos, ela interrompeu, desde o dia 12 de abril, uma indústria americana que fatura anualmente estimados US$ 10 bilhões. A moça, que tem um físico que a faria passar por uma menina de 17 anos, é atriz de filmes pornográficos e está sendo acusada de ter infectado com o vírus HIV o ator americano Darren James, 27 anos. Os dois mantiveram relações sexuais no final de março, sem fazer uso de preservativos, nas filmagens de uma produção americana ainda sem título. Darren – cujos resultados haviam dado negativo em exames feitos antes da viagem – voltou à Califórnia e reassumiu seus trabalhos. Co-estrelou com a canadense Lara Roxx na obra Anal furry 6, e, sabe-se agora, contaminou essa parceira. Antes de passarem pelos exames obrigatórios a profissionais do ramo nos EUA, ambos mantiveram contato com outros atores. Essa corrente epidêmica contaminou pelo menos seis pessoas e pôs em risco cerca de outras 60. Nesse cenário, 30 produtoras pornôs de San Fernando Valley impuseram uma moratória às filmagens por 60 dias. Um enredo de horror para o cinema do prazer.

A história tem tudo a ver com os mecanismos da globalização. “A indústria
pornô americana coloca cerca de 11 mil títulos anuais no mercado. As produções americanas, claro, são mais caras. Assim, para cortar custos, os estúdios da
área vão filmar em locações de países em desenvolvimento, como a República Tcheca, a Hungria, e principalmente o Brasil, o segundo maior produtor de filmes pornôs do mundo, atrás apenas dos americanos”, diz Tim Connelly, da Adult Video News (AVN), publicação especializada no setor de filmes sexuais. “Quem puxa a audiência nestes filmes são as mulheres. As atrizes americanas ganham em média de US$ 300 a US$ 1 mil por um dia de filmagem. As grandes estrelas têm cachê de US$ 5 mil diários. No Brasil, esses custos caem para dois terços nos salários das moças. Além disso, os diretores estão sempre procurando carne nova – o público acaba se cansando das mesmas caras e corpos numa obra. Desse modo, as brasileiras – que são bonitas e disponíveis – acabavam abocanhando boa parte do mercado”, diz Connelly.

Existem cerca de 1.200 atores pornôs nos Estados Unidos. São parte de uma força de trabalho que envolve seis mil pessoas em 200 companhias do ramo. Desde 1999 – ano da última grande epidemia de HIV/Aids nesta indústria –, as estrelas dos filmes são obrigadas a se submeterem a testes verificadores de doenças venéreas. No caso do HIV, a Fundação de Assistência Médica à Indústria Adulta aplica o exame PCRDNA, capaz de apontar o vírus num prazo de 30 dias após o contágio. Os testes de Darren James, deram negativo dez dias antes de ele embarcar para o Brasil. Em camas brasileiras, ele atuou em duas produções com Bianca, e numa delas havia a participação de um travesti. O americano não manteve relações com o homossexual, que se concentrou apenas na atriz. Os enredos das obras envolviam basicamente sexo anal, incluindo dupla penetração na brasileira. “Ela já era conhecida no mercado americano por sua disponibilidade para esse tipo de trabalho. Seu filme mais conhecido é o Split that booty 2 (Abra este bumbum-2), do diretor Joey Silveira. O título já resume a obra”, diz Arthur Purnick, crítico de vídeos pornôs da AVN. “Há um boato de que Darren teve relações sexuais fora do trabalho com um travesti brasileiro que ele conheceu em São Paulo. Mas Darren nega isso”, completa.

Um dos detalhes cruciais dessas infecções multinacionais exemplifica características da globalização. Os sindicatos dos trabalhadores americanos queixam-se de que seus empregos estão sendo exportados dos EUA para outros países de mão-de-obra mais barata, onde a ética trabalhista não é tão rigorosa quanto a americana. O caso Bianca e Darren mostra as diferenças, só que os procedimentos errados parecem estar vindo do Hemisfério Norte. É que os produtores americanos exigem que as cenas de sexo sejam feitas sem o uso de preservativos. Foi isso que proporcionou a infecção do ator.

Exames 8 preservativos – “Nos EUA, confia-se nos exames regulares da Fundação de Assistência Médica à Indústria Adulta. Cada ator é incentivado a perguntar a seus colegas quando foi a última vez que foram testados e quais os resultados. Assim, pensava-se que era possível dispensar o uso de preservativos. Cenas onde se usam camisinhas não são bem aceitas pelo público americano”, diz Sharon Mitchell, diretora da Fundação. O mesmo esquema não funciona no Brasil, onde os exames para detectar o vírus HIV são caros – algo em torno de R$ 940. Além disso, as campanhas do governo brasileiro incentivando o uso de camisinhas têm conseguido resultados encorajadores e os preservativos não são mal vistos pela população. “Em 80% das produções brasileiras, os atores usam camisinhas. Esse número é exatamente o contrário nos EUA, onde apenas 20% usam preservativos”, diz Steven Hirsch, co-presidente da produtora Vivid Entretainment, uma das maiores de San Fernando Valley e que só faz filmes mediante o uso de preservativos. A percepção agora, segundo os analistas da AVN, é a de que apenas os testes de HIV não bastam para impedir epidemias. “Acho que as pessoas devem começar agora a exigir o uso de camisinhas. Eu fui infectada porque confiei nos exames da Fundação. Se não fosse o preconceito contra a camisinha, eu ainda estaria sã”, disse a ISTOÉ a atriz Lara Roxx, a primeira das infectadas por Darren. Ela afirma que estará à frente de uma campanha para que as camisinhas sejam exigidas em todas as produções americanas. Quanto à brasileira Bianca, está desaparecida. Ela, porém, pode ter sido vítima de calúnia buscando acabar com sua carreira incipiente. Quem revelou seu nome numa carta à AVN foi um certo Paulo Sérgio, que diz ter dirigido um filme com Bianca e visto o resultado positivo de seu teste retroviral. Mas Paulo Sérgio não revelou seu sobrenome, e nos títulos estrelados por Bianca não consta nenhuma direção de alguém com este nome. É possível que a jovem Biaggi nada tenha a ver com o caso. Segundo essa hipótese, Darren James foi quem teria conseguido parar sozinho a indústria de US$ 10 bilhões.