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A GRAVIDEZ DA MULHER PORTADORA DO HIV

20/04/2004 - Jornal da Unifesp

Menos da metade das grávidas com HIV faz o tratamento correto

Esconder o uso de anti-retrovirais é principal fator que elas apontam para justificar a falha na ingestão dos medicamentos. O índice de adesão é ainda menor entre as mulheres não-grávidas e as que acabaram de dar à luz.
ANA CRISTINA COCOLO

Apenas 43% das grávidas portadoras do vírus da Aids tomam corretamente os anti-retrovirais prescritos pelo médico. O dado, revelado por uma pesquisa realizada na UNIFESP, é preocupante, pois indica a possibilidade de aumento das chances de transmissão da doença para o bebê. O estudo usou como parâmetro a ingestão de pelo menos 95% do total de medicamentos do coquetel que inibe o aumento da carga viral de HIV.
“Os portadores que seguem corretamente o tratamento têm maior diminuição da carga viral e, consequentemente, adquirem menos infecções”, afirma a enfermeira-obstetra Maria José Rodrigues Vaz, autora da tese de doutorado sobre o tema.
O pesquisa também revelou que o fato de esconder o uso dos remédios, para que a condição de soropositiva não seja revelada, é a principal justificativa da baixa aderência ao tratamento. Cerca de 35% das mulheres entrevistadas temiam que parentes ou amigos descobrissem que elas têm o vírus. “O medo da rejeição por parte da sociedade é muito forte nessas mulheres”, diz Maria José.
A pesquisadora, que é enfermeira do Núcleo Multidisciplinar de Patologias Infecciosas na Gestação (Nupaig) da universidade, defende o uso do coquetel para que a carga viral da gestante seja não-detectável no período próximo ao parto. Esse procedimento, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), permite garantir maior segurança de que não haverá transmissão à criança.
O medo, indicado na pesquisa, pode ser confirmado pela estudante Janete, de 16 anos, e por sua mãe, Noely (nomes fictícios). Em acompanhamento no Nupaig desde que descobriu estar grávida e ser portadora de HIV, há cerca de seis meses, a adolescente não teve coragem nem mesmo de contar ao pai da criança que possui o vírus.
“Além da avó e do tio, que moram conosco, ninguém mais sabe sobre o problema. Pretendemos manter assim, pois as pessoas são muito preconceituosas”, diz Noely. A preocupação agora, é tentar esconder o uso dos anti-retrovirais nos momentos em que tiver que tomá-los fora do ambiente familiar.


Entenda a pesquisa

A adesão ao tratamento com anti-retrovirais foi medida por meio de entrevista e da contagem de comprimidos restantes nos frascos recolhidos nas consultas médicas de um grupo de 151 pacientes. Foram avaliadas 72 grávidas e 79 não-grávidas atendidas nos ambulatórios do Nupaig e do Centro de Controle de Doenças Imunológicas (CCDI), ambos da UNIFESP.
A pesquisa encontrou um índice de adesão ao coquetel de drogas contra a Aids bem menor que o apontado em estudos internacionais (60% a 80%) feitos com a população geral. Diversos estudos feitos com gestantes levaram em conta apenas a média de ingestão dos anti-retrovirais e não consideraram cada uma das três drogas separadamente, de acordo com a autora do trabalho, enfermeira Maria José Rodrigues Vaz. “Além disso, nenhum desses estudos utilizou dois métodos científicos de pesquisa para verificar a adesão aos medicamentos”, explica Sônia Maria Oliveira de Barros, professora da disciplina de Enfermagem Obstétrica e orientadora da tese.
A baixa adesão, contudo, não se limita às gestantes . Das mulheres não-grávidas e das que acabaram de dar à luz, apenas 17% e 20,5%, respectivamente, tomavam corretamente os remédios. Nesse grupo, o principal fator apontado para não aderir à terapia são os efeitos colaterais das drogas. “Enquanto estão grávidas, a responsabilidade de vir a transmitir o vírus para o bebê é muito presente e, por esse motivo, as mulheres talvez tolerem mais os efeitos colaterais da medicação.”
O perfil das mulheres traçado na pesquisa demonstra que tempo maior de uso de anti-retrovirais, com doses diárias de grande número de comprimidos, também foram associados à baixa adesão ao tratamento.

Terapia garante baixo risco de transmissão do HIV para filho.

Dados da Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids, do Ministério da Saúde, mostram que, anualmente, cerca de três milhões de mulheres dão à luz. Destas, 13 mil (0,4%) encontram-se infectadas pelo HIV. A transmissão do vírus para o bebê pode ocorrer durante a gravidez, o parto ou a amamentação. Cerca de 50% a 70% das transmissões acontecem no período próximo ou durante o parto, sendo a carga viral materna o principal fator de risco para o bebê.
No Brasil, em decorrência do diagnóstico precoce da infecção nas gestantes e do uso de medidas preventivas, como a introdução do tratamento com anti-retrovirais no pré-natal, a taxa média de transmissão de mãe para filho baixou, de 8,6% em 2000, para 3, 4% em 2002, segundo um estudo realizado pelo Departamento Científico de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), em parceria com o Ministério da Saúde. Os dados foram recolhidos de 20 estados e do Distrito Federal e envolveram o acompanhamento de quatro mil nascimentos entre janeiro de 2000 e dezembro de 2002.
Na pesquisa, coordenada por Regina Célia de Menezes Succi, presidente do Departamento Científico de Infectologia da SBP, foram encontrados diferentes índices entre as regiões do país. Norte e Nordeste são as que apresentaram as maiores taxas: 14,8% e 11,2%, respectivamente.
Dos 325 casos atendidos desde 1999 no Núcleo Multidisciplinar de Patologias Infecciosas na Gestação (Nupaig), da Unifesp, a taxa de transmissão ficou em 0,6%.