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PESQUISA NA LUTA CONTRA A AIDS

21/02/2004 - Folha de São Paulo

Laboratórios buscam superdrogas contra a Aids

Os laboratórios norte-americanos têm 83 novas drogas em pesquisa contra o HIV/Aids. Todas estão em fase de ensaio clínico com humanos ou aguardando aprovação do FDA, o órgão dos EUA que controla medicamentos. Nesse pacote estão 15 vacinas.
A informação é da PHRMA, entidade que reúne os laboratórios de pesquisa dos EUA.
Trata-se de uma boa notícia para os pacientes que, sete anos atrás, temiam que os laboratórios tivessem esgotado sua disposição de investir em HIV/Aids. Quando o coquetel foi lançado em 1996, com os inibidores de protease, o custo dos remédios era tão alto que a pergunta que se fazia era a seguinte: haverá quem possa pagar por isso?
Foi quando países como o Brasil passaram a bancar os remédios, abrindo o mercado para milhares de novos pacientes e conseguindo reduções nos preços. Hoje, a OMS (Organização Mundial da Saúde) já fala em passar de 300 mil para 3 milhões, até 2005, o número de pacientes pobres em tratamento.
Na esteira das pesquisas contra o HIV estão os estudos sobre drogas contra a hepatite C, doença que, neste século, ameaça causar mais danos que a própria AIDS.
"Estamos ampliando nossas pesquisas nessa direção", disse John Martin Leonard, 46, vice-presidente de desenvolvimento farmacêutico do Abbott e que antes coordenou a pesquisa de medicamentos antiretrovirais desse laboratório. Leonard foi parceiro da equipe de David Ho na conclusão de que a terapia tripla era o melhor ataque contra o vírus.
De acordo com dados da PHRMA, os investimentos dos seus laboratórios em pesquisa passaram de US$ 1,3 bilhão em 1997 para US$ 32 bilhões em 2002, considerando todas as drogas. Só o Abbott investiu US$ 1 bilhão. E, embora a empresa não revele quanto está gastando com a Aids, Leonard adianta que os investimentos estão concentrados em novos inibidores de protease e na busca do "superKaletra", uma das drogas do coquetel mais receitadas no mundo.
Segundo o Abbott, a intenção é produzir um só medicamento, potente a ponto de substituir o coquetel e limitar as tomadas a um comprimido por dia. Abaixo, trechos da entrevista concedida por Leonard por e-mail:
Folha - Em 1997, o senhor afirmou que o Kaletra (lopinavir mais ritonavir) poderia ser o último grande investimento em medicação anti-Aids, uma vez que não haveria mais pacientes em condições de pagar novas pesquisas. Esse quadro mudou?
John Martin Leonard - Mudou. O Abbott continua dedicado a identificar novas drogas para o tratamento do HIV e estamos ampliando as iniciativas para a hepatite C, outra área que merece cada vez mais importância. Como existem vários paralelos entre HIV e hepatite C, incluindo uma alta taxa de co-infecção, nós estamos utilizando nossa pesquisa e expertise em HIV nessa nova área. Ao mesmo tempo, continuamos a estudar e investir no Kaletra, atualmente o mais prescrito inibidor de protease do mundo.
Folha - Outros laboratórios continuam investindo em HIV/Aids?
Leonard - A pesquisa do HIV é extremamente difícil e cara, mas continua sendo feita. Só em 2003, várias novas drogas foram aprovadas nos Estados Unidos, incluindo a primeira de uma nova classe de medicamentos, chamada inibidores de fusão. Várias outras classes, como também novas gerações das que estão no mercado, estão sendo pesquisadas.
O que continua crítico para o desenvolvimento de novas drogas é a capacidade da indústria de providenciar recursos para reinvestir nessa categoria. Isso significa que indústria e governos necessitam trabalhar juntos para chegarem a um preço justo e sustentável, para garantir que os pacientes continuem a ter acesso às drogas atuais e novas.
Folha - O fato de governos e, mais recentemente, organismos internacionais comprarem medicamentos mudou esse quadro?
Leonard - Os brasileiros devem se orgulhar de seu programa na medida em que continua a fornecer medicamentos eficazes e que mantém a necessária inovação para produzir novas drogas no futuro. É um modelo em que outros países e organizações estão se mirando. É importante não focar somente o acesso; acesso eu defino como ter drogas disponíveis no mercado. Combater HIV/Aids não é somente providenciar acesso; diz respeito também à infra-estrutura médica e social básica, médicos bem treinados e pacientes motivados a seguir os tratamentos. Eu acredito que isso pode ficar "ofuscado" quando todos só falam de preço.
Na verdade, o Brasil continuará recebendo Kaletra pelo mais baixo preço do mundo, exceto o preço praticado em nosso programa humanitário para a África e os países menos desenvolvidos conforme classificação da OMS.
Folha - A pressão de governos, da OMS e mesmo da Organização Mundial do Comércio pode levar a uma diminuição da pesquisa?
Leonard - O Abbott continua a trabalhar com o governo brasileiro para alcançar um preço justo e sustentável. Contudo, eu não vejo a ameaça de quebra de patente como parte das negociações. Em vez disso, a violação da proteção de propriedade intelectual significa que as negociações falharam e que os pacientes não terão mais acesso aos tratamentos de alta qualidade. Deixe-me ser claro: a epidemia de HIV continua a se espalhar e mais medicações serão necessárias. Minar as proteções à propriedade intelectual, com a utilização de cópias, ou exigir que as empresas transfiram tecnologia para a produção local, pode diminuir ou interromper a descoberta e o desenvolvimento de tratamentos futuros para doenças de todas as áreas, incluindo HIV. Proteger a propriedade intelectual encoraja a pesquisa que leva a tratamentos mais rápidos, mais eficazes e com menor custos. Sem inovação e sem novas terapias, quem perde, no final, é o paciente.
AURELIANO BIANCARELLI
da Folha de S.Paulo - 04/01/2004