Notícias

A CAMISINHA NA AVENIDA

12/01/2004 - O DIA - RJ

Joãosinho dos trinta Carnavais

Maranhense faz este ano seu 30º desfile à frente de uma escola de samba. Promete surpreender de novo com enredo sobre a camisinha

Quando o terceiro carro da Grande Rio entrar na Avenida Marquês de Sapucaí na madrugada da Segunda-feira de Carnaval, dia 22 do mês que vem, um marco será assinalado na história dos desfiles das escolas de samba. O vírus do HIV, medindo mais de 20 metros de comprimento por oito de altura, carregando 50 pessoas entre tentáculos, garras e uma membrana viscosa – produzida em espuma e sisal – mostrará que a genialidade de Joãosinho Trinta continua viva e vibrante como em 1974, quando assinava o seu primeiro enredo, no Salgueiro.

Perguntado se o monstro poderia ser comparado à imagem de um ácaro ampliado milhões de vezes, o carnavalesco ri. “Ácaro?! O ácaro é um percevejozinho. O vírus é horripilante”, brinca, dizendo que não se inspirou em nenhuma imagem do HIV para conceber o carro. E assegura: “Saiu da minha imaginação”.

O vírus do HIV será um dos grandes momentos do 30º Carnaval de João no Grupo Especial, com o enredo Vamos vestir a camisinha, meu amor. Se o patrocínio dos fabricantes de preservativos não veio, o maranhense de 1,68 metro, carioca de espírito e brasileiro de quatro costados deu um jeito. Talvez mordido com opiniões que decretavam o fim de sua carreira, João resolveu ousar novamente. E essa ousadia poderá ser traduzida até nas diversas posições amorosas do Kama Sutra – é bom o espectador tirar as crianças da sala e ficar antenado, pois tudo faz parte do enredo que vem desde Adão e Eva.

Em 1994, em seu primeiro Carnaval na Viradouro, Joãosinho Trinta deu o terceiro lugar à escola de Niterói

Em 1996, o pior resultado do carnavalesco: 13º lugar com ‘Aquarela do Brasil, ano 2000’, na Viradouro

Em 1997, a volta por cima: João é campeão pela Viradouro, com ‘Trevas! Luz! A explosão do universo’

Muito diferente do João Clemente Jorge Trinta que, aos 18 anos, desembarcou na Praça Mauá sonhando ser bailarino, o carnavalesco chega aos 70 com muitos ensinamentos da vida. Ganhou fama, viajou pelo mundo e foi obrigado a meditar ao sofrer uma isquemia que tirou-lhe o movimento do braço direito. Hoje, sabe que as glórias conquistadas são resultado de um somatório de talentos. O seu é apenas o mais privilegiado. “O Carnaval me deixa uma grande alegria: nos barracões, há profissionais que começaram comigo. Isso me dá a certeza de que o trabalho iniciado lá atrás continuará”.

Carnavalesco tem sete títulos nos 10 primeiros Carnavais

Formado em Dança Clássica no Teatro Municipal, João não teve tempo de sonhar com o palco. Em 1962, trabalhava na equipe de cenografia do Teatro e foi convidado por Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona a colaborar com o enredo Chica da Silva, que daria, no ano seguinte, o primeiro título do Salgueiro. Começava a paixão obsessiva que o acompanha até hoje.

O currículo de Joãosinho é de aluno fora de série, daqueles que se esmeram para superar os mestres. Nos seus 10 primeiros Carnavais, venceu sete (cinco consecutivos) e tirou três segundos lugares. Quando a vida no Morro do Salgueiro começou a mudar, achou que era hora de seguir em frente. Foi em 1976. Ficou chocado com o avanço da criminalidade, que proibiu os ensaios na quadra lá de cima.

Quando saiu, João tinha uma coisa em mente: queria trabalhar numa escola pequena, onde pudesse investir num futuro sadio para as crianças. A escolhida foi a Vila Isabel, mas o patrono, Miro Garcia, estava viajando, e outro foi contratado. Ele foi para a Beija-Flor. No acerto com o patrono Anísio Abrahão David, estabeleceu uma condição: só assinaria se a escola deixasse de elogiar a ditadura. Anísio topou.