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HEPATITE C: UM MAL SILENCIOSO

12/12/2003 - JORNAL DO BRASIL

OMS calcula 4 milhões de portadores no Brasil

Transmitida pelo contato com sangue contaminado, a doença pode levar 20 anos para se manifestar em sua forma mais grave

Um em cada 40 brasileiros tem hepatite C, doença que em sua forma crônica pode evoluir para cirrose hepática e, até mesmo, câncer no fígado. Estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostra que o Brasil possui cerca de 4 milhões de portadores do HCV, o vírus causador da moléstia. São pessoas como a psicóloga Lúcia Mastrangelo, que descobriu estar infectada pelo vírus em 1997, 22 anos após sua provável infecção.

- Tive uma hepatite em 1975, diagnosticada como tipo B. Mais de 20 anos depois, fiz uma bateria de exames para iniciar uma dieta. O médico estranhou os resultados obtidos e pediu novos testes. Só então fiquei sabendo que era portadora do HCV - conta Lúcia.

A demora no diagnóstico é comum na hepatite C, pois a infecção inicial pode passar como uma virose comum, com sintomas como febre e mal-estar. Apenas quando o paciente apresenta icterícia (pele e olhos amarelados) e colúria (urina escura), sinais clássicos de hepatite, é que se dá conta da gravidade da doença.

Na infecção por HCV, o perigo é maior. Enquanto a hepatite B desenvolve sua forma crônica, e mais grave, em cerca de 10% dos pacientes, a C cronifica em até 85% dos casos. Segundo o médico da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Antônio Sérgio Fonseca, um terço dos doentes crônicos desenvolve formas mais graves, que podem levar à morte. A cura, observa o médico, é obtida em apenas 30% dos casos e ainda não existe vacina contra a doença.

- Entretanto, é uma moléstia lenta. Você pode levar 20 anos até desenvolver as formas mais graves. Por isso muitos casos estão aparecendo agora. As pessoas morrem de velhice antes de sentirem os primeiros sinais de cirrose hepática - afirma o médico.

Fonseca explica que a transmissão do HCV ainda não está muito clara para a ciência, mas sabe-se que se dá principalmente pelo contato direto com sangue, por meio de transfusão, compartilhamento de agulhas e uso de objetos cirúrgicos não esterilizados, por exemplo. As principais vítimas, inicialmente, foram hemofílicos, pacientes renais crônicos que faziam hemodiálise e pessoas que receberam transfusões de sangue.

A partir de 1993, com a introdução obrigatória dos primeiros testes de detecção nos hemocentros, os usuários de drogas injetáveis passaram a ser os mais afetados pela doença.

- Todos aqueles que receberam transfusões de sangue antes desse período podem ser portadores do vírus - alerta Fonseca.

A transmissão vertical de mãe para o feto, segundo o médico, é rara, assim como o contágio por via sexual, mais freqüente nos casos de co-infecção com o HIV, vírus causador da Aids. A infecção por HCV pode ser evitada com a esterilização adequada de material cirúrgico, uso de seringas descartáveis e preservativos, e realização de testes anti-HCV para triagem de doadores em bancos de sangue.

É recomendado ainda não compartilhar escova de dentes, aparelhos de barbear e outros objetos que possam reter sangue. Os equipamentos usados para fazer tatuagem e piercing também podem transmitir a doença.



Um tratamento incômodo e caro

Além de apresentar, em média, apenas 30% de chances de sucesso, o tratamento da hepatite C é caro, complicado e incômodo. Feito à base de medicação com interferon e ribavirina, pode durar cerca de um ano. Nesse período, são comuns efeitos colaterais como enjôo, vômito, perda de peso, dores nas articulações, irritabilidade e depressão.

O presidente do Grupo Otimismo, entidade de apoio aos portadores da doença, Carlos Varaldo, afirma que tais sintomas obrigam muitos pacientes a interromper o tratamento.

- A reação pode ser muito ruim. Dependendo do impacto dos efeitos colaterais, o estado de saúde e a idade do paciente, é melhor suspender a medicação - confirma o médico da Fiocruz Antônio Sérgio da Fonseca.

O alto custo é outro fator que dificulta o tratamento. Embora a ribavirina seja produzida no Brasil, o interferon não é - seu preço pode chegar a R$ 1.033,92 por dose. O tratamento completo custa R$ 5 mil por mês e é oferecido gratuitamente.

Apesar disso, Varaldo confia na melhora da situação dos portadores do HCV a partir do próximo ano.

- O Ministério da Saúde já se comprometeu a usar os centros de testagem anônima de Aids (CTAs) para oferecer exames de hepatite B e C. Paralelamente, há a possibilidade de laboratórios brasileiros produzirem interferon a partir de um acordo de transferência de tecnologia firmado recentemente com o governo cubano. Acho que 2004 será um ano de boas notícias para quem tem hepatite C - comemora Varaldo, que era portador do mal e se curou em 1997. (P.S.)




Doentes se queixam de falta de remédios


O presidente do Grupo Otimismo, que apóia os portadores da hepatite C no Rio, Carlos Varaldo, anunciou ontem que o grupo vai entrar nesta segunda-feira com uma queixa no 1º Distrito Policial contra o secretário estadual de Saúde, Gilson Cantarino, acusando-o de tentativa de homicídio. O grupo alega que o governo do Estado está em falta com o fornecimento de ribavirina, um dos dois medicamentos usados no tratamento do mal.

- É a terceira vez que falta o remédio só neste ano. Isso só pode ser de propósito ou por total incompetência - acusa Varaldo, explicando que existe como haver planejamento na entrega de remédios, pois o número de pacientes é estável.

Gilson Cantarino disse que só vai se manifestar sobre a denúncia depois que a queixa for feita. Segundo a secretaria, o problema de distribuição se deve ao aumento inesperado do número de pessoas atendidas. O Estado informa que seriam mais de mil o número de pacientes, um aumento de 15%. Carlos Varaldo disse que foram apresentados outros números em outubro. Na ocasião, durante a Semana do Fígado, Vítor Berbara, responsável pelo Programa Estadual de Hepatites, mostrou que o total de pacientes atendidos entre março e outubro era 532.

O tratamento para portadores da hepatite C pode levar quase um ano e tem que ser reiniciado se o paciente ficar um dia sem tomar o remédio.

A secretaria informou que o fornecimento será regularizado antes do fim do ano, com o adiantamento da cota de janeiro. O Estado recebe um repasse de verbas do governo federal para fornecer a ribavirina.