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A GRAVIDEZ SOROPOSITIVA

01/12/2003 - FOLHA DE SÃO PAULO

Mãe com HIV recuperou direito de ter filhos

"Podemos dizer que as mulheres soropositivas recuperaram seu direito de ser mães". A frase, se pudesse ser estendida a todas as portadoras do HIV ou pacientes de Aids, seria a melhor notícia deste 1º de dezembro, data em que se comemora o Dia Mundial de Prevenção e Luta contra a Aids.

Por enquanto, vale para serviços do Primeiro Mundo e para alguns programas de referência no Brasil, como o Nupaig, da Universidade Federal de São Paulo. O Núcleo Multidisciplinar de Patologias Infecciosas da Gestação atendeu 400 grávidas soropositivas desde 1998 e desde então só dois bebês nasceram infectados.

"É para ser comemorado", diz Adauto Castelo Filho, professor de doenças infecciosas da Unifesp e chefe do Nupaig.

Sucesso semelhante vem conseguindo o Hospital Emílio Ribas, primeiro a atender crianças com o HIV e que no Brasil acompanha o maior número delas. No Distrito Federal, no ano passado, nenhum caso de transmissão vertical foi registrado. Na cidade de São Paulo, o índice de infecção da mãe para o filho caiu de 7% em 2001 para 4% no ano passado.

No país todo, o número de bebês que nasciam infectados caiu de 849 em 1998 para 383 em 2002.

A redução se acentuou com o Projeto Nascer, do Ministério da Saúde, que colocou à disposição das maternidades testes rápidos anti-HIV para todas as gestantes. Para as autoridades em saúde, permitir que crianças continuem nascendo com HIV é um sinal de fragilidade do sistema, já que se trata de uma forma de transmissão possível de ser evitada.

"O grande problema ainda está na detecção da infecção no início da gestação", diz Castelo Filho. Abaixo, trechos da entrevista que concedeu à Folha:

Folha - Há como zerar o número de crianças que nascem com HIV?
Adauto Castelo Filho - Na teoria, sim. Uma mulher gestante soropositiva que mantenha sua carga viral indetectável durante os últimos três meses de gravidez, não passará a infecção para seu filho. Isso nós constatamos nos últimos anos, por isso nosso programa vai nessa direção (carga viral indetectável significa que a quantidade de HIV no sangue chega a ser tão pequena que não pode ser percebida pelos testes disponíveis hoje no mercado).

Folha - Como foi essa evolução?
Castelo Filho - Antes do aparecimento do AZT, o risco de uma criança nascer com Aids, de uma mãe soropositiva, era de 27%. Em 1994, o estudo 074 mostrou que usando o AZT a partir da 14º semana de gravidez, durante o parto (injetável), e dando o AZT em xarope ao bebê durante 42 dias, o risco caía para 7%. Foi com o surgimento do coquetel -das três drogas antiretrovirais- que se constatou que o emprego desses remédios pelas mães poderia praticamente zerar a transmissão vertical, ou deixá-la bem próximo do zero. Com baixíssimo nível de carga viral, a mãe não infecta seu bebê nem no útero, nem no nascimento, nem no aleitamento.

Folha - Se os medicamentos estão disponíveis, se as maternidades recebem o teste, por que as transmissões não caem em todo o país?
Castelo Filho - Há um número grande ainda de mulheres que não fazem o pré-natal, ou que só chegam aos serviços de saúde poucos dias ou semanas antes do nascimento. Em geral são mulheres desinformadas e com difícil acesso aos serviços. Chegam bem depois do 3º mês, quando seria o ideal. Com essas, as perspectivas são reduzidas.

Por outro lado, ainda existem ginecologistas que não pedem teste de HIV a suas pacientes, achando que, só pelo olhar, sabem quem correu risco ou não. No entanto, é recomendação do Ministério da Saúde e do Conselho Federal de Medicina que todos os médicos ofereçam o teste a todas as pacientes grávidas.

Ainda assim, muitas mulheres chegam na hora do parto sem o exame. O teste rápido permitirá que mãe e bebê recebam o medicamento daí para a frente, mas o tratamento anterior, que deveria começar bem antes, ainda no terceiro mês, já estará inviabilizado.

O Nupaig recebe, em média, dez novas gestantes por mês, e tem capacidade para mais atendimentos. Informações pelo telefone 0/xx/11/5571-5971