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ENTREVISTA COM PAULO TEIXEIRA DA OMS

27/11/2003 - BBCBrasil.Com

Vacina anti-HIV avançaria com mais investimento

Depois de anos à frente do bem-sucedido programa brasileiro de combate à Aids, o médico Paulo Teixeira foi escolhido para ser diretor do programa de combate à Aids da Organização Mundial da Saúde (OMS), em Genebra, de onde ele respondeu às perguntas dos internautas e ouvintes da BBC Brasil.
Crítico ferrenho dos que questionam a eficácia da camisinha na proteção contra o HIV, como o Vaticano, Teixeira também defende negociações duras para baratear o custo dos remédios contra a Aids e afirma que uma vacina está longe de ser desenvolvida em parte porque não há investimentos suficientes para isso.

Leia a seguir a entrevista de Paulo Teixeira.

BBC Brasil - Como o senhor acha que a experiência brasileira de combate à Aids pode ajudar o resto do mundo e principalmente os países em desenvolvimento?

Paulo Teixeira - São várias as contribuições que nós podemos trazer do Brasil para outros países. Uma primeira e talvez a mais importante, decorrente da experiência de tantos anos no Brasil, é a conclusão de que, para enfrentar a epidemia da Aids, é necessário uma estratégia que inclua prevenção, tratamento e apoio às pessoas vivendo com a infecção. Essa foi uma lição que foi desenvolvida particularmente no Brasil e que veio, digamos, a concluir um debate internacional que durou muito tempo e impediu que muitos países iniciassem o tratamento da Aids imediatamente.

Adicionalmente, o Brasil tem situações internas, ineqüidades regionais que por vezes se aproximam das situações de vida dos países em desenvolvimento e que são bastante diferentes do que é vivido na Europa e nos Estados Unidos. E a experiência que foi desenvolvida no Brasil de traballhar com as situações locais, nem sempre dispondo dos maiores nem dos melhores recursos, e sim adotando medidas e inovando para que o tratamento pudesse ser oferecido imediatamente, é uma contribuição enorme que certamente será usada em muitos países em desenvolvimento.

Para falar sobre uma última, o trabalho no Brasil em si, conseqüência de uma mobilização ampla de todos os setores: dos profissionais de saúde e, principalmente, da comunidade.

BBC Brasil - Uma boa parte dos nossos ouvintes e internautas questiona a segurança da camisinha na prevenção da Aids. O Clayton Urbano Ribeiro, de Goiânia, por exemplo, acha que a divulgação do sexo seguro é um dos motivos do avanço da doença e que a melhor forma de prevenir é conscientizar os jovens a não praticarem sexo fora do casamento.

Nós recebemos perguntas sobre a segurança da camisinha também de Adenilton Ferreira, de Porto Alegre, Jerson Lourenço Garcia, também de Porto Alegre, Eduardo Alberto Storino, de Montes Claros e de Kenny Uehara, de São Paulo.

Sobre esse tema, a Maria Guimarães, de São José dos Campos, pergunta para o senhor se diante das declarações da ONU e do FDA (agência que controla os medicamentos vendidos nos Estados Unidos) de que camisinha não é 100% segura, não se tem o receio de estar vendendo a camisinha no Brasil como um método 100% seguro e depois enfrentar ações bilionárias de consumidores.

Teixeira - Bom, antes é preciso esclarecer uma coisa: a camisinha é o melhor recurso para prevenir a infecção através da relação sexual. Existem inúmeros estudos mostrando, demonstrando e provando que a camisinha é eficaz em cerca de 95% dos casos, quando existe o uso consistente desse recurso. Mas há somente um recurso 100% seguro para prevenir a transmissão sexual do HIV, a abstinência. Mas para toda a população sexualmente ativa a camisinha é o melhor recurso e não há qualquer mudança em relação a isso.

Na verdade, o FDA e outras instituições internacionais não podem e não fizeram qualquer correção nesses dados, porque tratam-se de dados científicos. Houve recentemente um pronunciamento por parte do Vaticano realçando a insegurança da camisinha em determinadas situações, e isso provocou muita desinformação porque a camisinha é um ótimo recurso.

Além disso, nós, OMS, temos que fazer recomendações que sejam de caráter técnico e, ao mesmo tempo, compatíveis com a realidade e com a vida das pessoas. As pessoas, na maior parte dos países, têm uma vida sexual ativa, é uma opção de cada um quando e como iniciá-la e praticá-la. O que nos compete simplesmente é dizer como se proteger. Qualquer outra recomendação, ao nosso ver, teria um caráter moral que não nos compete julgar, que não nos compete avaliar.


Então, de uma forma geral, a camisinha continuará sendo recomendada, a questão da prática sexual é uma opção, e nós esperamos que cada vez mais os jovens estejam preparados para a sua vida sexual. É importante oferecer essa recomendação, esse recurso, para as pessoas porque, caso contrário, a prática sexual continuará existindo mas sem qualquer proteção.

BBC Brasil - As formas de transmissão do HIV também foram uma grande dúvida de nossos internautas e ouvintes. A Natália, do Rio de Janeiro, quer saber se há casos de homossexuais femininas com Aids ou se não é possível se contaminar dessa forma.

Teixeira - Existe um número muito pequeno de casos de transmissão do HIV entre duas mulheres praticando sexo no mundo. No Brasil, não há um caso comprovado deste tipo de transmissão. No entanto, existem provas de que a transmissão pode existir, principalmente através do contato íntimo com a troca de secreções orgânicas. Então, sim, é possível, e a prática deve ser alvo de cuidado.

BBC Brasil - O Danilo Viana, de Ribeirão Preto, e o Williams de Olveira, de Poços de Caldas, também têm dúvidas sobre a transmissão do HIV. O Williams pergunta se a prática de sexo oral transmite a Aids.

Teixeira - Uma resposta muito parecida com a questão do sexo entre mulheres. É muito baixa a taxa de transmissão do HIV pelo sexo oral, mas existem, sim, casos comprovados de transmissão. Então, em uma última instância, a recomendação continua sendo: é necessário a proteção para a prática do sexo oral e é importante que se evite a troca de secreções orgânicas entre os parceiros.

BBC Brasil - O desenvolvimento de uma vacina capaz de conter o HIV é a dúvida do Farid Nassar Junior, de Ubatuba, e do Edson, de Belo Horizonte. Eles perguntam se há perspectivas de uma vacina a curto prazo e por que é tão difícil se chegar a uma imunização contra o HIV.

Teixeira - Infelizmente, não temos uma perspectiva de vacina a curto prazo. Eu acho que podemos dizer que certamente não teremos uma vacina disponível comercialmente nos próximos 10 anos. Por que é tão difícil? A obtenção de qualquer vacina é extremamente difícil, não temos até hoje uma vacina eficaz contra a tuberculose ou contra a malária. Mas a meu ver a maior dificuldade se dá porque o investimento em vacinas é proporcionalmente muito baixo. As doenças que poderiam ser prevenidas por vacinas em geral atingem camadas pobres da população, de baixo poder aquisitivo e deixa de ser um investimento com alto retorno para muitas empresas que trabalham em pesquisa.

Em resumo, nós podemos dizer que, apesar de difícil, poderíamos fazer mais progressos se houvesse mais investimentos por parte de laboratórios, e principalmente, por parte de governos de países ricos, no desenvolvimento de vacinas contra a Aids, o que hoje não acontece.

BBC Brasil- O Álvaro Vieira Pacheco, de Niterói, no Rio de Janeiro, pergunta se o senhor não acha que a mídia investe e se envolve pouco no trabalho contra a Aids.

Teixeira - Sem dúvida, quanto mais nós pudermos veicular informações permanentemente através dos meios de comunicação, melhor será para a prevenção. No entanto, nós não podemos ter muita ilusão sobre os limites da possibilidade da mídia. Nós a consideramos extremamente importante para chamar a atenção sobre um determinado problema, principalmente para um problema com tantas nuances como o HIV.

É por isso que as campanhas acontecem duas ou três vezes ao ano. Consideramos que, além dos custos, um excesso de campanhas poderia ser cansativo e contraproducente.

Mas é diante da informação no meio social, no meio do trabalho, no meio escolar onde é possível ir mais profundamente nos diversos aspectos da transmissão, incorporando a prevenção com maior eficácia. Então, está certo que escolas, locais de trabalho e outras instituições garantam uma atividade permanente de prevenção. Isso, sim, a longo prazo, terá um impacto importante no controle da epidemia, mais do que somente a veiculação de informações limitadas pela mídia.

BBC Brasil - Francisco Manoel da Rocha Neto, de Palmas, diz que apesar do inegável progresso brasileiro no controle da Aids, há descaso com o controle da doença no continente africano. Para ele, isso dá a entender que os africanos se tornaram apenas cobaias para testes de novas drogas.

Por que a situação na África é tão grave e o que a OMS está fazendo para melhorá-la?

Teixeira: A África infelizmente esteve durante muitos anos sem ações concretas de controle, com ações tímidas de prevenção e com praticamente nada no que se refere ao tratamento. Isso é decorrência não apenas da falta de recursos, como também de uma falta de mobilização internacional para prover os fundos necessários para que o trabalho pudesse acontecer.

Adicionalmente, houve uma discussão muito grande nos últimos anos, colocando prevenção versus tratamento, como se fossem duas coisas diferentes e por causa dessa discussão deixou-se de iniciar uma série de atividades relacionadas ao tratamento, o que foi motivo de uma enorme perda de vidas.

BBC Brasil - Ainda sobre a África, o Marcelo Souto Severino, de Londrina, pergunta: "Como o Brasil está ajudando os africanos a combater a Aids?"

Teixeira - O Brasil tem trabalhado e atuado em cooperação internacional, particularmente nos últimos cinco anos, de forma intensa e eu diria que o Brasil foi um dos grandes responsáveis pela mudança de política principalmente no que se refere ao tratamento de Aids.

O Brasil tem um processo intenso de colaboração técnica, de treinamento, que é oferecido a países africanos e, mais recentemente, o presidente Lula inaugurou um projeto em Moçambique que é parte de dez projetos financiados pelo Brasil para iniciar acesso a tratamento em países mais pobres.

BBC Brasil - Mas não é só a África que sofre de forma trágica hoje com a Aids. A OMS tem um plano especial para China, Índia e os países do Leste Europeu, onde o número de casos de Aids aumenta a cada dia?

Teixeira - Se diz hoje que esses países citados por você serão palco de uma grande epidemia em um futuro próximo. Sem dúvida, farão parte de nossa estratégia.

BBC Brasil - Muitos internautas mandaram perguntas querendo saber quanto tempo a Aids demora, depois da infecção, para se manifestar nos exames. Essa é a dúvida da Tati, em São Paulo, e da Adriane, em Caieiras, por exemplo. Elas perguntam para o senhor se em três, seis meses, ou em mais tempo ainda.

Teixeira - Existe um período chamado janela sorológica quando, apesar de ter a infecção, os exames não a mostram. Essa janela pode durar de três a quatro semanas, em alguns casos até vários meses. Mas, na imensa maioria dos casos, o HIV pode ser detectado no sangue até quatro semanas após a infecção.

Então, o que nós recomendamos normalmente é que a pessoa faça, após uma relação suspeita onde pode ter havido algum risco de infecção, o primeiro teste após cerca de um mês e o serviço de saúde certamente irá orientá-la para que o exame seja repetido seis meses depois. Apesar de na imensa maioria dos casos a infecção aparecer depois de um mês, não se pode apoiar em apenas um resultado.

BBC Brasil - Falando um pouquinho sobre o tratamento da Aids hoje, dos antiretrovirais. Os medicamentos ainda são caros, e podem ficar ainda mais à medida em que laboratórios precisarem investir mais em novas pesquisas como, por exemplo, as que buscam medicamentos contra variações mais resistentes do HIV. O senhor vê uma saída viável para que esses remédios cheguem à população a um custo mais baixo possível?

Teixeira - Já houve uma redução dramática nos preços dos medicamentos básicos contra a infecção do HIV, que podem cobrir mais de 85% das necessidades das pessoas afetadas. Isso é muito importante porque está permitindo que países em desenvolvimento, países pobres, iniciem atividades concretas de tratamento, mesmo que não dispondo de condições ótimas para fazê-lo.

Por outro lado, para um país como o Brasil, que oferece gratuitamente todos os medicamentos disponíveis inclusive os de última geração, evidentemente isso é um problema: medicamentos cada vez mais caros, por conta de pesquisa, por conta de ganhos de quem fez o investimento e por razões de mercado.

O que eu poderia dizer de uma maneira geral é que é necessário que todos – governo, indústria e instituições de pesquisa – caminhem no sentido de tornar mais acessível o medicamento antiretroviral. Mas, como eu disse, baseado em estratégias específicas como foi a brasileira, é possível enfrentar o preço alto desses produtos e eu espero que não haja uma situação de impossibilidade total.
BBC Brasil - A última pergunta dos nossos internautas e ouvintes é da Sarah, de Maringá. Ela quer saber do senhor quais as chances, se ela vier a ter Aids, de viver bem, bastante e sem contaminar ninguém.

Teixeira - As chances são imensas. Primeiro: se a pessoa adquirir a infecção não significa que ela imediatamente deverá iniciar tratamento. Significa que ela deve iniciar um acompanhamento clínico e laboratorial. Em geral, são necessários muitos anos até que a infecção provoque alterações que exijam um tratamento mais agressivo. Digamos que a pessoa que iniciou o tratamento, o que acontece com a imensa maioria, responde bem a ele. E, com esforço, evidentemente, com o apoio de familiares, médicos e grupos de ajuda, ela pode ter uma vida quase normal.

Em qualquer das situações, a pessoa tem que contribuir não só para a prevenção de terceiros, como prevenir a sua própria reinfecção. Aí vai depender definitivamente da situação à qual a pessoa se expõe.

Eu repito: se se trata de uma pessoa sexualmente ativa, o uso consistente do preservativo tem mostrado ser extremamente eficiente na proteção contra o HIV entre o que chamamos de pares discordantes, quando um parceiro é positivo e o outro é negativo.