Notícias

VOLUNTARIADO EM PESQUISA E ACESSO

23/08/2011 - Jornal da Tarde

Quem testa remédio terá doação vitalícia

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai regulamentar o acesso a drogas que ainda estão em testes. Com isso, quer garantir que voluntários de pesquisas clínicas no País continuem a receber o remédio após o fim do estudo, independentemente de a pesquisa ser sobre doenças crônicas, raras ou terminais.

Atualmente, a resolução n.º 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde já indica que o patrocinador de um estudo clínico ofereça a medicação para o voluntário enquanto ele necessitar dela. Mas, na prática, isso geralmente não ocorre. Entre 2008 e 2010, por exemplo, apenas 109 dos milhares de pacientes que atuaram como voluntários foram beneficiados com a doação pós-estudo, segundo dados da Anvisa.

A ideia é regulamentar uma atividade que está em expansão no Brasil. Só no ano passado foram registradas 315 novas pesquisas clínicas no País – cada uma envolvendo, aproximadamente, 1,5 mil pessoas. Informações do principal banco de dados mundial sobre testes clínicos, o norte-americano ClinicalTrials.gov, indicam que houve em 2010 um aumento de 20 vezes na quantidade de novos estudos no Brasil em comparação ao ano 2000, quando existiam apenas 16.

Ronaldo (nome fictício), foi um dos brasileiros que contribuíram com a ciência médica. Portador de HIV, foi voluntário de uma pesquisa relacionada a um medicamento contra a doença e, quando o estudo terminou, ele deixou de receber o medicamento que ajudou a testar. Para ter acesso à droga outra vez, teve de recorrer à Justiça (leia mais abaixo).

De acordo com Vitor Harada, diretor-presidente da Associação Brasileira de Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (Abracro), o ponto mais complicado da proposta da Anvisa é exatamente a garantia do acesso à droga após o fim do estudo. “Nem sempre você comprova a eficácia de uma medicação com um estudo só. E não podemos expor esse paciente a riscos, entregando um remédio antes de ele ser registrado”, afirma.

Para Harada, o fornecimento da medicação sem registro deveria se manter apenas para pacientes que têm doenças graves, sem opção terapêutica disponível, e casos em que a ausência da droga comprometa a saúde do voluntário. “Nesse caso, ninguém quer tirar a medicação. Mas não dá para seguir a mesma regra para pacientes com doenças crônicas, como hipertensão e diabete. Nossa preocupação não é o custo, mas o risco de expor alguém a uma droga experimental”, diz.

Desiré Callegari, representante do Conselho Federal de Medicina (CFM) na Anvisa, tem a mesma opinião. “Se valer para todo mundo você acaba onerando o patrocinador. Se houver droga similar registrada, o paciente já teria acesso”, avalia.

Para Antônio Britto, presidente da Associação das Indústrias Farmacêuticas de Pesquisa (Interfarma), é “um exagero” que todos os pacientes tenham direito a receber a medicação após o término do estudo. “Há drogas que são únicas para determinadas doenças. Há outras para as quais já existem mais de 30 opções registradas. E existem algumas que são para doenças tão raras, que quase 100% dos pacientes participaram do estudo. São situações muito diferentes e os critérios precisam ser claros.”

Droga contra HIV obtida na Justiça

Apesar de a legislação atual já indicar que o patrocinador de um estudo clínico forneça a medicação para o paciente após o término da pesquisa, na prática isso não ocorre com frequência. Depois de participar como voluntário de uma pesquisa clínica, Ronaldo (nome fictício), de 39 anos, teve de recorrer à Justiça para receber um medicamento contra a aids.

Ele é portador do vírus HIV e durante dois anos foi voluntário de uma pesquisa no Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Estava com a carga viral elevada e com o índice de CD4 (células de defesa) bem abaixo do ideal. O objetivo era testar a droga Tipranavir. “Soube da pesquisa pelo médico do centro de saúde perto de casa. Como eu não respondia aos remédios que existem, ele me encaminhou ao HC.”

Segundo Ronaldo, o remédio testado produziu os resultados esperados: reduziu a carga viral e elevou o CD4. Mas, após a conclusão do estudo, ele foi informado de que não receberia mais a medicação – já que ela não tinha registro ainda. Decidiu, então, procurar a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul.

A defensora Paula Pinto, dirigente do Núcleo de Tutelas da Saúde, pensou em processar o Estado. Mas, ao pedir mais detalhes sobre o caso de Ronaldo, soube que ele tinha sido voluntário de uma pesquisa clínica. “Foi aí que eu decidi entrar com ação contra o laboratório. Foi uma ação inédita. A legislação assegura ao sujeito da pesquisa o benefício de receber a medicação, mas a pressão da indústria é muito grande”, diz a defensora.

Em abril de 2010, a Justiça determinou que o laboratório entregue a medicação para Ronaldo por toda a vida. O medicamento chega na casa dele, a cada seis meses. “Não sei como estaria minha saúde sem esse remédio”, desabafa.


Jornal da Tarde (Saúde)