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ESPORTE E HIV

04/04/2010 - Der Spiegel

Atletas com HIV lutam contra a doença e o preconceito

Há 67 mil pessoas infectadas com o HIV na Alemanha. Muitas delas praticam esportes, em parte porque isso as ajuda a lidar melhor com a doença. Elas participam de maratonas e lutam boxe, e algumas são até mesmo atletas profissionais. Para muitas, a coisa mais difícil de superar é o preconceito por parte das pessoas saudáveis.

O rosto de Robert Klein é tão branco quanto o copo de papel que ele segura nas mãos. Ele está perto da linha de chegada da Maratona de Frankfurt tentando beber água, mas não consegue porque suas mãos estão tremendo muito. Klein está completamente exausto. Ele esperava completar a corrida em menos de quatro horas, mas demorou dois minutos a mais. Ele xinga.

Robert Klein, 47, é um corredor apaixonado. Ele correu oito maratonas nos últimos 16 meses, incluindo corridas em Berlim, Copenhague e Barcelona. Ele adora correr pelas ruas das cidades, cercado por uma multidão de outros atletas. É lá que ele sente que pode ter uma vida normal.

“Vou para a linha de largada com milhares de pessoas saudáveis. E embora eu esteja doente, posso mostrar para elas que também consigo ir até a linha de chegada”, diz ele.

Klein é HIV positivo. Quando ele foi diagnosticado em 1996, tinha certeza de que não viveria mais cinco anos. Ele desistiu de si mesmo, e começou a beber e a fumar. Mas depois, há dois anos, ele descobriu a corrida. Viu um poster na parede do consultório de seu médico, de um grupo que buscava pessoas HIV positivo para treinar para uma maratona. Klein se inscreveu, e está correndo desde então. Ele corre até 100 quilômetros por semana ao longo do rio Main. Ele planeja correr a Maratona de Nova York este ano. Correr, diz Klein, “é minha única chance de mostrar que ainda sou um ser humano completo.”

A Aids, causada pelo vírus da imunodeficiência humana, ou HIV, é a sexta principal causa de morte no mundo. Mais de 33 milhões de pessoas estão infectadas no mundo todo, incluindo cerca de 67 mil na Alemanha, das quais 80% são homens. Não há vacinação contra o HIV e não existe cura para a Aids. Entretanto, o diagnóstico não é mais uma sentença de morte. As opções de tratamento hoje são tão eficazes que os indivíduos HIV positivo podem viver uma vida praticamente sem restrições.

Esporte versus medo

Essa vida também inclui exercícios e esportes. Há um consenso entre os médicos de que o esforço físico não representa um risco para as pessoas infectadas com o HIV que não tiveram nenhum sintoma da Aids, como a pneumonia. Na verdade, o exercício é visto como um meio eficaz de tratamento. Ele ajuda as pessoas a lidarem com a doença e fortalece sua autoconfiança. Cada treino que completa, diz Klein, é um tipo de validação para ele, e prova sua capacidade de superar seus medos. Isso permite que ele diga a si mesmo: “Olhe para mim, continuo vivo.”

Mas para os atletas infectados pelo HIV o maior desafio é superar os preconceitos de seus colegas.

Um homem com um físico vigoroso, com o corpo cheio de tatuagens, está sentado na cafeteria de uma piscina coberta em Berlim. Ele atende pelo nome de “Ole Lüder” e prefere que seu nome verdadeiro não seja usado na resportagem. Lüder é um campeão de natação alemão em sua faixa etária. Alguns de seus colegas estão sentados na mesa ao lado. Lüder fala alto e com franqueza; todos sabem que ele é HIV positivo há seis anos.

Lüder vive a vida de um atleta profissional. Ele gosta da sensação de ficar exausto, de testar seus limites como nadador, diz ele. Estudante de ciências da computação, ele vai para o treino de natação seis vezes por semana, passando um total de 20 horas na água. “Eu vou ao treino mesmo nos dias que o medicamento causa dor e diarréia, ou quando estou cansado”, diz Lüder.

“Mágico”

Até meados dos anos 90, os pacientes de HIV tinham que tomar 40 comprimidos por dia. Agora, os medicamentos evoluíram ao ponto em que apenas um comprimido por dia costuma ser suficiente. Mas os efeitos colaterais não foram embora. Muitas drogas interferem no metabolismo, que aumenta o risco já elevado dos pacientes terem um ataque cardíaco. Outros efeitos colaterais incluem diabetes e pressão alta. “O exercício é a melhor coisa para contra-atacar todos esses riscos”, diz Jürgen Rockstroh, especialista em doenças infecciosas no Hospital Universitário de Bonn e presidente da Sociedade Alemã para a Aids. Rockstroh está atualmente trabalhando com cientistas na Universidade Alemã do Esporte em Colônia num estudo que examina como os treinos extremos afetam as pessoas infectadas com o HIV. Os resultados iniciais devem estar disponíveis no final do ano.

O exemplo mais famoso de HIV no esporte profissional foi do jogador de basquete norte-americano Earvin “Magic” Johnson, que anunciou que estava infectado em 1991. Johnson pensou em se aposentar no esporte, mas então decidiu continuar jogando basquete. Em 1992, ele estava na equipe norte-americana que ganhou a medalha de ouro nas Olimpíadas de Barcelona.

O caso do atleta norte-americano de salto ornamental Greg Louganis também ganhou as manchetes. Nos Jogos Olímpicos de Seul em 1998, Louganis bateu a parte de trás da cabeça no trampolim numa competição preliminar e caiu na água sangrando. Ele continuou nos jogos até ganhar a medalha de ouro. Numa entrevista mais de seis anos depois, ele admitiu que já era HIV positivo quando sofreu o acidente de 1998. A revelação causou um certo tumulto, e o até médico que tratou Louganis em Seul fez um teste para ver se ele mesmo não tinha Aids.

Ole Lüder, o nadador de Berlim, é tão aberto quanto possível sobre sua doença. Muitos no mundo da natação conhecem sua história. Lüder, por sua vez, sabe dos medos das pessoas saudáveis, mas não permite que esses temores o detenham, diz ele. Mesmo quando tem um corte no dedo, ele coloca um band-aid e pula na piscina.

Preconceito e segregação

Não há casos documentados até agora de pessoas que tenham contraído HIV nos esportes. “Esse tipo de coisa nunca aconteceu, tenho certeza”, diz o especialista em doenças contagiosas Rockstroh. O vírus é transmitido através do esperma e do sangue, mas não através do suor e da saliva. Rockstroh acredita que seria “inconcebível” contrair o vírus a partir do sangue numa piscina, por causa da diluição com a água. O risco de infecção só existe, diz ele, através do contato entre dois ferimentos abertos. Mas mesmo num caso assim, a probabilidade de transmissão é “extremamente baixa”, diz Rockstroh, porque o corpo bombeia o sangue para fora dos ferimentos.

Entretanto, poucas pessoas com HIV estão dispostas a falar tão abertamente sobre sua doença quanto o corredor de maratona Klein e o nadador Lüder. O esporte é o domínio das pessoas saudáveis, e muitos infectados com o HIV têm medo de ser excluídos. Alguns escolhem manter o segredo sobre sua condição.

Jakob Friedrich também não quer que seu verdadeiro nome seja revelado. Ele descobriu que era soropositivo há dois anos e meio atrás. Ele não contou para seus pais, ninguém sabe sobre sua doença na empresa em que trabalha como gerente, e seus colegas atletas também não desconfiam de nada. Friedrich tem medo de contar, porque suspeita que as pessoas não entenderiam e teme que elas o evitem. Friedrich não é um nadador, um corredor ou ciclista, ele luta boxe. Os boxeadores batem e apanham uns dos outros, e com frequência há sangue nas lutas.

Friedrich falou à reportagem num centro para a juventude numa cidade no sul da Alemanha. Ele não quer nem que o nome da cidade seja revelado. Ele tem quase 1,90 m e está em excelente forma. E já apresenta o começo de um nariz de boxeador.

Revidando

Por que ele mantém sua doença em segrego? “É minha vida pessoal”, diz Friedrich.

Ele está lutando boxe há dois anos, mas até agora não participou de nada além de leves lutas de treino. Ninguém deixou seu nariz sangrando até agora, mas é provável que isso aconteça em algum momento. O que ele fará então?

Friedrich pensa um pouco e diz que ele teria uma atitude responsável. “'Ei, fiquem todos longe de mim agora', é o que eu diria, é claro.”

Friedrich não está tomando nenhum remédio atualmente. O vírus em seu corpo continua na chamada fase silenciosa. A quantidade de vírus que ele tem é relativamente pequena, o que significa que o risco de infecção ainda é baixo. “Se fosse alta, eu pararia de lutar”, diz ele.

Alguns dias depois, Friedrich estava treinando num antigo ginásio escolar. Sacos de boxe pendurados, cordas de pular e luvas de boxe estavam espalhados pelo ginásio. Friedrich estava no ringue, lutando com um colega. Ele usava uma camiseta branca apertada, encharcada de suor. Seu oponente batia nele sem parar com a mão direita.

“Jakob, você tem braços compridos”, gritou o treinador. “E você é mais alto que ele, então tire vantagem disso. Fique sempre por cima. Não faça um aviador.”

“Fazer um aviador” significa levantar uma perna do chão enquanto dá um soco. Um boxeador que faz isso fica com sua posição instável, perde facilmente o equilíbrio e é facilmente derrubado. Friedrich está tentando se livrar do hábito de fazer o aviador – não só no boxe.

Depois que foi diagnosticado, ele conta que primeiro ficou chocado, depois com raiva, e depois agressivo. Lutar boxe foi uma expressão de suas emoções. Muitos que entram no ringue estão interessados principalmente em bater em seus oponentes, mas ele queria ser atingido. “Eu queria aprender a levar socos, e não importa o que acontecesse, continuar com os pés firmes no chão”, diz ele.

Músculos fortes

Friedrich treina quase todos os dias, assim como o corredor de maratona Klein e o nadador Lüder. O esporte se tornou uma prioridade para eles, porque sempre que eles suam e se cansam, pelo menos têm a sensação de que não estão doentes.

Friedrich recentemente recebeu sua nova contagem de sangue. A “fase silenciosa” estava chegando ao fim, à medida que sua quantidade de vírus começou a aumentar. Ele terá que começar a tomar seus comprimidos em breve. Klein, o corredor, está tomando medicamentos há mais de dez anos. Seu corpo já é resistente a muitos agentes, e o coquetel de drogas que ele toma com frequência precisa ser ajustado para continuar eficaz. Não posso continuar para sempre, porque não existem muitos medicamentos disponíveis. “As coisas estão ficando cada vez mais precárias para mim”, diz Klein.

Em Berlim, Ole Lüder, o campeão de natação, está sentado à beira da piscina, olhando para a água. Ele é alto, forte e autoconfiante, mas mesmo os fortes músculos que ele desenvolveu não podem protegê-lo.

Quando a doença começou, Lüder ficava com tanto frio na água que ele teve que usar um maiô de corpo inteiro. Mas os maiôs de corpo inteiro foram proibidos na competição a partir deste ano, e agora ele tem que usar um maiô comum. Em janeiro, Lüder contraiu uma infecção severa no ouvido médio, e há duas semanas ele ficou de cama com resfriado. Para alguém com um sistema imunológico fraco, infecções como esta podem representar risco de vida.

Lüder alonga seus músculos na borda da piscina. Ele não permitirá que esse vírus o intimide, diz ele. Ele pretende defender seu título este ano.

“Não quero ser um fraco”, diz ele.

Tradução: Eloise De Vylder
Site: UOL