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PFIZER RETROCEDE EM ACORDO PARA AIDS

12/11/2003 - O Estado de São Paulo

Na Pfizer Inc., enquanto uma mão dava, a outra tirava.

Cancela licenciamento para produção de genéricos do Rescriptor. E doa para cegueira

Ontem, a gigante farmacêutica americana prometeu US$ 300 milhões para combate a uma forma de cegueira comum em regiões pobres. Mas, quase simultaneamente, a Pfizer retrocedeu em relação a um novo acordo de licenciamento para uma droga para aids que foi saudado como uma nova maneira de prover remédios baratos para países pobres.

Sob o acordo fracassado, a Pfizer teria licenciado patentes do Rescriptor, um remédio contra o vírus HIV, para a Concept Foundation, uma organização sem fins lucrativos com sede em Bangcoc, na Tailândia. Com um sócio chamado Associação Dispensário Internacional, uma entidade sem fins lucrativos de Amsterdã que produz e distribui remédios essenciais para países pobres, a Concept Foundation teria arranjado para que fabricantes de remédios genéricos produzissem a droga. A Pfizer adquiriu o Rescriptor em abril ao comprar a Pharmacia Corp., que ajudou a estruturar o acordo de licenciamento.

A nova abordagem prometia produção mais rápida e melhor de drogas genéricas exclusivamente para o mundo em desenvolvimento. Sob a transferência amigável de tecnologia, empresas de genéricos receberiam know-how além da patente, como conhecimentos de manufatura, por parte de companhias como a Pharmacia e a Pfizer. A abordagem voluntária também eliminaria atrasos decorrentes de batalhas legais que provavelmente aconteceriam se os países obtivessem licenças compulsórias para as empresas de genéricos, contra a vontade de fabricantes de remédios.

O acordo para o Rescriptor, cuja substância ativa é a delavirdina, foi saudado como algo que abriria novos caminhos no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, onde foi anunciado em janeiro por executivos da Pharmacia e de seus parceiros sem fins lucrativos. Mais tarde, naquele mesmo dia, durante um painel de discussões sobre propriedade intelectual, H e n r y McKinnell, presidente da Pfizer, apoiou o acordo, segundo pessoas que foram à sessão. Numa declaração por escrito na época, a Pfizer disse que aprovava a “iniciativa inovadora” da Pharmacia, mas que teria de avaliá-la melhor depois de completar a fusão.

Agora o acordo do Rescriptor foi destruído, diz a Pfizer. “Embora estejamos intrigados pelo modelo, nós concluímos que esse não era o produto certo”, diz Robert Mallet, diretor de assuntos corporativos da Pfizer em Nova York. Ele diz que foi uma decisão mútua baseada principalmente em problemas clínicos do Rescriptor, que precisa ser tomado três vezes ao dia, enquanto outros remédios para aids são tomados uma ou duas vezes ao dia.

“Esse simplesmente não é um produto adequado, então nós não queremos fazer isso”, diz Mallet. “Há outros remédios por aí.”

Os defensores do licenciamento rejeitam o arrazoado da Pfizer e dizem que o fim do acordo não é mútuo. “Eu pegaria, se eles tivessem me dado”, diz Joseph Ganzi, consultor para remédios de aids da ADI que negociou pela associação com a Pfizer.

O fracasso da experiência do acordo com o Rescriptor, dizem seus defensores, complica os esforços para tornar remédios essenciais inventados em países desenvolvidos disponíveis a preços baixos no mundo em desenvolvimento.

As limitações do Rescriptor eram bem conhecidas desde o começo, diz Joachim Oehlert, presidente da Concept Foundation. “Isso é hipocrisia”, ele diz sobre a decisão da Pfizer. Ninguém na Pharmacia ou nas organizações assistenciais, diz, considerava os problemas do Rescriptor sérios o bastante para impedir a criação de um novo modelo para ajuda humanitária.

A Pfizer demonstrou apoio para uma abordagem tradicional de assistência ontem na sede da Nações Unidas em Nova York. A companhia prometeu doar 135 milhões de doses do antibiótico Zithromax para lutar contra cegueira causada por tracoma nos próximos cinco anos.

A tracoma é uma infecção que se espalha fácilmente em condições de baixa higiene. Ela foi eliminada na Europa e Estados Unidos, mas é uma das principais causas de cegueira em países em desenvolvimento, embora possa ser tratada com uma única doze de Zithromax.