Notícias
AIDS E MODA
21/08/2009 - Agência Aids
Aids afastou homens da moda, informa Folha de S.Paulo
A Folha de São Paulo publicou nesta sexta-feira entrevista com o estilista Mario Queiroz. Ele declarou que, com o advento da aids, os homens passaram a ter medo de serem confundidos com doentes ao usarem roupas poucos convencionais. Confira a seguir a matéria na íntegra.
Aids afastou homens ainda mais da moda, afirma Queiroz
Duas guerras mundiais, grandes transformações políticas e econômicas e, por fim, a Aids, fizeram com que a vaidade masculina fosse quase impossível ao longo do século 20, analisa a seguir Mario Queiroz.
FOLHA - Seu livro se chama "O Herói Desmascarado". Por que é preciso desmascarar o herói?
MARIO QUEIROZ - A ideia é desvendar como o homem de nosso tempo ainda é tão engessado por esse arquétipo do herói. Eu analiso por que o herói é uma figura que acompanha desde tempos imemoriais o homem, que tem necessidade de ser o vitorioso, o forte, o belo. Não quis tirar a máscara de herói do homem, pois ela está dentro dele e é parte de uma cultura muito antiga, mas quis constatar esse fenômeno e estudá-lo.
FOLHA - Você analisa sobretudo revistas europeias. No Brasil, o herói tem o mesmo peso que em outras partes do mundo, ou o brasileiro é mais "macunaímico", "herói sem nenhum caráter"?
QUEIROZ - Falo também do herói de todo dia. Mesmo que um homem não tenha jamais realizado um ato heroico, ele é perseguido por essa ideia de que precisa ser forte, ter uma postura de quem encara a fera. É um arquétipo masculino, independentemente do país.
FOLHA - Por que o estilo das roupas masculinas mudou tão pouco do início do século 20 até hoje?
QUEIROZ - O século 20 não foi muito propício aos hedonismos. Houve duas guerras mundiais e grandes transformações políticas e econômicas que tornaram quase impossível a vaidade masculina. Foi um século do herói, do homem que tinha que sustentar a guerra, a luta, a industrialização -daí a forte presença dos uniformes. No final do século 20, quando as coisas pareciam mais favoráveis à ruptura da uniformização e à aceitação da moda, veio a Aids. Houve, então, um recuo. Os homens passaram a ter medo de serem confundidos com doentes ao usarem roupas pouco convencionais.
FOLHA - Por que os homens muitas vezes veem a moda como algo que interessa só a mulheres e gays?
QUEIROZ - Por vários fatores, principalmente essa formação que vem desde a infância, que faz uma divisão rígida do que é próprio de um gênero sexual e não de um outro. Por que a moda é de mulherzinhas? Porque a menininha ganha uma boneca no primeiro aniversário, e o menino ganha um carro. Na adolescência, se um garoto quer fazer um balayage no cabelo, ele só vai fazê-lo se seu herói no futebol fizer antes, como ocorreu com David Beckham ou Cristiano Ronaldo. Ele não se permite fazer, porque vai ser caçoado na escola. E isso continua na vida adulta, quando você vê seus amigos dizendo, caso use uma camisa pouco convencional: "Onde você comprou tinha para homem?". Essas brincadeiras e expressões afetam a visão que os homens têm da moda. É muito difícil romper com esse preconceito.
FOLHA - Existe no próprio meio da moda dificuldade em aceitar inovações na roupa masculina?
QUEIROZ - Sim. As grifes tradicionais estão mais preocupadas em desovar as grandes quantidades que produzem. Como a maior parte dos homens ainda está engessada em certos conceitos, as marcas acabam não investindo em inovações, porque estão preocupadas com números e quantidade.
FOLHA - Qual é a razão do declínio da alfaiataria no design de moda?
QUEIROZ - Antes, o homem que usava terno era o poderoso, o patrão, o político. O terno era associado a uma imagem de poder e de riqueza. É muito interessante ver hoje que o manobrista também usa terno, assim como o segurança. Houve um desmoronamento do terno como símbolo de poder. Mas está havendo um resgate do paletó. Existem, por exemplo, bandas de rock britânicas que preferem paletós acinturados e curtos às jaquetas. E esses músicos influenciam os jovens, que redescobrem a alfaiataria.
FOLHA - Seu livro termina em tom otimista. O que leva você a achar que a situação da moda masculina está melhor agora?
QUEIROZ - Porque hoje nós temos pelo menos um mercado masculino que não é uma coisa só. Existe o streetwear, o surfwear e outras diversificações que começamos a vislumbrar. Houve um tempo em que o consumidor homem queria uma dessas coisas: ou um terno ou um casual básico. Hoje, a possibilidade de segmentação permite que, numa coleção, você tenha seis ou sete tipos diferentes de calças, uma maior variedade de cores e também de estampas. Isso é já uma vitória para um mercado que era tão uniformizado. Também fico contente quando entro na sala de aula e vejo um número maior de garotos que estudam moda, sem que você possa rotulá-los disso e daquilo. São homens que veem a moda mais como design e menos como pose e "carão".
Fonte: Folha de S.Paulo