Notícias
DECLARAÇÃO DO PAPA E REAÇÃO DE GOVERNOS
19/03/2009 - Folha Online
Contra a declaração do papa sobre as camisinhas
Governos europeus e ONU reagem a declaração do papa sobre camisinhas
A França, a Alemanha e a agência das Nações Unidas encarregada de lutar contra Aids manifestaram nesta quarta-feira discordância em relação às declarações do papa Bento 16 contra o uso de camisinhas e disseram que elas são uma ferramenta fundamental na prevenção da epidemia do vírus HIV no continente africano.
Nesta terça-feira, a bordo do avião que o levava para sua primeira visita à África como papa, Bento 16 afirmou que a Aids "é uma tragédia que não pode ser superada com o dinheiro e nem com a distribuição de preservativos, os quais podem aumentar os problemas".
A declaração foi feita em resposta a uma pergunta sobre se os ensinamentos da Igreja Católica não eram "irrealistas e ineficazes" em relação à Aids. O papa defendeu que a epidemia só pode ser impedida com uma renovação moral no comportamento, a "humanização da sexualidade", incluindo elementos de fidelidade e autossacrifício.
O papa adota a visão tradicional da Igreja Católica sobre o tema: sexo apenas depois do casamento e a proibição de meios contraceptivos artificiais, como a camisinha e a pílula.
A França, país tradicionalmente católico, mas relativamente liberal em questões sociais, "manifesta a sua forte preocupação com as consequências das declarações de Bento 16", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Eric Chevallier.
"Embora não caiba a nós julgar a doutrina da igreja, consideramos que essas declarações põem em perigo as políticas públicas de saúde e o imperativo de proteger a vida humana", disse Chevallier. "Juntamente com informação, educação e testes, o preservativo é um elemento fundamental das ações para prevenir a transmissão do vírus da Aids."
A ministra da Saúde, da França, Roselyne Bachelot, falou de forma mais emocional contra a posição do papa, dizendo à rádio RTL que Bento 16 "proferiu uma monstruosa mentira científica" que foi um desserviço para as mulheres africanas que, segundo ela, "encontram dificuldade em fazer aceitável o uso do preservativo, que pode protegê-las ".
O ex-primeiro-ministro francês Alain Juppé afirmou que "este papa começa a ser um verdadeiro problema, dado que ele vive em uma situação de total autismo".
"Todos os meios"
O porta-voz do Vaticano, reverendo Federico Lombardi, disse nesta quarta-feira que o papa expressou a posição de longa data do Vaticano, e que Bento 16 queria salientar que a insistência nos preservativos é uma distração em relação à necessidade de uma adequada educação sobre a conduta sexual.
Em Berlim, a ministra da Saúde da Alemanha, Ulla Schmidt, e a ministra do Desenvolvimento, Heidemarie Wieczorek-Zeul, emitiram uma declaração conjunta, criticando as declarações do papa e ressaltando a importância do uso da camisinha nos países em desenvolvimento.
"Preservativos salvam vidas, tanto na Europa como em outros continentes", disseram as ministras, lembrando que há 22 milhões de portadores da Aids na África Subsaariana. "A assistência moderna para o mundo em desenvolvimento hoje deve fazer o planejamento familiar disponível para os mais pobres entre os pobres --especialmente o uso de preservativos. Qualquer outra postura seria irresponsável."
"A cooperação para o desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo deve colocar a disposição dos mais pobres os meios de planejamento familiar. E os preservativos fazem parte desses meios", ressaltaram as ministras alemãs.
Em Genebra, a agência da ONU que combate a AIDS defendeu que os preservativos são uma parte importante dos esforços contra a Aids. A agência defendeu que a prevenção inclui, entre outras medidas, o recebimento de informações sobre a prevenção sobre o vírus que causa a Aids, a fidelidade a um parceiro.
Em uma declaração, a Unaids disse que os países devem utilizar todos os meios disponíveis nas estratégias para prevenir as mais de 7.400 novas infecções pelo HIV a cada dia no mundo inteiro, mas não fez menção às declarações do papa.
O chefe do Fundo Global, um grupo com sede em Genebra que levanta fundos para combater a Aids, exortou o papa a se retratar de suas observações. "Penso que África, que é atingida tão fortemente [pela Aids], não precisa desta mensagem," disse Michel Kazatchkine à rádio RTL. "Declarações negacionistas são terrivelmente prejudiciais."
A presidente da associação italiana Soropositivos, Rosaria Iardino, também criticou Bento 16. "O papa é papa, portanto, não se pode contestar a sua afirmação. O problema é que (ele) faz demagogia e lança uma mensagem errada", afirmou, defendendo que as camisinhas são "um instrumento cientificamente válido". Ela concordou, porém, que a educação sexual seria a maneira mais adequada para prevenir o contágio.
A ministra francesa da Habitação defendeu a posição de Bento 16. "Vocês não vão esperar que o papa vá dizer que vocês devem usar camisinha", disse, à rádio RTL, Christine Boutin, uma católica praticante, que se pronunciou no passado contra políticas sociais liberais da França. "Não é divertido colocar uma camisinha quando você faz amor".
Políticas
As políticas de prevenção da Aids na África são especialmente polêmicas devido à extensão da epidemia no continente, que atinge mais de 40% da população em alguns países.
O governo de Uganda anuncia que conseguiu reduzir de 30% para 7% o percentual de infectados na população com uma política de estímulo à abstinência sexual dos solteiros e à fidelidade entre os casados, na qual o uso de camisinhas é defendido apenas em último caso.
Durante o governo de George W. Bush (2001-2009), os Estados Unidos apoiaram um amplo programa de combate à Aids na África, com bilhões de dólares destinados ao tratamento dos doentes e à prevenção do contágio.
O governo americano deu ênfase às políticas de abstinência, mas também apoiou o uso de preservativos no continente, dando liberdade aos grupos religiosos cujas convicções se opusessem aos métodos anticoncepcionais.
Com Associated Press e Ansa