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CRIMINALIZAÇÃO DO PORTADOR DO HIV

08/08/2008 - Herald Tribune

Não ajuda no combate à AiDS

Criminalização do portador do vírus HIV não ajuda no combate à Aids

Alguns meses atrás, em Dallas, no Texas, Willie Campbell foi condenado pelo ataque com uma "arma letal" contra os policiais que o prendiam por estar bêbado e fazer desordem. Ele foi condenado a 35 anos de prisão.

Você pode dizer: "Que chato. Mas, e daí?". Bem, Campbell tem o HIV, e a "arma letal" foi a saliva que ele cuspiu no rosto dos policiais. Mas ninguém nunca demonstrou que o HIV é transmitido pela saliva. Portanto, a "arma letal" usada por Campbell não era mais letal do que uma pistola de brinquedo - e não estava sequer carregada.

A sentença também reflete o seu histórico criminal, mas não há como negar que Willie Campbell foi punido não apenas pelo que fez, mas também devido ao vírus do qual é portador.

Ele não está sozinho. No mundo inteiro pessoas que têm HIV vão para a prisão, mesmo quando não transmitiram o vírus e ainda que nunca tenham desejado transmiti-lo.

Recentemente, nas Bermudas, um indivíduo portador do HIV foi condenado a dez anos de prisão por ter feito sexo sem proteção com a namorada, ainda que o resultado do exame dela tenha sido negativo. E um homem suíço foi para a cadeia no ano passado por infectar a namorada, apesar de, quando ocorreu o fato, ele achar que era HIV negativo.

Na África - onde estão cerca de dois terços dos portadores de HIV de todo o mundo - um estatuto "modelo" financiado pelos Estados Unidos, que criminaliza a transmissão e a exposição, foi adotado por 11 países e outros poderão fazer o mesmo. A lei exige que os indivíduos que sabem ser portadores do HIV informem antecipadamente "qualquer contato sexual" - sem que se defina "contato sexual (por exemplo, será que a definição inclui o beijo?).

A versão desta lei em Serra Leoa pune mulheres grávidas. Elas podem ser encarceradas se não "adotarem todas as medidas e precauções razoáveis para prevenir a transmissão do HIV" ao feto.

O que está por trás deste impulso para lidar com o HIV por meio de leis criminais? O objetivo é conter a onda crescente de infecções, proteger aqueles que são vulneráveis - especialmente as mulheres, que freqüentemente são vítimas de homens descuidados ou inescrupulosos - e encorajar os portadores do vírus a avisar que estão infectados.

Boas intenções, mas uma política ruim. Estudos e mais de duas décadas de experiência demonstram que criminalizar a exposição e a transmissão acidental não modifica o comportamento sexual nem contém a disseminação do HIV.

A criminalização é um substituto equivocado de medidas que realmente protegem aqueles que correm risco de contrair o HIV: prevenção efetiva, proteção contra a discriminação, esforços para reduzir o estigma associado à Aids, maior acesso a exames e, o mais importante, tratamento para aqueles que estão morrendo devido à doença.

Longe de proteger as mulheres, a criminalização faz com que elas corram perigo. Na África, a maiorias das pessoas que sabem que têm o vírus são mulheres, porque os exames são, em sua maioria, realizados em centros de atendimento pré-natal. O resultado é que a maioria das pessoas que serão denunciadas porque conhecem - ou deviam conhecer - a sua condição de portadora do vírus consistirá de mulheres.

As circunstâncias materiais em que muitas dessas mulheres se encontram - principalmente na África - faz com que seja difícil para elas negociar um ato sexual mais seguro ou sequer discutir a questão do HIV. Essas circunstancias incluem a subordinação social, a dependência econômica e sistemas tradicionais de propriedade e herança que as tornam dependentes dos homens. A criminalização as tornará mais vulneráveis ao HIV.

Além do mais, a criminalização é muitas vezes aplicada de forma injusta e seletiva. Os processos criminais e leis concentram-se nos grupos já vulneráveis - como prostitutas, homens que praticam sexo com homens e, nos países europeus, os homens negros.

A criminalização também faz com que a culpa recaia sobre uma das pessoas, em vez de atribuir a responsabilidade às duas. Realisticamente, o risco de contrair o HIV (ou qualquer outra infecção sexualmente transmissível) precisa ser visto hoje em dia como uma faceta inevitável do ato sexual. Não podemos fingir que o risco é introduzido em um encontro seguro pela pessoa que sabe ou deveria saber que é portadora do HIV. A responsabilidade prática por práticas sexuais mais seguras é de todos.

É difícil e degradante aplicar essas leis. Onde o sexo ocorre entre dois adultos que consentiram em praticar o ato, a questão da prova e a metodologia necessária da acusação degradam as partes e minam a base legal. Além do mais, os conceitos legais de negligência são incoerentes no reino do comportamento sexual. Sabemos que a "pessoa razoável" muitas vezes faz sexo sem proteção com parceiros cujo histórico sexual é desconhecido, apesar dos riscos. É por isso que há uma epidemia de HIV, e é por este motivo que as intervenções para a redução do sexo inseguro são tão importantes.

A criminalização aumenta o estigma e pode até desestimular os exames. Por que uma mulher em Serra Leoa desejaria submeter-se a um exame de HIV que, caso tivesse resultado positivo, faria com que ela corresse o risco de ser condenada a sete anos de prisão, caso ficasse grávida ou da próxima vez que mantivesse relações sexuais? As leis fazem com que o diagnóstico, o tratamento, a ajuda e o apoio fiquem fora do alcance dela.

Ativistas do setor de saúde pública e dos direitos humanos colocaram esta questão na agenda da conferência mundial da Aids, realizada nesta semana no México - que reúne 25 mil médicos, pesquisadores, funcionários de saúde, ativistas comunitários e jornalistas. Será solicitado aos delegados que voltem para casa com uma compreensão prática da conferência, e com a disposição para combater as leis e os processos legais irracionais.

Aos delegados dos países que adotaram leis que têm como alvo as pessoas que foram infectadas pelo vírus da Aids se solicitará que façam campanhas para que tais leis sejam repelidas. E às organizações internacionais e aos países doadores será pedido que se oponham energicamente às iniciativas para a criminalização, e que parem de financiá-las.

A prevenção do HIV não é apenas um desafio técnico para a saúde pública. Ele é um desafio para que toda a humanidade crie um mundo no qual o comportamento seguro seja possível para ambos os parceiros sexuais.

A criminalização faz o oposto. Trata-se de uma politica dura, punitiva e sem resultados comprovados para uma epidemia que tem respondido de uma forma consistentemente melhor a intervenções no sentido de apoiar as pessoas que fazem o melhor que podem para manterem-se saudáveis.

Edwin Cameron é juiz do Supremo Tribunal de Apelações da África do Sul. Michaela Clayton é diretora da Aliança para Direitos e Aids do Sul da África, em Windhoek, na Namíbia. Scott Burris é professor de direito da Universidade Temple, em Filadélfia

Tradução: UOL
Edwin Cameron, Michaela Clayton e Scott Burris
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