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CONTROVÉRSIA SUIÇA

01/09/2008 - AIDSMAP

carga viral indetectável é igual a ausência de infecciosidade

A declaração Suíça que afirma que “carga viral indetectável é igual a ausência de infecciosidade” provoca ainda mais controvérsia na Cidade do México

Edwin J. Bernard, Tuesday, August 05, 2008 (aidsmap)

A ciência deu lugar à política durante uma das mais controversas sessões da XVII Conferência Internacional de AIDS, a decorrer na Cidade do México. Esta sessão aconteceu algumas horas antes da abertura oficial. Durante um simpósio satélite especial, sete especialistas de renome discutiram as implicações da controversa declaração emitida em Janeiro, pela Comissão Federal Suíça de AIDS, que afirma que, em condições ótimas, a carga viral indetectável no sangue implica ausência de infecciosidade.

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Ficou claro durante a reunião de duas horas que embora muitos dos participantes do painel e da audiência defendam que deve haver uma comunicação dos fatos numa base de honestidade e de eficácia, os “fatos” e as convicções estão muitas vezes em conflito, resultando em ainda em mais confusão.

Parte do problema, explicou o Professor Pietro Vernazza, Chefe do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Cantonal de St. Gallen e Presidente da Comissão Federal Suíça de AIDS, relacionou-se com o fato de que a declaração de consenso suíça sobre o efeito do tratamento na transmissão foi mal interpretada por alguns, levando a que se pensasse que o tratamento deveria substituir o uso de preservativo, como estratégia de prevenção. Outros acreditaram que a declaração defende a prática de sexo sem preservativo entre dois parceiros monogâmicos de estatuto serológico diferente ou desconhecido, o que já é praticado por pequenos grupos de homossexuais seropositivos bem informados em alguns países desenvolvidos.

“Nunca pensamos que a nossa declaração pudesse vir a ter um impacto a nível mundial”, disse o Professor Vernazza à audiência, mas que, pelo contrário, “ se destinava a ajudar os médicos suíços a discutir os riscos sexuais com os seus doentes e os respectivos parceiros estáveis.”

Um outro problema, referiu o professor Vernazza, esteve relacionado com o título da declaração – As pessoas seropositivas que não sejam portadores de nenhuma infecção de transmissão sexual e que estejam medicadas com uma combinação anti-retroviral eficaz, não transmitem o HIV por via sexual – “que foi enganador e por isso peço desculpa. Não o voltaremos a fazer.”

Acrescentou, contudo que a declaração referia que o uso de preservativo não é 100% “seguro”, mas que o risco “se situa num nível confortável para que as pessoas possam viver uma vida normal. Nós colocaríamos as práticas sexuais sob terapêutica anti-retroviral no mesmo nível de segurança, mas só consideramos isso “seguro” em determinadas circunstâncias”. As condições incluem, tratamento completamente supressor da carga viral durante pelo menos 6 meses, com adesão excelente, monitorando regularmente a carga viral e com a certeza de que a pessoa seropositiva para o HIV e o seu/sua parceiro/a sexual regular seronegativo/a não apresentam outras infecções de transmissão sexual (ITSs).

“Afirmamos igualmente, de forma clara, que a única pessoa que pode avaliar a adesão e as avaliações clínicas regulares, seria o/a parceiro/a estável seronegativo e que seria o/a único/a a ser informado/a e a avaliar os/as seus próprios riscos.”

Segundo o orador, a declaração constituiu “boas notícias para um pequeno grupo de pessoas, mas para todos os outros, as mensagens de prevenção mantêm-se iguais.”

No entanto, considerou que embora tal [declaração] foi baseada numa avaliação de um especialista das evidências biológicas, epidemiológicas e ecológicas atuais, a motivação para a elaboração da declaração foi principalmente política. Afirmou que era possível ao estado Suíço, de acordo com as leis existentes, processar as pessoas seropositivas que tinham sexo desprotegido com consentimento, mesmo informando os/as parceiros/as, e que como tal a declaração poderia ser usada nos tribunais para demonstrar que, se uma pessoa estava sob tratamento anti-retroviral com supressão viral, não poderia expor/transmitir o Vírus da Imunodeficiência Humana.

Acrescentou ainda que a declaração foi igualmente pensada para ajudar os casais serodiscordantes que não queriam ou não eram capazes de aceder às técnicas de lavagem de esperma ou a outras técnicas de reprodução assistida com o objetivo de conceber uma criança de forma segura.

Finalmente e ainda mais importante, a declaração foi concebida porque havia discrepância entre o que alguns médicos afirmavam aos seus doentes em privado e aquilo que podiam afirmar em público, e que conseqüentemente, se destinava a evitar o “risco de difusão descontrolada” da informação.

As preocupações têm de ser afirmadas em voz alta
O professor Myron Cohen da Universidade da Carolina do Norte apresentou uma visão mais equilibrada. Embora tenha afirmado que existe uma “forte possibilidade biológica” para as conclusões científicas afirmadas na declaração suíça, ele não podia concordar com o fato de a avaliação suíça do risco de transmissão, sob tratamento supressor anti-retroviral na ausência de outras ISTs, ser de 1 para 100.000. “Eu não sei qual é o grau actual de benefício e de durabilidade do tratamento”, afirmou Cohen.

Referiu igualmente que assumir que a transmissão não era possível abaixo de um certo valor de carga viral era mais uma convicção que um fato (e tal tinha sido recentemente rejeitado por um grupo de especialistas da Austrália e da Ásia).

Contudo, realçou que, uma vez que altas concentrações de medicamentos inibidores nucleósidos da transcriptase reversa atingem o esperma e as secreções vaginais, podem aí ter o efeito de “combater, como se de um microbicida se tratasse, os vírus aí existentes”.

Embora “existam várias razões para pensar que o tratamento actua como prevenção”, o Professor Cohen tem também algumas preocupações relacionadas com a ocorrência de blips (subidas transitórias da carga viral), com episódios de libertação viral no aparelho genital, ISTs intermitentes, incluindo infecções não diagnosticadas, o espaço de tempo entre o aumento de carga viral por aparecimento de resistências, que se segue à falência da combinação anti-retroviral e a próxima consulta médica e ainda a possibilidade de uma super-infecção por vírus resistentes à medicação.

“Todas estas preocupações têm de ser admitidas.”

Tratamento como meio de prevenção

Embora o Professor Vennaza e os seus colegas não defendessem que o tratamento devesse ser usado como uma estratégia de saúde pública, tal é, segundo vários oradores, a conclusão lógica da declaração suíça.

O presidente eleito da International Aids Society, o Professor Julio Montaner, Director Clínico do Centro de Excelência para o HIV/AIDS, da província canadiana de British Columbia - um defensor claro da referida estratégia de saúde pública – referiu que a administração de medicação a todos os que a solicitarem por motivos de saúde atinge “um objetivo duplo de reduzir a morbilidade e a mortalidade e apoiando os esforços de prevenção.”

Nancy Padian, Directora executiva da Women’s Global Health Imperative, da Universidade de S. Francisco da Califórnia, referiu-se a um conceito mais alargado de tratamento como meio de prevenção. Há muitos benefícios, afirmou, incluindo a possibilidade de funcionar como um encorajamento para a realização do teste de despistagem e acesso ao tratamento. Argumentou igualmente que há pessoas que aderem melhor ao tratamento que ao uso do preservativo e que o efeito sinérgico destes dois fatores “podem reforçar-se mutuamente.”

Acrescentou que se um tratamento eficaz previne a transmissão isso pode conduzir a “um aconselhamento mais eficaz e realista do preservativo – uso intensivo do preservativo no início e na fase tardia da infecção, quando se sabe que as pessoas são mais infecciosas, em vez de insistir quando as pessoas seropositivas estão sob tratamento.”

Contudo, referiu que há vários problemas relacionados com esta estratégia, incluindo “compensação do risco ou desinibição de comportamentos – será que as pessoas vão pensar que se estiveram sob tratamento anti-retroviral vão usar menos o preservativo, embora a mensagem seja de que devem fazer as duas coisas?” perguntou a oradora.
(mais tarde foi afirmado por um participante que a mensagem do uso do preservativo em conjunto com a medicação não era necessariamente a que estava subjacente à declaração suíça, mas sim a que era afirmada pelo US Centers for Disease Control and WHO/INAIDS).

A oradora afirmou igualmente que “ o fato de um/uma parceiro/a seronegativo/a ter de confiar no que o/a parceiro/a seropositivo/a afirma sobre a carga viral, a adesão e os riscos de ISTs pode “ exacerbar o equilíbrio de género nas relações” e chamou a atenção para o peso ético que cai sobre os médicos que cuidam de pessoas seropositivas.

Contudo, concluiu afirmando que “é nossa obrigação disseminar informação adequada com vistas a uma escolha informada.”

Pouco relevância para a maioria das pessoas seropositivas

Esta não foi necessariamente a opinião da Drª Catherine Hankins, Associate Director of Strategic Information and Chief Scientific Officer da ONUSIDA, que afirmou que “temos de ser cautelosos sobre o que dizemos e a quem se aplica, porque pode ter conseqüências não intencionais e negativas.”

Ilustrou isto dando como exemplo um grupo de trabalhadores de sexo de Genebra que acreditaram que a declaração suíça queria dizer que não tinham de usar preservativos e que poderiam ganhar mais dinheiro praticando sexo sem preservativo.

Acrescentou que a informação contida na declaração suíça tinha sido suprimida num país, não nomeado, em via de desenvolvimento e argumentou que as questões que se levantam relacionadas com a carga viral e a ausência de ISTs, eram irrelevantes para os países com baixos ou médios recursos “ onde vivem, atualmente, 94% de todas as pessoas seropositivas existentes no mundo”.

Afirmou que existe um acesso extremamente limitado ao teste de carga viral em África e na Ásia e que a prevalência de ISTs em África, tais como herpes de tipo 2, era extremamente elevada, o que faz com que as questões da declaração suíça sejam incomportáveis para estes países. Referiu igualmente que a malária é uma doença endémica em muitos destes países e que ao causar pequenos aumentos de carga viral no sangue, pode provocar também aumento da carga viral nos genitais.

Ele afirmou que a única aplicação prática possível do tratamento como prevenção poderia ser no planejamento da fertilidade, embora as mulheres seronegativas para o HIV possam vir a necessitar de Profilaxia pré-exposição no momento da concepção, voltando posteriormente ao uso do preservativo durante a gravidez.

Quando lhe foi mais tarde perguntado por um membro da assistência como é que a ONUSIDA podia promover a circuncisão, quando a sua eficácia era de 60% na prevenção da transmissão da mulher para o homem, o que parece ser menor que a eficácia do tratamento, embora tivesse “vergonha” de promover o tratamento como meio de prevenção, a Drª Hankins argumentou que a ONUSIDA não era envergonhada. “A evidência (para a circuncisão) era forte”, referiu, em contraste com os dados relativos ao tratamento como prevenção.

Mas o Professor Bernard Hirschel do Hospital Universitário de Genebra, e um dos autores da declaração suíça argumentou que “o tempo que demora a adquirir evidência tem custos – demorou 17 anos a demonstrar que a circuncisão pode proteger parcialmente os homens da infecção pelo HIV.”

O Professor Myron Cohen mencionou previamente o ensaio internacional, HPTN052, atualmente em recrutamento, sobre o tratamento como meio de prevenção, não dará quaisquer resultados antes de 2016.

Apoio comunitário

O activista comunitário Nikos Dedes, Vice-Presidente do European AIDS Treatment Group (EATG), apoiou incondicionalmente a declaração Suíça e explicou os benefícios óbvios para as pessoas que vivem com o HIV. “O mais importante”, afirmou, “é o fato de nós não nos considerarmos mais uma ameaça a longo prazo para os outros”.

Acrescentou que para além de permitir aos casais serodiscordantes de terem filhos, a declaração permitiu também remover o medo de transmissão quando um preservativo rompe; ajudou a reduzir o estigma e a descriminação – visto que as pessoas seropositivas para o HIV em tratamento deixaram de representar um vector de transmissão – e, controversamente, permitiu que o tabu sobre a não utilização do preservativo durante o ato sexual de pessoas com HIV “ganhou novamente o direito a uma experiência desinibida do prazer sexual”.

A própria Comissão Federal de AIDS Suíça providenciou evidência que este era o caso. Na apresentação de um poster, mostraram um questionário curto, distribuído por 185 pessoas com HIV, em várias cidades suíças. Das 134 pessoas (72%) que tinham conhecimento desta declaração, a maioria expressou um impacto muito positivo (62%) ou positivo (26%) sobre o efeito na estigmatização.

A juntar, 18 destas 134 pessoas alteraram o seu comportamento sexual – onze afirmaram que praticaram sexo sem preservativo com o seu parceiro seronegativo atual para o HIV e sete afirmaram que agora têm sexo sem preservativo com o seu parceiro seropositivo para o HIV. Outras quatro pessoas afirmaram que já tinham praticado sexo sem preservativo com o seu parceiro seronegativo.

Outros dois doentes afirmaram que a declaração Suíça os motivou a iniciar a TAR, embora não tivessem um parceiro sexual atualmente.

Muitos membros da comunidade na audiência estavam de acordo com Nikos Dedes sobre os aspectos positivos desta declaração para todas as pessoas com HIV, incluindo os autores do Manifesto do México – entre outros aspectos, uma chamada para “os representantes científicos, médicos, economistas, governos, OMS e ONUSIDA” a reconhecerem a declaração suíça e de não esconderem a informação.

Outros, contudo, manifestaram-se preocupados com a falta de evidência sobre o risco da prática anal que – segundo o Professor Cohen – não era uma prática apenas limitada aos homossexuais ou a outros homens que têm sexo com homens. O Dr. Ulrich Marcus, da Robert Koch Institute, em Berlim, falou sobre “expectativas e procedimentos” dos homossexuais seropositivos para o HIV na Alemanha e que o instituto deveria divulgar uma declaração semelhante à da Suíça, mas frisou que os elevados níveis de ISTs entre os homens infectados pelo HIV tornava difícil apoiar as práticas sexuais sem preservativo, particularmente para esta comunidade de homens seropositivos para o HIV.

Tratamento casa com prevenção

Apesar de o desacordo e da incerteza ser comparável entre os membros da audiência e o painel de especialistas, quase todos concordaram que a declaração Suíça iniciou um importante processo na compreensão do efeito do tratamento na prevenção.

“Precisamos de estar de acordo na forma como os dados devem ser comunicados e acordar as orientações oficiais de aconselhamento”, afirmou Nikos Dedes, “assim como re-orientar a atenção para as ISTs”.
Quer a declaração Suíça possa ou não afirmar, a idéia do tratamento como ferramenta de prevenção é agora “extremamente importante para o futuro”, concluiu o Professor Cohen, “casar o tratamento com a prevenção”

References
HIV Transmission under ART. XVII International AIDS Conference, Mexico City,lSUSAT41, 2008.

Wasserfallen FM Swiss statement for PLWHA on effective ARV treatment. XVII International AIDS Conference, Mexico City, abstract MOPE0212, 2008.

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