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INTERAÇÃO COM HIV IMPELE LEISHMANIOSE
02/01/2008 - Folha de São Paulo
Doença não era considerada infecção oportunista ligada à Aids
Brasileiros tentam descobrir se o parasita "Leishmania" aumenta a capacidade de replicação do vírus no organismo
Doença não era considerada infecção oportunista ligada à Aids, mas está facilitando a migração de casos entre regiões rurais e urbanas
GIOVANA GIRARDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
No ano em que brasileiros completam duas décadas de pesquisas sobre HIV, cientistas estão tendo de lidar com um novo inimigo aliado do vírus. Um uma série de pesquisas recentes sobre um surto de co-infecção entre Aids e leishmaniose no Brasil (e em países da Europa banhados pelo Mediterrâneo) está mostrando uma interação inesperada entre os dois males. Apesar de, nos locais estudados, a Aids ser tradicionalmente uma doença mais urbana, e a leishmaniose, mais rural, elas têm se misturado, provocando uma sobreposição das áreas de ocorrência.
"O que temos notado com isso é que uma acaba impulsionando o desenvolvimento da outra", explica a pesquisadora Alda Maria da Cruz, do Laboratório de Imunoparasitologia do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, que estuda o processo no Brasil. Sua equipe trabalha com a hipótese de o parasita Leishmania aumentar a replicação do HIV na célula.
Por outro lado, o sistema imunológico debilitado pela Aids acaba beneficiando o surgimento ou reaparecimento da leishmaniose, em especial da variedade visceral, a forma mais grave da doença, que atinge fígado e medula. De acordo com o Ministério da Saúde, 90% dos casos de leishmaniose visceral resultam em óbito.
A leishmaniose tegumentar, variante mais comum e mais branda da doença, também tem aparecido nos casos de co-infecção. A diferença é que nos pacientes portadores de HIV já medicados, o coquetel antiretroviral fortalece o sistema imunológico e acaba também abrandando a leishmaniose. "O problema é que na versão mais grave o coquetel parece não ter muita influência nem de controle nem de prevenção à contaminação com o parasita", conta a infectologista.
Infecção oportunista
Essa interação é semelhante à que ocorre com outras infecções oportunistas já conhecidas, como a tuberculose. Mas só agora sistemas públicos de saúde e pesquisadores têm observado a leishmaniose desempenhando este papel. Segundo Cruz, o impacto epidemiológico já é tão significativo que a OMS (Organização Mundial da Saúde) cogita introduzir a variante visceral como doença indicadora da Aids.
Isso porque os pesquisadores perceberam que às vezes um paciente só descobre que está infectado com o HIV após desenvolver a leishmaniose.
"São aquelas situações em que a Aids ainda não é sintomática, mas o sistema imunológico da pessoa já está mais fraco e ela acaba pegando a leishmaniose", afirma. Dados da OMS apontam que nos países onde esta co-infecção é mais freqüente, a leishmaniose é a primeira doença oportunista a aparecer em 60% dos casos.
Há também casos em que o paciente chegou a ter leishmaniose anos antes e tinha tratado-a. Mas ao se infectar com o HIV, a doença volta a explodir.
No Brasil, o primeiro registro da co-infecção é de 1987 e até recentemente haviam sido identificados apenas casos isolados. Nos últimos anos, porém, a co-infecção tem aparecido com mais freqüência. Entre 2000 e 2006, o Programa Nacional de Leishmaniose contou 176 casos, cientistas acreditam que haja muito mais. "Certamente é uma situação bastante subnotificada", afirma Cruz. "A leishmaniose é uma doença da pobreza, não faz parte da realidade dos médicos dos grandes centros, mas ela está cada vez mais perto de São Paulo, por exemplo. Isso pede um aumento da vigilância epidemiológica sobre as duas doenças."