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PATENTES E AIDS

22/11/2007 - Financial Times

Pressão sobre patentes força farmacêuticas a recuarem

Nos corredores grandiosos da Organização Mundial de Saúde em Genebra, as discussões sobre direitos de propriedade intelectual (PI) de remédios, que antes pareciam esotéricas, subitamente parecem menos abstratas.

Neste mês, 500 representantes de governos, da indústria e do setor sem fins lucrativos passaram seis dias debatendo novas práticas de patentes que permitissem que os remédios mais relevantes do Ocidente se tornassem mais acessíveis aos pobres.

Os países em desenvolvimento liderados pela Indonésia e China por uma vez tiveram maior influência nesta semana enquanto os especialistas lutavam para persuadi-los a compartilhar amostras do vírus mortífero H5N1 da gripe aviária -o que permitiria que as empresas ocidentais fabricassem vacinas para seus próprios mercados, mais ricos.

As discussões refletem o escrutínio crescente do sistema internacional antigo de proteção à propriedade intelectual de remédios, mesmo após anos em que a OMC fez pressão para uso mais amplo e harmônico de patentes em diferentes países. Está em questão se as patentes são um obstáculo ao fornecimento de remédios mais acessíveis e adequados aos países em desenvolvimento, ou se o sistema existente pode ser modificado para servir melhor as suas necessidades.

"Não sou contra patentes, mas você não pode pagar por elas em países como a Índia", diz Yusuf Hamied, diretor da Cipla, empresa indiana que é uma das principais fornecedoras de remédios essenciais do mundo em desenvolvimento. Até recentemente, seguindo as leis locais, ele teve permissão de ignorar a PI de drogas de rivais e produzir cópias mais baratas.

Suas opiniões talvez sejam extremas, mas há um debate crescente sobre a natureza dos benefícios que atualmente cabem aos detentores de patentes, sobre como a PI é implementada e as condições nas quais pode ser periodicamente suplantada.

Para as empresas farmacêuticas, as patentes são sacrossantas, e o que explica o fracasso em fornecer remédios para os pobres é a falta de investimento adequado sem saúde. As patentes dão exclusividade por cerca de uma década após o lançamento da droga, durante a qual seus proprietários cobram altos preços para recuperar os custos de desenvolvimento, que são em média US$ 1 bilhão (cerca de R$ 1,8 bilhão) para cada nova droga trazida ao mercado.

A importância da PI é cada vez mais reconhecida na Índia, onde rivais da Cipla, inclusive a Ranbaxy, estão tentando diversificar suas raízes como fabricantes de medicamentos genéricos e desenvolver novos. Tais empresas apoiaram as regras mais duras introduzidas em 2005 como parte da entrada no país na OMC.

"A única forma de ter melhoria é pela inovação, e a única forma de ter incentivos de investimento é proteger a PI. Você tem que ter patentes", diz Daniel Vasella, diretor executivo da Novartis da Suíça, que até agora não conseguiu a proteção de patente na Índia para a Glivec, droga contra leucemia.

Não são apenas as empresas farmacêuticas que apóiam as patentes. Peter Piot, diretor da agência de coordenação da ONU de HIV/Aids e defensor de um fornecimento muito mais amplo e barato de drogas anti-retrovirais, diz: "Precisamos da PI. Francamente, eu não vejo de onde o incentivo para inovação virá de outra forma."

O princípio é até defendido por uma série de parcerias para o desenvolvimento de drogas sem fins lucrativos, estabelecidas nos últimos anos para encontrar novos tratamentos eficazes e acessíveis para doenças no mundo em desenvolvimento, há muito negligenciadas pelas empresas farmacêuticas comerciais pela falta de um mercado significativo.

O pedido de patente permite que protejam sua própria PI contra competidores que poderiam abusar dela. As patentes também permitem que licenciem suas idéias com lucro para uso em países mais ricos, subsidiando o uso mais barato dos remédios no mundo em desenvolvimento.

Além disso, as patentes dão aos desenvolvedores maior confiança de tornar suas inovações públicas, permitindo que outros pesquisadores ganhem acesso a suas idéias. Uma PI mais fraca pode ser um freio à transparência, diminuindo a compreensão, a colaboração e o avanço científico.

Como resultado, para muitos, a questão é menos se as patentes devem existir e mais se não devem ser usadas, interpretadas e comercializadas como parte de uma estratégia mais ampla de tornar os remédios mais acessíveis.

"Todo mundo está se concentrando na PI. É importante, mas é uma distração", diz Eric Iverson, da Fundação Bill & Melinda Gates, uma das maiores patrocinadoras privadas de pesquisa médica do mundo. "Deve ser parte de um pacote mais amplo para garantir acesso global."

Ironicamente, ele diz que pode ser mais fácil fechar acordos em negociações de PI com empresas do que com universidades. Estas têm expectativas irrealistas e departamentos de transferência de tecnologia sustentados por taxas de patentes, enquanto aquelas têm extensa experiência em negociar patentes e uma compreensão realista de seu valor.

O problema, entretanto, é que, enquanto o atual sistema de PI ajudou a estimular avanços de vacinas e farmacêuticos, não tornou as drogas mais acessíveis e não conseguiu atrair pesquisa para doenças negligenciadas.

James Love, da Knowledge Ecology International, obra assistencial que faz lobby pela reforma da PI, defende um "fundo prêmio". Em vez de receber direitos de monopólio, aquele que desenvolver uma droga inovadora a cada ano, durante uma década, divide um prêmio do governo com outros que ofereceram avanços médicos. Produtores de genéricos poderiam produzir a droga imediatamente após o lançamento.

Há debates ferozes sobre se tal modelo funcionaria na prática. Jerry Norris, do Instituto Hudson, grupo de estudos do mercado livre dos EUA, diz: "Na Rússia, os inventores recebiam prêmios em dinheiro e uma medalha, mas o desenvolvimento ficava bem atrás da inovação."

Tais idéias, entretanto -e a crescente ameaça de "licenças compulsórias" para romper direitos de patentes em remédios caros- estão forçando as empresas farmacêuticas a estudarem se podem modificar o sistema existente e aprofundar os descontos para países mais pobres.

As empresas também se perguntam se pacientes ricos em países mais pobres, mas de rápido crescimento, como Índia, China e Brasil, não deveriam contribuir mais para os custos totais da inovação médica, em vez de simplesmente pagarem pelo custo marginal de produção das drogas.

Empresas como GlaxoSmithKline e Pfizer vem estudando se podem introduzir preços diferentes em países em desenvolvimento, cobrando menos para pacientes mais pobres e impedindo os ricos de adquirir as drogas baratas.

Outros vêm defendendo novos incentivos para pesquisa em doenças negligenciadas, que podem incluir extensão da duração da patente ou emissão de cupons para apressar a aprovação pelos departamentos de regulamentação.

John Lechleiter, diretor de operações da Eli Lilly, farmacêutica americana, diz: "As patentes são como a democracia: talvez sejam a pior forma de proteção, com exceção de todas as outras."

Como a democracia, as patentes, ao se espalharem pelo mundo, talvez o façam em formas cada vez mais diversas.
Andrew Jack
Tradução: Deborah Weinberg