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RESPOSTA DO FORUM DE ONGS SP
22/10/2003 - Folha de São Paulo
A Aids e os favelados da ONU - Drauzio Varella
Segue carta publicada no Painel do Leitor da Folha de S.Paulo desta segunda-feira, assinada por Eduardo Barbosa e Mário Scheffer, comentando artigo do Dr. Drauzio Varella publicado na Folha de sábado. Segue também trecho do artigo.
Combate à Aids
"Virou samba de uma nota só o famigerado programa brasileiro de combate à Aids. O artigo de Drauzio Varella "A Aids e os favelados da ONU" (Ilustrada de anteontem) repete o ufanismo em torno da "doença cartão-postal", credita o sucesso a poucos e nem sequer menciona a decisiva participação das organizações não-governamentais no combate à epidemia. Temos orgulho das respostas que ajudamos a construir, mas chega de comemoração: há muito que fazer.
Hoje mesmo, na cidade de São Paulo, faltam leitos para internação e exames imprescindíveis para o monitoramento da saúde dos pacientes. No país já vivem 600 mil infectados; todos os dias, 27 pessoas morrem de Aids e outras 58 iniciam tratamento na rede pública."
Eduardo Barbosa e Mário Scheffer, do Fórum de ONGs/Aids do Estado de São Paulo (São Paulo, SP)
Trecho do artigo do Drauzio Varella, que motivou a carta publicada no Painel do Leitor. (sábado, 18/10, Folha de S.Paulo, Ilustrada. Pág E14) :
A Aids e os favelados da ONU
"....Saí da conferência orgulhoso de meu país por ter desenvolvido pela primeira vez na história um programa de combate a uma epidemia que servirá de modelo para aliviar o sofrimento de milhões de mulheres, homens e crianças. E imaginar que isso foi conseguido à custa da vontade política e da perseverança de uma pequena equipe de funcionários públicos mal pagos, liderada pelo ex-ministro José Serra (justiça seja feita), sem nenhuma ajuda internacional, que foi capaz de encontrar as soluções mais adequadas à nossa realidade..."
texto na íntegra
No tratamento da Aids, servimos de exemplo para o mundo. Nosso programa de distribuição gratuita de medicamentos como estratégia para controlar a doença alcançou tamanha repercussão que as organizações internacionais de saúde se perguntam: se os brasileiros conseguiram, por que outros países não?
Com a epidemia mundial atingindo 45 milhões de pessoas e virtualmente devastando regiões inteiras do sul e da parte central da África, além de se disseminar vertiginosamente pelo continente asiático, a região mais densamente povoada da Terra, a pergunta parece pretensiosa, mas não é. Haja vista a proposta de doação de US$ 25 bilhões destinados à distribuição de antivirais para os habitantes dos países em desenvolvimento, que o presidente George Bush, quem diria, enviou para o legislativo americano aprovar.
Há 15 dias, assisti a um encontro internacional sobre o tema, que reuniu especialistas com grande experiência na área. Todos concordaram que a experiência brasileira jogou por terra os principais argumentos empregados para justificar a inviabilidade da distribuição em massa de drogas contra a Aids. Esses argumentos eram principalmente os seguintes:
1) Baseado na associação de antivirais, o tratamento custava em média US$ 10 mil por ano no final dos anos 1990. Como torná-lo acessível às populações de países que investem na área da saúde US$ 1 ou menos per capita anualmente?
2) Os antivirais devem ser tomados com regularidade sob risco de o HIV desenvolver resistência em poucos dias, quando as doses são inadequadas. Como convencer pessoas de baixa escolaridade a aderir a esquemas complexos, que chegam a envolver mais de dez comprimidos por dia, divididos em várias tomadas, algumas em jejum, outras depois de refeições?
3) Como criar uma estrutura burocrática nacional para assegurar a regularidade da distribuição em países com serviços de saúde precários?
Graças a avanços tecnológicos na área de produção dos antivirais, às negociações com a indústria farmacêutica, à quebra de patentes e à produção de genéricos, o Brasil demonstrou ser viável diminuir o custo médio do tratamento dos US$ 10 mil anuais de antes para US$ 300 atualmente.
O desenvolvimento de esquemas mais simples de administração, a motivação e o instinto de sobrevivência das pessoas infectadas pelo HIV, que todos os meses procuram os postos de saúde espalhados pelo país para receber seus remédios, criaram mecanismos de pressão que obrigaram o ministério e as secretarias de saúde a se organizar para garantir a distribuição e deixaram claro que a falta de escolaridade não pode ser invocada como empecilho. A luta pela sobrevivência tem o dom de igualar as ações do iletrado às do grande sábio.
Embora na área da prevenção à Aids não sejamos exemplo para ninguém, a universalização do tratamento parece ter impacto inclusive na redução da velocidade de propagação da epidemia, porque os antivirais têm a propriedade de reduzir drasticamente a concentração do vírus presente no sangue e nas secreções sexuais. Há evidências experimentais muito sugestivas de que essa redução não elimina, mas dificulta a transmissão sexual e materno-fetal.
Saí da conferência orgulhoso de meu país por ter desenvolvido pela primeira vez na história um programa de combate a uma epidemia que servirá de modelo para aliviar o sofrimento de milhões de mulheres, homens e crianças. E imaginar que isso foi conseguido à custa da vontade política e da perseverança de uma pequena equipe de funcionários públicos mal pagos, liderada pelo ex-ministro José Serra (justiça seja feita), sem nenhuma ajuda internacional, que foi capaz de encontrar as soluções mais adequadas à nossa realidade.
Sem querer, fiz um paralelo entre a ameaça à vida que a Aids representa e os dados que a ONU acaba de publicar sobre a explosão do número de favelados nos diversos países, estimado em 1 bilhão nos dias atuais e que deverá dobrar em 30 anos. E que, segundo o organismo internacional, tornará a vida nas cidades muito mais violenta e cheia de riscos.
Por que razão não podemos inovar também nessa área, quebrar tabus medievais, vencer resistências retrógradas e demonstrar ao mundo que é possível levar o planejamento familiar aos mais pobres? Garantir a eles os mesmos direitos de acesso a métodos anticoncepcionais de que as pessoas das classes mais favorecidas dispõem, ao mesmo tempo em que procuramos criar uma ordem social mais justa?
Se, para enfrentar a epidemia de Aids, foi possível distribuir à população medicamentos que, em princípio, poderiam custar US$ 10 mil por ano, o que nos impede de enfrentar a epidemia de gestações indesejadas entre adolescentes, que assola sem piedade as famílias humildes, com intervenções educativas e métodos de contracepção que custam uma fração ínfima desse valor?