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ARTIGO NO VALOR ECONÔMICO
14/05/2007 - Agência Aids
Licenciamento do Efavirenz
DIZ QUE O QUE ESTÁ EM JOGO NÃO SÃO SÓ OS US$ 30 MILHÕES ECONOMIZADOS, MAS O CUSTO DO PROGRAMA DE COMBATE À AIDS BRASILEIRO
De autoria do repórter especial Sergio Leo, o texto ainda diz que não se deve falar em demagogia, como querem alguns críticos, mas em responsabilidade fiscal, quando se analisa a negociação, entre o governo federal e a Merck, que culminou com a decretação do licenciamento compulsório em 4 de maio. O Brasil não feriu leis no caso Efavirenz, ressalta. A maior falácia na discussão é que classifica a decisão como uma quebra de contrato, ao arrepio das leis, avalia o jornalista do jornal econômico. Abaixo, o texto intitulado As patentes e os dogmas na íntegra.
As patentes e os dogmas
Quando se fala em medicamentos e China, duas notícias curiosas se repetem. Uma é o desrespeito aos direitos de propriedade intelectual no país, com uma pirataria recorde de remédios. Outra é a euforia das indústrias farmacêuticas com o mercado chinês, que fez do país um dos mais fervilhantes centros de pesquisa e produção do mundo. O paradoxo não indica que o Brasil deva seguir o exemplo chinês nessa matéria, mas recomenda menos ligeireza na análise de fatos como o recente licenciamento compulsório decretado pelo governo brasileiro para um remédio anti-aids.
A China demonstra que o mercado farmacêutico e a discussão sobre propriedade intelectual não são assunto para se tratar por critérios abstratos, na base dos dogmas de livro-texto. O mercado farmacêutico é tipicamente falho; não se pode falar, nele, em ajustes ditados simplesmente pelo mecanismo de oferta e demanda. Há fatores, além da garantia de monopólio, a estimular a pesquisa científica e a inovação, a criação e instalação de laboratórios e a produção de remédios. Renda e mercado consumidor, por exemplo.
As patentes, especialmente, impõem outra discussão, já que são um direito de monopólio, um golpe na concorrência, permitido aos inventores (ou a inovadores com espírito empresarial e inteligência para reclamar direitos sobre aperfeiçoamentos de invenções não patenteadas).
Criada por liberais, para facilitar a disseminação do conhecimento e a produtividade econômica, a lógica da patente é garantir remuneração e monopólio na invenção, suficiente para recompensar devidamente os esforços do inventor. Mas sob condições e por tempo limitado, para que não se transforme em fator de atraso e ineficiência. Quando um país, como o Brasil, lança um programa com dinheiro público para compra de um medicamento, claramente amplia mercado para esse remédio e as receitas que seu inventor previa ao iniciar pesquisas para fabricá-lo.
O sucesso desse programa leva a um aumento da receita dos fabricantes, e, como já demonstrou nesse jornal o repórter Daniel Rittner, pode criar também um problema fiscal, já que a sobrevivência de pacientes antes condenados à morte gera despesas crescentes, agravadas caso os detentores do monopólio na venda dos remédios não sejam submetidos a algum tipo de controle. Nesses casos, como aconteceu no Brasil, não se deve falar em "demagogia", como querem alguns críticos, mas em responsabilidade fiscal. O que está em jogo não são só os US$ 30 milhões economizados com o licenciamento do Efavirenz, mas o custo do programa de combate à Aids para a sociedade e a lógica que deve orientar todos os laboratórios privados nas negociações de preço com o consumidor forçado, o Estado.
Brasil não feriu leis no caso Efavirenz
O Brasil é signatário do acordo internacional de direitos de propriedade intelectual, conhecido como Trips, e seu histórico de respeito ao tratado é inquestionável. Ao contrário do que se passa na China, onde, porém, segundo relato recente de uma publicação especializada, a "Genetic Engineering and Biotechnology News" todas as 20 maiores empresas farmacêuticas têm ativas subsidiárias ou joint-ventures. A Novartis monta lá um de seus maiores centros de pesquisa mundiais. Alinhando-se com o setor de ponta de pesquisa, a China desenvolve um inovador sistema de tratamento da Aids, hoje em fase de testes, para bloquear a entrada do vírus nas células humanas.
Nas negociações internacionais, países com fortes interesses em propriedade intelectual, como os Estados Unidos, têm tentado, legitimamente, ampliar prazos e a área de cobertura do monopólio garantido pelas patentes. O Brasil e outros países, também de forma legítima, têm se recusado a isso, e argumentado que o Trips já é suficiente. Os chamados acordos Trips-plus dificultam a disseminação do conhecimento. Universidades nos Estados Unidos debatem a crescente falta de comunicação entre grupos de pesquisa, provocada pelo temor de divulgação de informações patenteáveis.
O argumento de que só o setor privado é capaz de promover pesquisas inovadoras nesse campo ignora convenientemente exemplos como o das inovadoras terapias médicas na ex-União Soviética e o da produção da vacina de meningite por Cuba a quem o Brasil, aliás, teve de recorrer na última epidemia da doença. A vacina de meningite motivou o primeiro e único caso de exceção ao bloqueio dos EUA contra Cuba, para que um laboratório britânico explorasse o know how científico da ilha.
Há exageros e inverdades na discussão sobre a decisão recente do Ministério da Saúde de licenciar compulsoriamente para venda no país genéricos do medicamento Efavirenz, após o fracasso das negociações para redução dos preços do medicamento fornecido pelo detentor da patente, o laboratório Merck. A maior falácia na discussão é que classifica a decisão como uma quebra de contrato, ao arrepio das leis.
"O Brasil usou as regras existentes, para um caso específico, e para uso interno do medicamento, pelo setor público", relaciona o senador Aloizio Mercadante, um dos primeiros a sair em defesa do governo, com argumentos sólidos, acessíveis aos que vêem os fatos sem as amarras dos dogmas acadêmicos. Foi o governo anterior, na gestão de José Serra no Ministério da Saúde (e Celso Amorim na representação do Itamaraty em Genebra), que atalhou um longo debate na OMC e eliminou dúvidas sobre o artigo que previa o licenciamento compulsório de medicamentos em casos específicos, por razões como emergência nacional ou interesse público. O licenciamento compulsório é previsto e já foi usado por países desenvolvidos, como a Itália e o Canadá, argumenta o senador.
A diversidade étnica brasileira, o forte mercado consumidor e os mecanismos criados pelo governo, como a Lei de Inovação e as linhas de financiamento do BNDES são estímulos significativos às pesquisas e investimentos na área, lembra Mercadante. O Brasil não é uma China, mas tem seus atrativos. E bem menos conflitos em matéria de propriedade intelectual.