NotÃcias
UMA VISÃO SOBRE A AIDS NA CHINA
25/02/2007 -
Gao Yaojie: Aids matou mais gente na China do que Segunda Guerra
Após semanas de prisão domiciliar, Gao Yaojie, lÃÂder da luta contra a aids na China, anunciou hoje que irá nesta segunda-feira a Washington para receber um prêmio por seu trabalho e lembrou que, em seu paÃÂs, o vÃÂrus causou mais mortes do que a Segunda Guerra Mundial.
"Posso dizer sem exagerar que as mortes por aids são mais numerosas do que as ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial na China", assegura com voz firme Gao, ginecologista aposentada de 80 anos, em entrevista no quarto de seu hotel em Pequim.
O Governo sustenta que o número de afetados pelo vÃÂrus é de menos de 800 mil.
Pequena e vivaz, esta mulher se transformou nos últimos 22 dias em um incômodo para o Executivo chinês, desde que se soube que a organização Vital Voices, presidida pela senadora americana Hillary Clinton, havia concedido àchinesa um prêmio por seu trabalho no combate àaids.
Desde o dia 4, as autoridades da provÃÂncia de Henan mantinham Gao detida em sua casa em Zhengzhou (capital), mas as pressões diplomática e midiática fizeram o Governo ceder.
"Não é que eu seja valente, é que, aos 80 anos, pouco me importa", disse a médica. "Houve avanços, e isto não teria acontecido há dez anos", afirmou ao se referir a sua viagem. "Mas se não fosse pelo rebuliço que causei, as pessoas continuariam pensando que o problema da aids na China foi resolvido." Em 1996, Gao descobriu em Henan, por acaso, a pior epidemia de aids registrada na China e no planeta. Desde 2000, quando comunicou a notÃÂcia àimprensa estrangeira, passou a ser pressionada.
Uma lúcida Gao chega a chorar ao relatar o calvário dos últimos dias: "Causaram-me muita dor, mais do que quando eu trabalhava como médica. Esta pressão era só minha, eu não tinha medo. Mas, agora, não deveriam continuar a pressionar meus parentes, sobretudo meu filho, que me pediu de joelhos para que eu não viajasse".
O escândalo de Henan foi documentado com detalhes pelo jornalista Pierre Haski em seu livro "Le sang de la Chine" (O sangue da China, editado na França em 2005), no qual conta que, entre os projetos para "desenvolver" esta provÃÂncia de 100 milhões de habitantes, estava a compra de sangue dos camponeses mais pobres.
Os 400 centÃÂmetros cúbicos de sangue extraÃÂdos de cada em cada ocasião (pagava-se US$ 4 por litro) eram centrifugados por um sistema chamado plasmaférese. Assim, os camponeses recebiam de volta seus glóbulos vermelhos, para que não perdessem força. Na maioria de casos, porém, o sangue de vários doadores era misturado.
Como conseqüência disso, houve uma difusão em massa do HIV e de hepatite B e C. A censura sobre o caso impossibilita o cálculo de quantas pessoas foram afetadas, mas estima-se que esse número seja de entre 300 mil e 2 milhões.
"A aids na China tem um padrão de transmissão diferente do padrão que há no exterior. Eu visitei milhares de doentes no campo, e, na China, a principal via de transmissão é o sangue, pela venda e (hoje em dia) pela transfusão de sangue infectado." No entanto, ainda não foram apuradas as responsabilidades polÃÂticas ou legais pela contaminação em massa. "A polÃÂtica não me interessa", afirma Gao. "Acho que o que incomoda é o fato de eu falar dos casos de sangue infectado." "Na China, existe a transmissão da doença pelo compartilhamento de seringas de drogados e pela via sexual", como sustenta o Governo, "mas o que eu denuncio é a gravidade dos casos de transmissão por transfusões", explica.
Apenas em outubro de 2006, Gao recebeu 40 cartas de portadores do HIV que haviam contraÃÂdo o vÃÂrus em transfusões de sangue infectado.
"A situação melhorou em relação ao passado. Antes a existência da aids na China era negada, mas agora o Governo a admite", mas apenas alguns casos localizados. Ela diz, porém, que, na realidade, a doença existe em todo o paÃÂs, mas no norte e no oeste a situação é muito grave. "É impossÃÂvel que vocês saibam a verdade." Durante sua detenção, Gao recebeu a visita de pelo menos 20 funcionários do Governo que tentavam dissuadi-la de viajar a Washington. Além disso, ela teve de se deixar fotografar ao lado deles pela imprensa local, como parte de uma campanha para aplacar as denúncias dos meios de comunicação estrangeiros.
"Proibiram-me de falar com a imprensa estrangeira, dizem que vocês só publicam mentiras. Mas eu acho que quem mente é a imprensa de Henan", afirma.
Gao relata como os doentes de aids são discriminados, silenciados, acossados e conta que morrem sós por não terem acesso aos tratamentos nem dinheiro para ir ao hospital. "A pressão que eu sofro não é importante, o que importa é que muita gente perdeu a vida, e só se vive uma vez", afirma.