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Bayer pode ter disseminado Aids

23/05/2003 - O GLOBO

Empresa é acusada de vender a hemofílicos remédios contaminados.

Empresa é acusada de ter vendido a hemofílicos remédios contaminados

WaIt Bogdanich e Eric KoIi - Do New York Times

NOVA YORK. Uma divisão do laboratório farmacêutico Bayer vendeu milhões de dólares em um medicamento coagulante para hemofílicos —produto que tinha alto risco de transmitir Aids — para a Ásia e a América Latina em meados dos anos 80, ao mesmo tempo em que oferecia um remédio novo e mais seguro nos EUA e na Europa, segundo documentos obtidos pelo New York Times”.

A unidade da Bayer, a Cutter Biological, começou a distribuir o remédio mais seguro no fim de fevereiro de 1984, quando aumentaram os indícios de que a versão mais antiga do medicamento estava infectando hemofílicos com o HIV. Ainda assim, por mais de um ano, a empresa continuou a vender o remédio antigo.

Como mostram os registros, os funcionários da Cutter estavam tentando se livrar de um grande estoque do produto, que se mostrava cada vez menos vendável na Europa e nos Estados Unidos.

Mas mesmo depois de começar a vender o novo produto, a empresa continuou a fabricar o velho remédio por alguns meses. Um telex da Cutter para um distribuidor sugere a existência de pelo menos um motivo para a decisão: a empresa tinha diversos contratos com preços fixados e acreditava que a versão antiga do remédio teria um custo de produção mais baixo.

Quase duas décadas mais tarde, é difícil precisar o número de perdas humanas decorrente dessas decisões comerciais.

Mas, somente em Hong Kong e Taiwan, mais de cem hemofílicos foram infectados depois de usar a versão antiga do remédio, segundo registros e entrevistas. Muitos já morreram desde então. A Cutter também continuou vendendo o produto antigo depois de fevereiro de 1984 em Malásia, Cingapura, Indonésia, Japão e Argentina, segundo os registros.

— Esses são os mais incriminatórios documentos internos da indústria farmacêutica que eu já vi — afirmou Sidney M. Wolfe, que, como diretor do Grupo de Pesquisa Pública da Saúde do Cidadão, investiga as práticas da indústria há três décadas.

Respondendo a perguntas por escrito, funcionários da Bayer disseram que a Cutter “se comportou de forma responsável, ética e humana” ao vender o produto antigo em outros países. “As decisões tomadas há quase duas décadas foram baseadas na melhor informação científica disponível na época e eram consistentes com a legislação vigente; não podem ser julgadas com base em informações disponíveis hoje”, informaram.

A Cutter continuou vendendo a droga antiga, segundo a Bayer, porque alguns pacientes duvidavam da eficácia da nova e porque alguns países foram lentos na aprovação de sua venda.

O medicamento, chamado fator de coagulação sangüínea VIII, é feito à base de plasma e fornece aos hemofílicos o ingrediente que falta para a coagulação de seu sangue, os ajudando a levar uma vida normal. Injetando o remédio, os hemofílicos conseguem suspender sangramentos ou mesmo evitá-los. Alguns usam o remédio até três vezes por semana.