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ENTREVISTA COM A DIRETORA PNDST/AIDS

17/04/2006 - Rev.Saber Viver

Não falta dinheiro para a compra dos ARV no Brasil

Entrevista da diretora do Programa Nacional de DST/Aids (PN), Mariângela Simão para a Revista Saber Viver.

SV – Existe a possibilidade de faltar antiretroviral (ARV) em 2006, como aconteceu em 2005?
PN – Infelizmente, isso pode voltar a acontecer. O problema é mundial e está relacionado à falta de matéria prima de boa qualidade para a fabricação dos ARV. Hoje, mais pessoas estão tendo acesso ao tratamento, mas a indústria para fabricação de medicamentos genéricos e de matéria prima não está crescendo para atender a esta demanda no mundo.

SV – O que o PN está fazendo para evitar o desabastecimento de ARV?
PN – Estamos controlando os nossos estoques. Alguns medicamentos ainda precisam de controle na distribuição porque três laboratórios nacionais tiveram problemas com a matéria prima que será utilizada na fabricação de ARV este ano. Mas a articulação entre as diversas áreas do Ministério da Saúde melhorou bastante. Isso é bom, porque o Programa de Aids é responsável pela estimativa e programação de compra dos ARV, mas a compra é realizada por outros setores do Ministério.

SV – O problema não é falta de dinheiro?
PN – No Brasil, o problema não tem sido orçamentário nem financeiro. Está relacionado à produção de matéria prima em nível mundial. A determinação do Governo é que não falte dinheiro para medicamento contra aids. O orçamento do PN para a compra de ARV neste ano é de R$ 960 milhões. Com a introdução de novos medicamentos no Consenso, é fundamental que haja aumento da capacidade de produção nacional, assim como a redução de preços dos medicamentos no mercado internacional.

SV – O acordo com o laboratório Abbott para a compra do Kaletra foi vantajoso?
PN – Para este ano, haverá uma redução de preços significativa. Mas, a longo prazo, infelizmente o acordo não nos dá a chance de ampliar a nossa capacidade de produção de medicamentos de 2ª linha, como é o caso do Kaletra.

SV – E o que vem sendo feito para melhorar a capacidade de produção de ARV?
PN – Estamos negociando com outra multinacional, a Merck, a licença voluntária para o Brasil do efavirenz, um dos medicamentos que impacta bastante o orçamento. A longo prazo, o Brasil coordena a Rede de Cooperação Tecnológica em HIV/Aids que pretende melhorar a capacidade de produção dos países participantes em ARV, laboratório, vacinas e preservativos. Fazem parte da Rede Argentina, Brasil, Cuba, China, Nigéria, Rússia, Tailândia e Ucrânia. Todos possuem algum capital tecnológico na indústria farmacêutica de medicamentos ou em laboratórios.

SV – Vai faltar camisinha nas unidades de saúde este ano?
PN – Faltou ano passado porque, de 2004 para 2005, tivemos um problema seríssimo com a qualidade do preservativo. No Brasil, o processo de licitação privilegia o menor preço.
Quando o preservativo vem de fora do país, passa por um processo de controle de qualidade. Uma empresa internacional que ganhou a licitação no ano passado teve 60% do lote reprovado nos teste de qualidade e, infelizmente, o processo de reposição é lento. Os preservativos ainda estão chegando. Neste ano, vamos comprar 1 bilhão de preservativos. 150 milhões já foram adquiridos através do Fundo de Populações das Nações Unidas, que possui um sistema próprio de pré-qualificação. Assim, apesar de eles passarem por um processo de certificação no Brasil, sabemos que estamos comprando um produto de boa qualidade.

SV – E a fábrica de camisinhas que o Governo do Acre está construindo, com o apoio do Governo Federal?
PN – A produção, que deve começar no início do ano que vem, prevê a fabricação de 100 milhões de preservativos por ano, o que não torna o Brasil auto-sustentável, até porque trabalhamos com seringal nativo. Mas trata-se de um projeto de desenvolvimento sustentável inédito no mundo. Os seringueiros já foram treinados para realizar a extração do látex com melhor qualidade. Isso é fundamental para fabricarmos uma camisinha de boa qualidade e ainda proporcionar a melhoria da qualidade de vida dos seringueiros.

SV – O número de pessoas infectadas pelo HIV aumentou, mas os serviços de saúde não aumentaram na mesma proporção. Como o Programa pretende resolver este impasse?
PN – Uma das estratégias é ampliar a cobertura da atenção. Ou seja, uma pessoa soropositiva sadia, com CD4 monitorado, não precisa necessariamente estar em um serviço especializado.
Ela pode ser acompanhada em uma unidade básica de saúde. A idéia é fazer com que ela tenha um tratamento adequado ao nível de complexidade que ela realmente precisa. Existe vontade política de estados e municípios para que o diagnóstico seja precoce e que as pessoas tenham acesso ao tratamento de forma adequada.

SV – Mas, infelizmente, o diagnóstico tardio ainda é um grande problema.
PN – Por isso, vamos implantar os testes rápidos também nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA). Nos CTAs existem algumas distorções. Gestantes procuram diagnóstico nos CTAs, enquanto deveriam fazê-lo na rede básica, junto ao pré-natal. O CTA deve atender populações vulneráveis que precisam de um diagnóstico rápido.

SV – Mas o teste rápido é confirmatório?
PN – Sim. O Ministério da Saúde fez uma pesquisa a respeito e estabeleceu um sistema [algoritmo] que permite confirmar se uma pessoa é soropositiva fazendo dois tipos de testes rápidos. Se os resultados forem diferentes, isto é, se um é positivo e outro é negativo, faz-se um terceiro teste para confirmação de diagnóstico.

SV – Diante de tantos obstáculos, porque somos consideramos o melhor programa de combate à aids do mundo?
PN – Porque temos um Sistema Único de Saúde (SUS) que nos oferece uma estrutura de serviço de saúde. Em vários países, isso não existe e torna-se o maior entrave para o acesso ao tratamento. Funcionando bem ou mal, nós temos os conselhos estaduais e municipais de saúde, instituições legalmente constituídas que permitem que exijamos o nosso direito e tenhamos formas legais de acionar o Ministério Público ou a Defesa do Consumidor quando necessário. Logo, a luta pelo orçamento do Sistema Público de Saúde é uma luta
também do movimento contra a aids. A participação da sociedade civil ligada aos movimentos de aids é muito forte no Brasil e tem influência na política governamental. SV