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AÇÃO PARA QUEBRA DE PATENTE

01/12/2005 - Agência Aids

Ministério Público Federal e Ongs entram com ação civil

Em uma decisão inédita, Ministério Público Federal e organizações de luta contra aids entraram hoje, dia 01, em Brasília, com uma ação civil que obriga a quebra de patente do anti-retroviral Kaletra por parte do Ministério da Saúde. A ação movida contra o Governo Federal suspende o monopólio da Abbott na fabricação de uma das drogas mais caras que integram o coquetel anti-Aids, distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e permite que laboratórios nacionais passem a produzir o medicamento.

De acordo com o Procurador da República, Peterson Pereira, responsável pela ação no Ministério Público, foram investigados abusos praticados pela industria farmacêutica Abbott e constatado que o licenciamento compulsório, atende não só a interesses públicos como pode acarretar uma economia de US$ 65 milhões, caso o medicamento passe a ser fabricado pela indústria nacional. “Isso que estamos fazendo é compromisso com a saúde dos portadores do HIV/Aids, além disso o Brasil tem condições legais de quebrar a patente do Kaletra”, afirma Pereira.

Sem utilizar a licença compulsória, o Ministério da Saúde firmou em outubro deste ano um acordo com a Abbott para redução do preço cobrado pelo Kaletra. Segundo o entendimento estabelecido pelo Ministério da Saúde, o preço unitário do medicamento passou de US$ 1,17 para US$ 0,63 e não foi necessário iniciar o licenciamento compulsório do Kaletra, porque o preço negociado é menor do que o praticado, caso o medicamento passasse a ser fabricado por laboratórios nacionais.

De acordo com os proponentes da ação, a explicação não é correta e o preço mais baixo não representa vantagem econômica para o País. O Procurador da República, Peterson Pereira, explica que o acordo impede a transferência de tecnologia e o desenvolvimento da industria nacional, que poderia estar investindo na produção da versão genérica do Kaletra. “O governo tem uma alternativa mais eficiente e que combate o alto preço do medicamento, que é a licença compulsória”, garante o Procurador.

Orçamento gasto com Kaletra - Jorge Beloqui é membro do Grupo de Incentivo à Vida (GIV), uma das organizações que assinam o documento. Segundo ele, é necessário que o poder público tome medidas para coibir excessos por parte da industria farmacêutica. Na opinião do ativista, “interesses secretos” colocam em risco a saúde de mais de 23 mil portadores da doença que utilizam o Kaletra na terapia anti-retroviral. “Não é só a esfera judicial. Aqui tem vidas em jogo”, ressalta Beloqui. Existem no Brasil 170 mil pacientes que utilizam anti-retrovirais, destes 23,4 mil são atendidos com o Kaletra.

Dados do Programa Nacional de DST/Aids mostram que o gasto com anti-retrovirais chega a R$ 1 bilhão por ano. Em 2005, só o Kaletra tomou 30% deste valor. “É a própria sustentabilidade do Programa Nacional que está em jogo. Como gastar tanto com medicamentos que poderiam ser mais baratos”, questiona o ex-coordenador do Programa Nacional de DST/Aids e atual consultor do programa estadual de São Paulo e da Organização Mundial da Saúde (OMS) para HIV/Aids, Paulo Roberto Teixeira.

A ação recebeu apoio de parlamentares, integrantes do Conselho Nacional de Saúde e 40 organizações não-governamentais que integram o Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual, da Rede Brasileira pela Integração dos Povos. O documento foi encaminhado a um juiz de 1ª instância que irá examinar o pedido e proferir uma liminar.

Segundo o documento encaminhado pelo Ministério Público, se a decisão for favorável, os direitos da Abbott ficam suspensos e laboratórios nacionais podem começar a investir na produção do medicamento. Mas favorável ou não, caberá recursos para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região. “Caso a ação seja favorável, vamos entrar com pedidos para quebra de patentes de outros medicamentos onerosos para o Programa Nacional de Aids”, projeta a advogada da organização Conectas Diretos Humanos, Eloísa Machado.

Indústria Nacional

Hoje, apenas oito, dos 17 medicamentos que compõe as drogas distribuídas gratuitamente, têm fabricação brasileira. Ativistas e especialistas no assunto afirmam que a falta de investimento na industria brasileira pode deixar o país refém de decisões internacionais dos grandes laboratórios. O consultor da OMS, Paulo Roberto Teixeira, foi um dos apresentadores do tema frente ao Conselho Nacional de Saúde. Segundo ele, o Brasil tem mais de 10 anos na produção de anti-retrovirais e acordos como o que foi realizado com a Abbott significa custos injustos para o País. “É preciso entender que é indispensável investir na industria nacional e garantir o mínimo de independência para o Brasil”, ressalta.

O laboratório Farmanguinhos é responsável pela produção de sete dos oito anti-retrovirais distribuídos no Brasil, mas possui tecnologia para produzir todos os medicamentos distribuídos pelo governo brasileiro. Atualmente, o laboratório coloca no mercado apenas anti-retrovirais não protegidos por patentes. Dados da instituição mostram que em 2005, foram gastos US$ 337,5 milhões na produção de 51 milhões de cápsulas de remédios anti-aids. Quantitativo que representa 32% da produção nacional.

Carolina Kalume, de Brasília.