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PESQUISA CONTRA AIDS

29/10/2005 - Folha de S.Paulo

Comissão suspende estudo sobre a Aids

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) decidiu ontem suspender uma pesquisa do laboratório Abbott com o medicamento contra a Aids Kaletra que é feita com recursos do Sistema Único de Saúde, mas sem o conhecimento do governo.
A empresa, segundo a comissão, não apresentou informações suficientes sobre o teor do estudo, que envolveria 300 pessoas.
De acordo com o presidente do órgão, William Saad Hossne, caso a empresa não cumpra a ordem de suspensão, o caso será levado aos conselhos de medicina e ao Ministério Público.
A Conep, ligada ao Ministério da Saúde, havia pedido que a Abbott apresentasse dados completos sobre o estudo, como nomes de coordenadores, patrocínio envolvido. Isso depois de receber denúncias de que a pesquisa era feita sem a autorização do órgão, que tem de se manifestar sobre determinados tipos de estudos, como os que vêm do exterior.
Anteontem, a Comissão Nacional de Aids também pediu que a Abbott enviasse dados à Conep, em razão do estudo utilizar a estrutura do SUS para suas avaliações, incluindo o próprio remédio, que hoje é integralmente pago com verba do programa nacional de Aids.
"Os membros desta Comissão entendem que projetos que envolvam recursos humanos e financeiros do SUS devam necessariamente ser submetidos aos órgãos gestores do SUS (...) para não restar dúvidas quanto à sua lisura e transparência", diz o texto. O temor é que a pesquisa vise induzir demanda pela droga.
O órgão também informou ter sido informada de que os profissionais de saúde de órgãos públicos envolvidos estariam sendo remunerados para desenvolver a pesquisa. "Tal fato poderia caracterizar (...) comprometimento ético da atenção na saúde pública."
Como a Abbott não apresentou os dados, a Conep decidiu avocar o estudo, o que levou à suspensão.
Segundo o coordenador nacional de DSTs/Aids do Ministério da Saúde, Pedro Chequer, "a princípio", a pesquisa não lhe pareceu ética. "Quando as pesquisas acontecem, o laboratório financia tudo, medicamento, insumo. Aqui, na realidade, está sendo pago pelo governo", afirmou.
ONGs do setor de Aids vêem no estudo uma tentativa da Abbott de manter o mercado do remédio. No futuro, o Kaletra deverá ser substituído por uma nova fórmula da Abbott, o Meltrex.
"Isso é exemplo de protocolo que pode estar a serviço do marketing, e não de uma pesquisa científica. Pode ser estratégia de segurar pacientes de vida útil relativa, justamente para serem trocados pelo Meltrex", afirma Mário Scheffer, da ONG Pela Vidda e representante de usuários no Conselho Nacional de Saúde.
O Kaletra é o remédio que gerou uma longa negociação entre o governo federal e a empresa, em razão do seu alto custo. O Ministério da Saúde conseguiu uma redução de 46% do preço do Kaletra, mas foi criticado por não ter quebrado a patente da droga.

Outro lado

O laboratório, que deverá ser informado nos próximos dias sobre a decisão, não quis se manifestar sobre a medida, mas divulgou nota em que afirma que atende rigorosamente à legislação do Brasil referente a pesquisas.
"Antes de ser iniciado, o protocolo do estudo foi revisto e aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa dos Centros de Tratamento de HIV/Aids em que é conduzido", diz o texto.