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AIDS E POBREZA

26/10/2005 - EFE

Kibera, o bairro onde a aids e a pobreza destroem a infância

Crianças soropositivas, órfãs por causa da aids ou filhas de pais doentes lutam para sobreviver em Kibera, considerada a maior concentração de favelas da África, onde a pobreza freqüentemente as transforma em objetos de violência sexual.
Elas fazem parte dos "grandes esquecidos" na luta contra a aids que o Fundo da ONU para a Infância (Unicef) mencionou nesta terça-feira ao lançar uma campanha mundial para chamar a atenção sobre os efeitos da doença entre as crianças.
"Desde que o estupraram, meu filho não está bem. Sua cabeça não está boa. Ele vai ao colégio, mas não aprende", contou à EFE Peris Awour, de 45 anos, também soropositiva, viúva de um homem que morreu de aids e que tem nove menores sob seus cuidados: sete filhos e dois netos.
"Eu estava doente e não tínhamos comida. Meu filho, que tinha 10 anos, saiu para tentar conseguir algo, e desapareceu durante duas semanas. Quando o encontramos, tinha medo de voltar para casa. Ele contou à Polícia que um homem o havia estuprado repetidamente", contou Awour.
Situações como esta não são exceção em Kibera, um bairro da capital queniana que abriga cerca de um milhão de pessoas em 2,5 quilômetros quadrados. As condições são lamentáveis: não há água potável, eletricidade ou vasos sanitários.
Dois terços dos habitantes de Kibera, que se transforma em um lamaçal intransitável quando chove, vivem com menos de um dólar por dia, e 11,3% das crianças morrem antes de completar cinco anos.
Awour abandonou sua terra natal de Kisumu, no oeste do Quênia, quando foi acusada de ter causado a morte de seu marido.
Duas de suas filhas e uma neta são soropositivas, e ela atribui à doença sua própria incapacidade para cuidar da família: "Não posso mais trabalhar. Antes vendia frutas, mas agora não pago o aluguel - de sete euros por mês - há seis meses".
Denominada "Unidos pelas crianças, unidos contra a aids", a campanha lançada hoje pela Unicef e pela agência da ONU para a aids, a Unaids, procura prevenir a transmissão de mães para filhos do Vírus HIV, além de facilitar os tratamentos pediátricos, prevenir a infecção entre adolescentes e dar apoio aos menores soropositivos.
Segundo o diretor regional para a África da Unicef, Per Engebak, "a aids afeta adultos e crianças, mas a estes últimos não foi dada a mesma prioridade".
Os desafios da campanha na África são imensos: há treze milhões de órfãos devido à aids no leste e sul do continente, 1,2 milhões de menores infectados, dos quais apenas 5% têm acesso ao tratamento.
Cerca de 300 mil crianças morreram em 2004 devido à doença no continente.
Os menores sentem na própria carne a incapacidade de seus pais doentes de alimentá-los. Ao ficarem órfãos, são freqüentemente abandonados e, se eles mesmos são soropositivos, têm dificuldades para obter remédios caso não pesem, pelo menos, 25 quilos.
Segundo o diretor regional da Unaids, Mark Sterling, "há anos os países vêm prometendo atender as demandas das crianças, mas a realidade é que elas foram esquecidas".
No Quênia, onde a incidência do HIV é de 6,7% da população adulta, há 650 mil órfãos por causa da aids, o que representa um peso enorme para as famílias, já pobres e debilitadas pela doença.
É o caso de Emily Akoth, mãe solteira de 34 anos, soropositiva e responsável por 15 menores, cinco deles sobrinhos, dos quais passou a cuidar após a morte de sua irmã.
"Todos os anos dou à luz a um filho. Precisamos de comida e busco dinheiro com os homens", admite Akoth.
Grupos de mulheres de Kibera montaram centros para atender crianças soropositivas e órfãs. O Centro de Resgate Stara recebe apoio do Programa Mundial de Alimentos.
"Começamos com seis crianças. Mas desde que passamos a dar comida o número aumentou, e agora temos 400", explica Josephine Mumo, uma das fundadoras do programa.
"A nutrição melhorou e há menos estupros, já que as crianças não precisam lançar-se à vida para conseguir comida", acrescenta.
O centro fornece café da manhã e almoço, e muitas crianças levam para casa os restos de comida para oferecer a seus pais doentes sua única refeição do dia.