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O PREÇO DO KALETRA

05/10/2005 - Agência Aids

Ministro da Saúde divulga informação truncada

O ministro da Saúde Saraiva Felipe divulgou nesta segunda-feira, 3, em sua fala durante a cerimônia de entrega do 1º Prêmio Nacional CEN Aids no Mundo do Trabalho, realizada em São Paulo, que estaria fechando um acordo de preços com o laboratório Abbott para a compra do Kaletra, anti-retroviral usado no tratamento da Aids, por US$ 0,59 centavos a unidade, praticamente metade do preço praticado no contrato vigente, de US$ 1,17.
Porém, em edições de vários jornais do país nesta terça-feira, 4, o preço que aparece como tendo sido acordado com o laboratório é de US$ 0,63, uma diferença de quatro centavos em relação ao preço divulgado anteriormente. Segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde, os valores que serão citados no contrato que se inicia em março são US$ 1,17 e US$ 0,63. A disparidade entre os dois valores, um citado pelo ministro e o outro informado pela assessoria do Ministério, deve-se a uma doação de medicamentos no valor de US$ 3 milhões – praxe em toda renovação de contrato.
O ministro abateu o valor da doação do total que será gasto na compra do Kaletra para chegar aos US$ 0,59 centavos por unidade, informação que foi omitida em sua declaração sobre o acordo feita à imprensa na sede do Itaú Cultural em São Paulo, onde foi realizada a entrega dos prêmios do CEN Aids. Entretanto, o Ministério da Saúde não soube informar quais são os medicamentos que serão doados pelo Abbott.
A assessoria de imprensa do Ministério da Saúde ressaltou que, mesmo com o preço a US$ 0,63 a unidade, o governo economizará US$ 339, 5 milhões na compra do Kaletra até 2011, ano em que terminará contrato com o Abbott. Outra vantagem prevista no acordo, segundo a assessoria, é poder adquirir o Meltrex – nova versão do Kaletra – por “apenas” 10% a mais que o valor pago pelo Kaletra. O Meltrex traz benefícios ao portador do HIV por diminuir o número de pílulas a serem ingeridas por dia de seis para quatro e por não obrigar o usuário a ingerir alimentos gordurosos para ter uma melhor absorção do princípio ativo. A assessoria ainda ressaltou que, com o novo acordo, o governo não se torna refém de nada e não será obrigado a nada.
O pesquisador do Instituto de Saúde de São Paulo e ex-coordenador do Programa Nacional de DST/Aids, Alexandre Grangeiro, considerou o acordo de preços vantajoso porque faz uma economia de 31% em relação ao acordo anterior anunciado pelo ex-ministro Humberto Costa, que previa uma economia de US$ 259 milhões no mesmo período. “Porém, o acordo só vale a pena se não vincular a negociação do preço a prazos ou à variação de consumo. O governo tem que ter a possibilidade de reavaliar o preço do Kaletra dentro do prazo de validade do contrato e poder dar continuidade ao processo de transferência de tecnologia para a produção nacional do medicamento,”
“Esta confusão sobre o preço unitário do Kaletra só reflete a obscuridade de como vem sendo encaminhado o acordo”, comentou a assessora de projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA) e integrante do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), Renata Reis. Ela comentou que o grupo pediu uma audiência com o ministro Saraiva Felipe há mais de um mês e a mesma foi marcada somente para o final de outubro. Na pauta da reunião, está o licenciamento compulsório. “A sociedade civil acompanha as negociações que são importantes para a soberania nacional, nas palavras do ministro, pela imprensa. Em nenhum momento, fomos consultados. A gente fica até constrangida de dar opinião porque não temos as informações,” protesta a assessora.
Reis comentou que primeiro houve o ultimato de uma semana que já dura três meses do ministério para o Abbott reduzir os preços, depois o acordo fechado pelo ex-ministro Humberto Costa, que foi um fiasco e que, agora, trocou o ministro mas a forma de fazer política continua a mesma. “O setor econômico vem sempre em primeiro lugar e nunca foi simpático à licença compulsória. Eles se preocupam muito com as retaliações dos Estados Unidos mas muito pouco com os usuários do SUS e com os portadores do HIV”, observou a ativista. Para ela, o acordo é uma medida paliativa e não dá sustentabilidade ao Programa Nacional de DST/Aids a longo prazo. “O Ministério da Saúde deveria negociar a transferência de tecnologia para garantir a produção nacional dos medicamentos,” concluiu.

Maurício Barreira