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FILME - O JARDINEIRO FIEL

03/10/2005 - Agência Aids

Questiona lucro abusivo e a ética da indústria farmacêutica

A pré-estréia do filme “O Jardineiro Fiel”, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles na noite da quinta-feira, 29, e promovida pela Folha de S.Paulo, Sala Uol de Cinema e pela United International Pictures, atraiu mais pessoas do que os 250 lugares disponíveis, fazendo com que muitos acompanhassem a sessão espalhados pelo chão. Após a exibição, foi realizado um debate que contou com a participação do diretor Fernando Meirelles, da assessora técnica da área de cooperação externa do Programa Nacional de DST/Aids, Cristina Almeida, e do diretor de assuntos corporativos da empresa farmacêutica Bristol-Myers Squibb, Antonio Carlos Salles. A mediação foi feita pela jornalista Claudia Colucci.
“O Jardineiro Fiel”, uma co-produção do Reino Unido, Alemanha e Quênia, tem nos papéis principais os atores Ralph Fiennes e Rachel Weisz e conta a história de um diplomata britânico a serviço no Quênia, que tem a esposa assassinada aparentemente por motivos passionais. Ao investigar a morte da mulher, o diplomata acaba descobrindo que ela tinha tentado denunciar testes ilegais de um medicamento contra a tuberculose multi-resistente realizados por uma empresa farmacêutica com africanos portadores do HIV/Aids, sem o conhecimento dos mesmos e com a conivência dos governos queniano e britânico. O filme retrata, ao mesmo tempo de maneira delicada e crua, o descaso da indústria com a vida humana.
O filme é baseado em um best-seller de autoria de John Le Carré e, apesar da história ser fictícia, Meirelles contou que ela foi inspirada em um caso real acontecido na Nigéria há quatro anos atrás, quando o laboratório Abbott testou um medicamento sem o conhecimento das pessoas que o estavam utilizando. Os usuários do remédio apresentaram problemas nas pernas e a empresa está sendo processada até hoje.
Meirelles afirmou que acompanha a questão das patentes desde 2001, quando foram iniciadas as primeiras discussões sobre licença compulsória de medicamentos anti-retrovirais e acompanhou, mais recentemente, as negociações do Ministério da Saúde com o laboratório Abbott para reduzir o preço do Kaletra. O diretor afirmou que o interesse pelo assunto o levou a aceitar dirigir “O Jardineiro Fiel”. “O grande problema da indústria farmacêutica é o lucro exorbitante que dificulta o acesso aos medicamentos e este podia ser o tema deste debate,” propôs.
As declarações do cineasta foram seguidas de um duelo afiado entre os representantes do Programa Nacional de DST/Aids e da Bristol-Myers Squibb. Cristina Almeida disse que o licenciamento compulsório é um dos pilares da sustentação do programa. A assessora questionou os critérios usados para conceder a patente durante 20 anos para uma empresa farmacêutica. “As patentes impedem que o governo fortaleça a produção nacional e dificulta a informação e o acesso à tecnologia. O licenciamento compulsório é uma arma poderosa para a negociação com a indústria,” declarou. Almeida ainda ressaltou que, com o licenciamento compulsório, o governo conseguiu reduzir em 75% os preços dos medicamentos, sinal de que havia uma “gordura” na margem de lucro das empresas. “Das 500 empresas mais ricas do mundo, as dez primeiras são da indústria farmacêutica,” acrescentou a assessora técnica do PN-DST/Aids. Em relação ao argumento da indústria que a quebra de patentes desestimula o investimento em novas pesquisas, Almeida disse que as empresas farmacêuticas gastam mais dinheiro em propaganda e ações de marketing e convencimento de profissionais da área de saúde do que em pesquisa científica.
O executivo da Bristol-Myers Squibb Antonio Carlos Salles respondeu às críticas de Cristina Almeida dizendo que o governo não cumpre sua função de Estado por não produzir medicamentos contra males mais simples que acometem a população tais como a disenteria, a malária e o tifo. Salles ressaltou ainda que a verba do governo destinada à publicidade é 38% superior àquela destinada para a compra de medicamentos. Para Salles, o governo deveria ampliar o orçamento da Saúde para resolver o problema de acesso aos medicamentos. “Se comparado aos países do primeiro mundo, os preços dos anti-retrovirais praticados no Brasil são absolutamente acessíveis,” afirmou.
Cristina Almeida frisou que, em nenhum momento, o governo quer tomar para si a fabricação pública dos medicamentos, mas sim garantir o acesso aos medicamentos, ao tratamento e aos serviços de saúde. “Não se pode comparar os preços do Brasil com os países do primeiro mundo. Temos que comparar com os países da América Latina e do Caribe e, nesse caso, foi constatado que o Brasil paga caro por esses remédios”, ressaltou.
O debate, em termos gerais, não trouxe nenhuma novidade para quem já acompanha o embate entre o governo e a indústria farmacêutica na questão do licenciamento compulsório, mas foi de extrema importância, assim como o filme, ao promover a ampliação da discussão sobre o acesso aos medicamentos para o público em geral, até então restrita à indústria, aos trabalhadores e organizações da sociedade civil ligados à área da saúde e à mídia especializada. Talvez, involuntariamente, a Sétima Arte poderá, com "O Jardineiro Fiel", impulsionar um grande número de espectadores a se interessar por um tema considerado, até então técnico, no momento em que o governo brasileiro trava uma queda de braço com o laboratório Abbott em torno da redução de preço do medicamento Kaletra, um dos usados no coquetel que combate o HIV.

PÚBLICO APLAUDE E SE EMOCIONA COM O FILME

"Achei iimportante fazer um filme sobre o tema. Pensei qe fosse um documentário, mas é uma história para poder discutir o tema Aids", reagiu Julia Pucci, estudante que participou da exibição de "O Jardineiro Fiel" e acompanhou o debate. Outra estudante, Irene Bittar considerou o filme "muito polêmico e um grande romance". Rosa Maria, moradora do bairro onde fica a Sala Uol, Pinheiros, em São Paulo considerou o assunto "pertinente". O jornalista Carlos Lima, além de achar o trabalho de Meirelles "polêmico", disse que "gostou muito da fotografia".

Maurício Barreira